Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013
pascoa observer
Entrar na cidade com Jesus
Jesus entrou em Jerusalém proclamando o Reino de Deus. O Exército de César dirigia-se para direção oposta, afirmando o Império de Roma. Foi um choque de valores que repercute até os dias de hoje.
Num domingo de Ramos, na Igreja Unida de São João em Ontário, Canadá, nós acidentalmente encomendamos folhas de palmeira em vez das folhas delgadas e macias que geralmente usamos para a ocasião. Os ramos gigantescos nas mãos das pessoas compuseram um mar de verde sobre os bancos do templo.
Mesmo sem as folhas gigantes, o Domingo de Ramos é geralmente um dia de festa. Os garotos fazem cócegas nas orelhas dos outros com as folhas. Depois do rigoroso inverno canadense, nós adentramos um templo aquecido pelos raios de sol e a promessa de primavera. Cantamos cânticos alegres como "Mantos e palmas espalhando vai, o povo alegre de Jerusalém"... Nós até extrapolamos nosso senso de decoro litúrgico e exclamamos, a plenos pulmões: "Hosana! Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor!" Depois do culto, os que se lembram ensinam os demais como trançar as folhas, tecendo tapetes.
Como muitas congregações, nós nos movemos do Domingo de Ramos para o Domingo de Páscoa sem passar pela Paixão do Senhor. Com tão pouca assistência ao culto da Sexta-Feira Santa, nós terminamos pulando dos ramos de palmeiras para o louvor que surge da remoção da pedra do túmulo. Os ramos, os desfiles e o jumentinho são mostrados às crianças, no início da liturgia. Cruzes, coroas de espinhos e agonia são mantidos em segredo até que elas estejam "seguras" com artesanato e lanches nos fundos do templo.
Ao longo da Semana Santa, sinto como se houvesse uma abrupta e inesperada virada dos gritos de alegria para o choro de sofrimento. Como as coisas poderiam ter dado tão errado em tão pouco tempo? Marcus Borg e John Dominic Crossan começam seu livro "A Última Semana" com a lembrança que no ano de 30 d. C., nos dias da Páscoa, não havia apenas uma, mas duas procissões entrando em Jerusalém. E elas estavam em rota de colisão.
Do leste, entre sussurros de revolta, Jesus entra sobre um jumentinho, proclamando o império de Deus. Ele o chama "Reino de Deus". Os corações batem descompassados, com medo, seus acompanhantes seguem em formação desordenada.
Do oeste, entre uma nuvem de poeira e os trovões dos cascos da cavalaria, soldados marcham, visíveis e audíveis à distância. Este batalhão de choque e pavor é liderado por Pôncio Pilatos, o governador romano, que está adentrando a cidade para afirmar a autoridade do Império Romano. Ele responderá a qualquer insurreição com punho de ferro. Pilatos, e por extensão César, é recebido pela alta classe de Jerusalém. Se fosse um filme de Hollywood, música de suspense e negras nuvens dominariam o horizonte.
A entrada "triunfal' de Jesus é uma ação política orquestrada. É perigoso teatro de rua. Palavras em código são trocadas entre discípulos e seguidores clandestinos de Jesus. Um jumentinho é entregue aos discípulos. A ação começa.
Jesus entra na cidade montado em um jumento, numa atrevida alusão ao profeta Zacarias e sua bem conhecida previsão de um rei chegaria, humilde e montado sobre um jumento, para libertar Jerusalém. Mas já existe um governador: Pilatos. E já existe um "Rei dos Judeus", um título dado a Herodes. E existe um César, conhecido em toda parte como o "Filho de Deus". O desfile dos ramos é um contraponto, uma zombaria não violenta da parada militar romana no outro lado da cidade.
Em outro domingo de Ramos em minha igreja, contei a história da entrada de Jesus em Jerusalém e pedi à congregação para me acompanhar com frases. Cada vez que eu dizia "Jesus", por exemplo, alguém exclamava: "Hosana! Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor!" Loic, uma criança que tinha oito ou nove anos à época, fornecia um maravilhoso "ióóóó-ióóó" sempre que eu dizia a palavra "jumento". Cada vez que eu usava a palavra "discípulos", a congregação tinha que dizer, com um tom de preocupação na voz: "Ok, lá vamos nós de novo..." Penso que fiz certo... Os discípulos devem ter sentido uma mistura de medo e expectativa de embrulhar o estômago, seguindo Jesus para dentro da cidade.
O Domingo de Ramos é como uma bexiga, esticada ao máximo, prestes a estourar. Mas nós temos a tendência de deixar o ar escapar, esvaziando a bexiga... Nós o temos celebrado como uma data suave, segura e alegre. Nós extraímos sua insurreição, como se não houvesse algo prestes a explodir.
Nós temos feito o máximo para domesticar este revolucionário desafio de derrubada do Império Romano. Quem sabia que o desfile santo era, de fato, uma prática de desobediência civil não violenta?
Talvez nossa Igreja tenha feito muita mistura do império de Deus com o império de Roma, desde então. Talvez saber em qual desfile nós estamos marchando seja menos claro para nós do que foi para nossos primeiro ancestrais no Caminho. A cristandade tem fechado muitos acordos com "Roma", desde este primeiro Domingo de Ramos. Nós temos nos acomodado aos Césares e nos compromissado com os Herodes do mundo.
O Domingo de Ramos nos desperta para o abismo existente entre os impérios de Deus e de César. É onde nós vivemos nossas vidas. É um daqueles dias no ano litúrgico que nos chama a escolher em qual desfile nós queremos marchar. Para qual soberano, qual império, nós estamos nos curvando e dando nossos corações, nossas vidas? Nós sabemos muito bem que a decisão de entrar em Jerusalém com Jesus é a mais perigosa escolha.
Mas nós temos a promessa de Jesus e o testemunho de sua vida, morte e ressurreição de que o Seu caminho é o caminho para a plenitude da vida. As promessas são um pouco vagas, mas o amor de Jesus e a jornada em direção ao sonho de Deus no mundo nos levam adiante. Então, agitemos nossos ramos, limpemos nossas gargantas e gritemos com alegria: "Hosana! Hosana! Bendito é o que vem em nome do Senhor!
Rt. Rev. David Giuliano, moderador da The United Church of Canadá, Igreja Unida do Canadá, na gestão 2006-2009 (o cargo de "moderador" pode ser equiparado ao de presidente da Igreja. "Rt. Rev". é abreviação de "Right Reverend", que pode ser traduzido para "Reverendíssimo").
Tradução e adaptação: Suzel Tunes
Leia mais sobre o assunto na entrevista com o teólogo Néstor Miguez: A Igreja na resistência ao Império