Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013
muçulmanos e o papa
Dirigentes muçulmanos espanhóis expressam tristeza pelo discurso do papa na Alemanha
Juan G. Bedoya
em Madri
"Alá o ama, irmão Bento. Que sua misericórdia se derrame sobre o senhor e sobre a Igreja com abundância. E, de nossa parte, paz." Assim conclui Audalla Conget, secretário da Junta Islâmica, uma declaração intitulada "Carta Fraterna a Bento 16" que desde terça-feira pode ser lida na página da Web do islamismo espanhol (http://www.webislam.com). Trata-se na prática de uma reação oficial ao polêmico discurso do papa feito na Universidade de Ratisbona, Alemanha. Encabeçada pelo tratamento de "querido irmão", a carta é respeitosa e tranqüila, mas não esconde as críticas mais severas.
No fundo e na forma é um texto-guia do pensamento majoritário entre os
muçulmanos espanhóis (cerca de um milhão de pessoas): as palavras do papa "partiram nosso coração" e são "um tremendo erro", duplamente doloroso para os que convivem, como peixes na água, em um país majoritariamente cristão como a Espanha.
Audalla Conget, natural de Zaragoza e que foi monge cisterciense antes de abraçar o islamismo, diz assim ao papa romano: "É pela responsabilidade que o senhor tem diante do gênero humano e especialmente diante do universo de crentes prometido a Abraão, que vemos com tristeza sua lição de teologia, manchada de irresponsabilidade e indolência, que fomenta uma visão trivial e frívola do islã, que favorece o confronto entre crentes e faz servilmente o jogo dos terroristas e dos poderes que não duvidam em assassinar milhares de inocentes, violar todo tipo de resolução, invadir impunemente os países ou deslocar milhões de pessoas e deixá-las sem lar e sem história em nome de um tipo de deus, liberdade ou democracia que não correspondem e não se harmonizam com os valores que emanam de um Deus misericordioso e compassivo".
Em Barcelona, Abdennur Prado, presidente da Junta Islâmica Catalã, é mais contundente na condenação ao discurso feito na Alemanha porque "revela uma profunda ignorância do islã". Ele diz: "São afirmações irresponsáveis e inoportunas, sobretudo procedendo do responsável máximo da Igreja Católica e num momento de tensões como o que vivemos. Bento 16 confunde de forma nada inocente o termo 'jihad' com o de guerra santa, um conceito cunhado pela própria Igreja Católica como denominação das cruzadas, e afirma que o profeta Maomé defendeu a idéia de que a fé pode ser imposta. Neste ponto pode-se falar claramente em uma provocação, muito na linha do choque de civilizações. Trata-se de uma fraude: o próprio Corão afirma que 'não cabe imposição na religião'. Apesar disso, o papa insiste em assimilar o conceito de jihad com a imposição violenta do islã. É inaceitável. Nos encontramos diante de um papa que não assimilou a abertura que representou o Concílio Vaticano II e que atirou conscientemente pelo ralo todos os esforços de João Paulo 2º a favor do diálogo islâmico-católico".
Mansur Escudero, psiquiatra de Córdoba e presidente da Junta Islâmica da Espanha, recorre em sua reação a uma linguagem do xadrez. Afirma: "A aliança dos neoconservadores contra o islã acaba de comer a rainha. Peões do PP, cavalos retorcidos do arabismo, bispos implacáveis do sionismo, prepararam calculadamente a saída da peça-chave, o papa Bento 16. Nessas circunstâncias, a lição do papa-teólogo em Ratisbona é tão casual como foi em sua época a crise das caricaturas de Maomé ou a encomenda editorial de versos satânicos que situavam em um bordel as mulheres do profeta. Provocação após provocação, o mundo islâmico vai encarnando o estereótipo de um roteiro escrito pelo orientalismo".
Escudero acredita que o xeque da rainha de Ratisbona não é só contra os muçulmanos. "Vamos nos resignar por enquanto por decisão papal a adorar 'um Deus que não está ligado à racionalidade, à verdade e ao bem'", diz ele, masque o xeque também é contra a razão científica que quer se desvincular do religioso. "O xeque é contra todo pensamento que não tenha sua base no mundo grego (Índia, China...); o xeque é especialmente cruel contra a teologia protestante por ser a iniciadora de um movimento de des-helenização do cristianismo, vejam que crime, porque não se entende a mensagem de Jesus semo legado aristotélico, que certamente chegou à Europa graças ao islã."
A conclusão desse dirigente é emocional. "A lição de Ratisbona partiu o coração de todos nós. Mas, mais que a nenhum outro coletivo, essa lição tão pouco magistral de Bento 16 foi a grande decepção dos católicos. Certamente, a Igreja de Roma cedo ou tarde terá de assumir o desafio de que a mensagem de Jesus em aramaico pode se parecer extraordinariamente com a de Moisés em hebreu ou a de Maomé em árabe", diz.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Fonte: jornal El País
LEIA TAMBÉM: Quais foram as palavras do Papa que ofenderam os muçulmanos?