Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013
panorama historico reforma 2
Maely Ferreira Vilela é pastor presbiteriano e Reitor do Seminário Presbiteriano de Teresina -Piauí.
II. IGREJA DEFORMADA
De 590 a 1517 - Aqui, as palavras ditas por João, em Apocalipse 2:4, referindo-se à Igreja de Éfeso, se aplicam muito bem a esse segundo momento da História da Igreja: "Tenho porém, contra ti, que abandonaste o teu primeiro amor". Essas palavras conceituam, classificam muito bem este novo momento. A Igreja começou gradativamente, a se distanciar de sua referência, daquela bússola orientadora, a se degenerar pouco a pouco.
Esse período vai desde 590 até 1517. É um período muito grande à nível da História Universal. Compreende naturalmente, toda a medievalidade. Como essa fase é muito longa, basicamente 1000 anos, costuma-se dividi-la em duas grandes fases chamadas de Alta Idade Média e Baixa Idade Média, apenas para efeito didático.
A. Alta Idade Média - A Alta Idade Média, é aquele período em que predominou o sistema político denominado de Feudalismo. Quem dominava tudo era o Senhor Feudal. Existiam duas classes: o Senhor Feudal e o Servo da Gleba.
Não existia moeda corrente ainda e a Igreja era um desses senhores feudais. Ela tinha grandes propriedades. Os bispos, os abades, com as suas propriedades em torno dos mosteiros, eram verdadeiros senhores feudais.
A Igreja tinha uma autoridade muito grande ao longo daquele período. Além do mais, as pessoas que não eram religiosas, que não eram bispos, nem abades, mas detinham riquezas e propriedades, também eram senhores feudais.
Esta foi a época do chamado sacro-império romano-germânico, que começou precisamente a partir de Carlos Magno, por volta do ano 800, e que vai predominar durante toda a Alta Idade Média.
A vida naquela época, era relativamente pacata. Com relação à Igreja, muita gente se convertia à força. Assim o Cristianismo foi-se espalhando através do mundo bárbaro. Quando aquele que tinha voz de mando se convertia, todos aqueles que estavam sob seu comando, eram obrigados a se converter. Era uma espécie de conversão compulsória. E, o atestado de conversão, era o recebimento da água batismal. Foi batizado: era cristão.
Ao longo desse período, muita gente entrou na Igreja e não havia classe de catecúmenos. Sabe-se que Clóvis, rei dos francos, que viveu um pouco depois da queda de Roma em 496, se converteu e todos os seus soldados, todos os seus súditos foram compulsoriamente batizados. Aconteceu a partir daí, que aquela gente que veio do paganismo, trouxe sua herança pagã para dento da Igreja. Não deixaram nada de fora. Começou a acontecer uma espécie de sincretismo religioso, e a Igreja começou a sofrer muito a partir daí. Essa situação vai ao longo de toda a Alta Idade Média.
B. Baixa Idade Média - Ao longo da Baixa Idade Média, o homem europeu começou a mudar do seu status de vida com o surgimento de uma nova classe social: aqueles servos da Gleba, que eram pouco mais que escravos e deviam obediência completa ao senhor feudal, gradativamente, por volta do Séc. XII, começaram a sair dos feudos, a deixar o campo, e vir para a cidade, em torno dos palácios, dando origem às cidades medievais. Começaram a descobrir o comércio, o poder existente na venda, na troca e vai surgir uma nova classe social denominada de Burguesia, ao longo da baixa Idade Média.
É nessa nova fase que uma série de problemas, maiores até que aqueles outros, começam a entrar na vida da Igreja. Uma situação deplorável, porque falsos dogmas começaram a ser elaborados a partir desse momento. O clero não estava preparado, era um clero inculto. Gente que não estudava, que entrava na Igreja e tornava-se Bispo comprando o seu cargo com dinheiro. Assim, surgiram muitas deturpações. As principais delas foram:
Mariolatria - O Culto a Maria começou a surgir, gradativamente. Não foi de uma hora para outra. Atingiu o seu ápice, não muito longe de nós, com o dogma da Imaculada Conceição de Maria, quase no término do século passado. É uma história muito longa a do culto à Maria, com deturpações as mais diversas. Agora, Maria começa a ser cultuada e considerada como co-redentora ao lado de Cristo. Que privilégio ela começa a ter! No livro de Atos nós lemos que não há outro nome dado abaixo do Céu pelo qual importa que sejamos salvos. É o nome de Jesus. E, está escrito lá também , pelo apóstolo Paulo que, ao nome de Jesus se dobrará todo o joelho. Também começa o culto a outros "santos". Tudo isto trouxe muitos problemas para a Igreja Cristã.
Celibato Obrigatório - Uma outra deturpação foi a do celibato clerical obrigatório. É muito difícil dizer quando isto realmente começou. É uma história muito longa, e, a partir de um determinado momento, a Igreja oficializou. Por volta do IV Concílio de Latrão, a Igreja aprovou, no Papado de Inocêncio III, o dogma do Celibato Clerical Obrigatório. É dito agora, com toda a seriedade, que aqueles que exercem cargos eclesiásticos NÃO PODEM casar. O celibato não é mais uma questão de opção ou de circunstância da vida, mas uma obrigatoriedade. Isto trará uma série de dificuldades, de problemas para a vida da Igreja.
Transubstanciação - A Igreja começou a dizer a partir de um certo momento (e isto tudo para aumentar o poder dos sacerdotes) que, quando o sacerdote dizia as palavras da instituição da Santa Ceia, os elementos da Ceia, transformavam-se no corpo de Cristo, tão vivo e real como estava no Céu. Mas, para que isto acontecesse, era necessário o papel de quem? Quem era que tinha de dizer as "palavrinhas mágicas" para que os elementos se transubstanciassem em corpo de Cristo? O sacerdote. Estão percebendo como o sacerdote começa a ter um papel importantíssimo?
Purgatório - A Igreja está afirmando que as almas daqueles que morrem, vão para um lugar chamado Limbus. As crianças não batizadas irão para o Limbus Infantus.
Quem é que batiza? O sacerdote. Pra não ir pro purgatório tem que depender de quem, mais uma vez? Do sacerdote.
Então, toda a vida do homem medieval dependia do Sacerdote, do nascimento, à morte, pois ao nascer tinha que ser batizado pelo Sacerdote; ao casar tinha que receber a bênção do Sacerdote, ao morrer tinha que receber a extrema unção do Sacerdote e depois da morte precisava do Sacerdote para sair do Purgatório. Notem a importância que o Sacerdote passa a ter! Ele se torna um pouco menor que Deus, e bem maior que todos os homens.
Para que as almas pudessem sair do purgatório, muita coisa teria que ser feita. Indulgências teriam que ser pagas. Qualquer um poderia pagar inclusive a indulgência pelo pai já falecido, pelo amigo, pelo filho e até por si mesmo, pois alguém poderia esquecer dele e ele tinha que se garantir. Quem vendia as indulgências? O Sacerdote. Quem dizia as "palavrinhas mágicas" para que as almas pulassem do purgatório para o Céu? O Sacerdote.
Santa Inquisição - Como se não bastasse, ainda chamaram de "Santa" Inquisição. Os instrumentos de tortura utilizados pela Igreja durante a Inquisição, é coisa que desafia a criatividade de muitos aqui. Dê asas à imaginação em questão de tortura. A sua criatividade ainda é muito pequena pra ser capaz de imaginar, com exatidão, os instrumentos de tortura utilizados pela Igreja na chamada Santa Inquisição. Coisas aberrantes mesmo.
E, outra mais: qualquer pessoa podia denunciar outro de suposta heresia e, uma vez feita a denúncia, não se fazia nenhum levantamento direitinho. Qualquer advogado sabe que num processo natural, existe todo aquele julgamento garantindo pleno direito de defesa. Isso não acontecia durante a Inquisição. Quase sempre as pessoas eram condenadas, executadas, de formas as mais diversas, seus bens eram confiscados e, muitas vezes, a família era enviada ao desterro. Coisas absurdas. A fogueira inquisitorial era uma das formas de execução e talvez não fosse a pior delas.
Quem puder leia de Dostoievski, o grande escritor russo, autor de, entre outras obras, "Os Irmãos Karamazov". Há um capítulo denominado de "Grande Inquisidor", onde ele descreve o Senhor Jesus Cristo entrando na cidade de Sevilha, na Espanha, sendo detido pelos representantes da "santa" Igreja e levado preso. Chegam os grandes representantes da Igreja lá onde Ele está preso e dizem: "Nós não precisamos do Senhor. O Senhor veio para nos atrapalhar. Aprendemos a ser Igreja sem a Sua presença". Que coisa absurda! A Igreja foi, de fato, DEFORMADA. É nessa fase que vai haver muita crise em toda a Igreja.
Muitos disseram assim: "a Igreja está péssima, está totalmente degenerada, mas, eu estou na Igreja e vou permanecer dentro dela". Esses que reconheceram que a Igreja estava péssima mas resolveram permanecer dentro dela são denominados de: os místicos medievais. São chamados místicos porque eles buscaram uma vida piedosa, uma vida de comunhão com Deus, desejaram algo de melhor. E, quase sempre, os místicos estavam naquela classe denominada de feudal. Eram pessoas mais esclarecidas, mais instruídas, e, naturalmente tinham mais acesso e ficaram dentro da Igreja. Eles exerceram muita influência sobre os reformadores. Por exemplo, João Tauler é um desses místicos medievais. E há quem diga que Tauler foi protestante antes do protestantismo. Com toda certeza, Lutero descobriu a doutrina da justificação pela fé lendo as escrituras, mas também examinando os escritos de Tauler, uma vez que ele sistematizou esta doutrina de uma forma bem elaborada (porque antes de Lutero, Tauler já havia percebido na Bíblia a doutrina da justificação pela fé).
Outros saíram da Igreja. São os chamados Pré-Reformadores. Quase sempre os Pré-Reformadores saíram não só do feudalismo, mas daquela classe denominada de burguesia. Foi um movimento mais popular, pelo menos na sua fase inicial. Mais tarde um movimento mais erudito, com Wycliff, com Huss, com Savanarola. Wycliff, era professor da Universidade de Oxford, na Inglaterra e era sacerdote. Já Huss, era professor da Universidade de Praga, na Boêmia; Savanarola era sacerdote na Itália, em Florença, naquela fase de conflito entre as cidades-estados da Itália e França, porque a França tinha interesse naquela região toda sob o domínio dos Médicis, especialmente. Savonarola foi o último dos Pré-reformadores, denominado de: "O João Batista da Reforma". Ele foi condenado à morte, pela inquisição, em 1498. Essa fase toda, é denominada de Igreja DEFORMADA.
Leia agora:
A Igreja Reformada e a Igreja Conformada. Clique aqui
Clique aqui para voltar à Introdução.