Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013

mensagens de Natal 2009

   "E deu à luz a seu filho primogênito, e envolveu-o em panos, e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem" (Lucas 2.7)

Deus evoca a surpresa, a novidade, a contradição. Nas páginas do Novo Testamento nota-se um fato: "e não havia lugar para o criador de todos os lugares". Não havia espaço para o mantenedor de todos os espaços. O Verbo Divino, contrariando todas as lógicas, armou sua tenda e montou acampamento entre nós. As raposas possuem covis. As aves do céu, ninhos. Mas o Filho do homem não tinha aonde reclinar a cabeça.

Não há nada mais terrível, mais dilacerante, mais angustiante, do que pertencer ao lugar dos que não têm nenhum lugar.

Drama vivido por crianças e adolescentes nos abrigos e orfanatos. Todos os laços de pertencimento e de afetividade, nestes lugares, foram cortados. Eles não pertencem a nada e a ninguém. Não possuem uma rede afetiva, social e psicológica em que possam estabelecer as bases de sua identidade pessoal e comunitária. Não possuem o pleno domínio de sua cidadania.

Seres errantes, nômades, itinerantes. Ovelhas desgarradas de seu legítimo pastor. Falta ao mundo uma dose de pertencimento. Os "nós" afetivos, relacionais, espirituais, estão afrouxados. Há mais comprometimento com o "ter" do que com o "ser" de um modo geral.

A falta desse componente assemelha-se a um corpo que não detém a posse final de sua alma. É como uma alma expropriada do seu próprio corpo. Ser estranho ao ser. Inquilinos que recebem precocemente a ordem de despejo. Seres que são e, ao mesmo tempo, por ausência de espaço, de ligadura social e de afeto, nada são.

Pobres corpos. Corpos desalmados. Espíritos descorporificados. Desespacializados. Desenraizados de sua própria feitura e condição. Corpos que nascem sem território necessitam conquistar seus próprios lotes, a fim de que não se tornem míseros ambulantes.

Faz mais de dois milênios, numa terra longínqua, ameaçada e demarcada pela ambição dos poderosos, que a presença do filho de Deus foi submetida a esse mesmo princípio de orfandade. Mesmo que não se tratasse de uma orfandade familiar, a orfandade do Menino-Deus caracterizou-se pela falta de um lócus social e espiritual, a propiciar o aparecimento da vida.

Os espaços que lhe poderiam servir de abrigo, às proximidades da gruta de Belém, estavam completamente abarrotados. Com tantas casas, com tantos abrigos, com tantas hospedagens, inexistia lugar para o surgimento de Deus na dimensão da vida. Desde seu nascedouro a vida do Deus-Menino foi marcada pelo signo do abandono, da rejeição e da indiferença. Naquele mundo, havia lugar para tudo, para todos, menos para o mais importante.

Lembro-me de um outro caso, não muito distinto desse, no qual uma mulher sofria pela carência de espaços. Era uma colecionadora de sofrimentos. Ela não detinha a posse efetiva de seu próprio território. Há sofrimentos que deixam marcas irremovíveis na alma humana, daquelas que nenhum cirurgião é capaz de remover e apagar, dado sua profundidade e complexidade.

Fora educada para cuidar da casa, dos filhos, do marido, como muitas mulheres em nosso país foram treinadas. Certo dia resolveu aderir a uma comunidade religiosa e servir a Deus. Servir a Deus tornou-se, para ela, um verdadeiro calvário. As perseguições e emboscadas foram muitas e se intensificaram com o tempo.

Bebia a taça amarga do sofrimento, dia após dia, em doses cavalares. Mesmo assim ia com freqüência aos cultos religiosos, tentando buscar forças para superar as dificuldades de uma vida matrimonial conturbada.

Fora agraciada com uma beleza ímpar. Própria da juventude de seu tempo. Mas não podia exibi-la como um troféu, como o fazem a maioria das mulheres. Tinha que ocultar as partes que punham em evidência seus atributos naturais. Seu dote estético era sua sina e também sua maldição.

Ele sofria de um ciúme possessivo e doentio por ela. Várias vezes a destratou e a humilhou publicamente. Ela passou a sofrer abusos físicos e psicológicos, quase diariamente.

O lugar em que ela vivia tornou-se um lugar rarefeito, um não-lugar. Um espaço opressivo, maligno, infernal. Vivia num lugar destituído de sentido, de beleza, de harmonia, já que se tratava de um território violento e hostil. Foi condenada a residir na casa do medo ininterruptamente.

Naquele ambiente não sentia-se segura, protegida, amada, respeitada. Vivia num cárcere privado, tornando-se refém do homem que prometeu amá-la para sempre. O amor logo virou doença. Quem ama cuida e cria para a liberdade, jamais para o cativeiro e sepultamento da liberdade.

Não conseguia desligar-se fisicamente dele. O lugar de sua subjetividade havia sido completamente dominado. Estava presa por fora e aguilhoada por dentro. Não era mais dona de si mesma, do seu corpo, de seu desejo. Vivia sob o regime do medo, equivalente ao sistema da escravidão. Era uma coisa. Uma posse. Objeto nas mãos do agressor. Sua vida foi reificada.

Um semi-corpo. Um quase-corpo. Um corpo sem corpo. O marido, ao contrário, senhor e dominador. Possuía todas as chaves de sua prisão. Não havia lugar para o afeto, para o respeito, para o diálogo na vida daquela mulher.

Bem sei que Deus irrompe na inquietude, no abandono e no inusitado. Quando menos imaginamos, ele organiza o caos, possibilitando a criação de "novos lugares". Principalmente, nos mais sombrios e ameaçados. Nesses espaços ele estabelece sua morada e irradia sua presença contagiante. Deus mesmo é capaz de fazer brotar a novidade e renascer a vida.

Basta que se abram as janelas da existência, enferrujada e endurecida pela falta de uso, para que Deus manifeste a luz verdadeira de Cristo em nossa vida. Deus passou por ali. Adentrou os espaços habitados por aquela "família". E no coração daquele homem, não havia lugar para Ele. Cristo esteve aqui. Pediu licença para entrar: "eis que estou à porta e bato". Ainda assim, não havia lugar e espaço para Ele.

Rev. Jesus Tavernard Júnior

Agente de Pastoral do IEP

Oração

Como dói essa dor que dói em mim. Dor solitária, feita e refeita infinitas vezes. Como é difícil remover o irremovível. Mover-se e habitar os espaços vazios.

Espaço não configurado, fraturado, conquistado. Demarcado pela ausência do eu, assaltado pela presença do outro.

Lugar esquecido, abandonado, assombrado. Um não-lugar. Lugar de violência, de exploração, de maus tratos, submissão. Minha prece outra coisa não quer, apenas vida, libertação, respiração.

Espaços que quero esquecer, abandonar, refazer. Pode surgir um lugar de um não-lugar? Tu podes todas as coisas em mim. Em Ti, posso todas as coisas, se o Senhor me fortalecer. Assombro-me com tua presença, sempre Maravilhosa e Contagiante, Tu que visitas até os espaços inabitados.

Vem morar em mim, ó pequeno e grande Deus-Menino. Meu coração anseia por uma nova terra. Vem e estabelece as bases da tua estalagem. Ela haverá de converter-se, pela força de Tua interpelação, numa confortável manjedoura. Sou ovelha desgarrada, retirante, andante. Sem prado próprio pra pastar, sou obrigado a comer coisas das quais não tenho paladar. Sou peregrino numa terra estranha, repleta de senhores, vilões e donos.

VEJA TAMBÉM

Natal inspira plena submissão: texto Rev. Ivam Pereira Barbosa (Redator do IR - Informativo Regional da 5ª RE)

 

 

 

 


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