Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 24/08/2011

Eugene Peterson destaca a importância dos relacionamentos no ministério pastoral

Eugene Peterson, como qualquer pastor, já teve lá suas crises existenciais e ministeriais. A primeira foi no início de sua trajetória – achava o pastorado complicado e não sabia bem como atender às expectativas das pessoas. Depois, foi confrontado pela própria vocação. Preferia seguir pela vida acadêmica, mas em determinado momento, viu-se diante do púlpito. Também teve de aprender a lidar com as ovelhas, ou seja, como se relacionar com aqueles a quem liderava. Isso, sem falar nos problemas e angústias que os colegas de ministério vinham lhe confessar. Tudo isso fez de Peterson um “pastor de pastores”.

Mas ele é muito mais do que isso. Hoje, às portas dos 80 anos, é um pensador cristão respeitado, consultado e querido. Predicados intelectuais ele tem de sobra – escritor com mais de 30 títulos publicados, poeta e conferencista, é professor emérito de uma das referências do pensamento cristão mundial, o Regent College, no Canadá. Mas quem o ouve falar, como Mark Galli, diretor de redação da Christianity Today, que o entrevistou para a Revista Cristianismo Hoje, percebe que está diante de um crente que deseja ser servo, não apenas de Deus, como dos irmãos.

 1) O senhor dizia, no início de seu ministério, que o pastorado era complicado – ou, que talvez, o senhor mesmo o complicasse. E agora, depois de tantos anos, ainda pensa assim?
Bem, se ouvirmos as expectativas de consumo das pessoas, o ministério fica complicado, pois elas tendem a impor o que querem. As pessoas estão acostumadas a poder escolher. Mas, uma vez que entendemos o que estamos fazendo, e para o quê o fazemos, tornamo-nos pastores mais locais, presentes – e aí, eu não diria que o ministério fica simples, e sim, não tão complicado. Aprendemos a estar presentes diante de tudo o que acontece na vida das pessoas e a não impor coisas a outras pessoas, muito menos deixar que as imponham sobre nós. 

2) Em um de seus livros, o senhor usa outro adjetivo para designar o ministério do pastor: “Subversivo”. O que quis dizer com isso?
Eu quis dizer que as pessoas têm suas defesas. Se trouxermos a elas algo pesado demais, elas tendem a criar um bem desenvolvido sistema defensivo contra isso. Mas, trazendo as coisas obliquamente, sob o que às vezes chamo de “forma indireta”, temos maneiras de contornar essas defesas. Jesus fez isso o tempo todo com suas parábolas, que eram metáforas surpreendentes. Ele raramente usava palavras abstratas. O Senhor sempre teve muita identidade com a coisa local, com o estar presente no dia a dia, com o familiar. E então, dessa forma oblíqua e subversiva, podemos atrair a imaginação das pessoas para proporcionar-lhes algo que antes não tinham visto, notado ou pensado.

3) O senhor critica colegas que pregam o eu chama de “Cristo genérico”. Como então deve ser o anúncio do verdadeiro Cristo apresentado na Palavra de Deus?
O Cristo revelado é único. Sua encarnação está ligada ao que é visível – e, muitas vezes, ao inesperado. Jesus surpreendia as pessoas, na maioria das vezes, por não agir como Deus; ele não atendia à expectativa estereotipada dos outros acerca do que ele era, ou do que deveria fazer. A verdade é que as pessoas não olham para os evangelhos como deveriam. São quatro os escritores dos evangelhos.

Todos contaram as coisas de modo um pouco diferente um do outro. Eles não seguiram um estereótipo, um sistema dogmático, no qual quisessem encaixar as coisas de forma forçada. Eles ouviram, viram e compreenderam Jesus no contexto em que viviam. Da mesma forma, devemos fazê-lo no contexto em que vivemos. Tudo tem a ver, essencialmente, com a tomada da revelação a sério, com a encarnação do Verbo.

4) Como o pastor pode manter limites apropriados entre o exercício de sua vocação e sua vida pessoal?
Essa palavra “limites” tem vindo à tona através das disciplinas psicológicas. Parece-me que é uma maneira de evitar a dificuldade, de contornar a ambiguidade. Você sempre sabe onde está, sempre conhece o limite, e deixa as pessoas virem até onde querem, mas não vai deixá-las ultrapassar essas fronteiras. Lembro que uma vez entrei no escritório da igreja e encontrei lá algumas mulheres que estavam fazendo um boletim informativo. Tínhamos, na ocasião, uma filha que estava nos dando alguns problemas extras, naquela fase de confrontar os pais. Então, eu fiz um desabafo, dizendo estar uma fera com isso e até que eu nem queria ser pai. Quando saí, uma daquelas irmãs me repreendeu, dizendo que todas ali já tinham problemas de sobra para manter as próprias vidas e famílias juntas. “Agora, teremos de ajudar você a manter sua vida em família? Isso é demais”, disse. E ela estava certa. Há algumas coisas totalmente inadequadas a um pastor, como se irritar ou se descontrolar. As pessoas simplesmente não entendem tal comportamento num ministro do Evangelho. A vida pastoral tem de ser uma vida relacional – quando você vive assim, não tem limites como tal. Você tem habilidades, intimidade. Aliás, não gosto dessa separação da vida pastoral e pessoal, atuação congregacional e formação profissional.

5) Quando fala em vida relacional, o senhor quer dizer que o pastor deve buscar construir amizades entre sua congregação?
Sim. Eu amo a passagem de João 13.17, em que Jesus está no Cenáculo, em sua última noite com os discípulos. Ali, ele os chama de amigos, e não de apóstolos ou discípulos, que são palavras que definem algo meramente funcional. Apenas amigos – e ele repete isso por três vezes. Os pastores deveriam meditar sobre isso. Em vez de se concentrarem em suas funções, suas técnicas, estratégias e visões, que relaxem. Basta apenas estar lá com as ovelhas, aprendendo a serem amigos. No momento em que o pastor sobe no pedestal, vai começar a ocultar a natureza do Evangelho.

6) A partir de que momento um pastor está subindo no pedestal?
Há muitos pastores que cultivam esse negócio de estar em um pedestal, porque, assim, eles não têm que lidar com pessoas. Preferem lidar com as ovelhas apenas no papel de pregador, conselheiro, guia espiritual ou qualquer outra coisa. Há muitas maneiras de se conviver com a forma estereotipada dessa relação. Mas, quando você se torna um amigo, a coisa é outra. Quando saí da Christ our King Chruch [Igreja Presbiteriana Cristo Nosso Rei, fundada por Peterson em 1962, em Maryland], onde estive por 30 anos, eu realmente não me preocupava com o estilo de vida daquelas pessoas – e, para dizer a verdade, eu não tinha amigos que eu chamaria realmente de “amigos”.

Mas, quando eu saí, não posso lhe dizer quantas pessoas de lá me disseram que eu era o melhor amigo que já tiveram. Agora, eu era amigo em outro sentido, já que, de alguma forma, houve alguma qualidade na relação que transmitia que eu me preocupava com eles, conhecia os seus nomes, sabia os nomes de seus filhos – ou seja, não era apenas aquela coisa social. Muitas vezes, convidávamos pessoas para um jantar porque estavam com problemas, mas eu não tinha um relacionamento de amizade com muitas dessas pessoas; simplesmente era amigo porque era disponível para elas. É assim que eu acho que um pastor deve ser.

7) Ultimamente, com a disseminação dos chamados ministérios de tempo integral, tem havido profissionalização de diversas funções eclesiásticas, inclusive as de pastor e obreiro. Qual sua opinião sobre isso?
Eu acho que o profissionalismo na vocação pastoral é mortal, porque isso afeta a todos. Nós compartilhamos algo bem básico com nossas congregações. Estamos compartilhando a vida de Cristo, maneiras como seguir a Cristo. Os pastores devemos tratar os leigos com dignidade e honrar o seu trabalho, tanto como eles honram o nosso, e aceitá-los como iguais em termos de serviço no Reino de Deus e na vivência da vida cristã. Contudo, o profissionalismo que permeia nossas igrejas não confia nos leigos.

Hoje, contratamos profissionais para fazer tudo. Em vez de confiar nos irmãos para fazer o trabalho do povo de Deus, contratamos alguém para fazê-lo, e é assim que profissionaliza tudo na estrutura eclesial. Desenvolvemos hierarquias e sistemas hierárquicos na igreja, e isso sutilmente elimina o senso maior de comunidade. Eu diria que a melhor maneira de superar o profissionalismo é confiar. O pastor deve aprender a confiar aos leigos a responsabilidade de serem iguais a ele em termos de status no reino de Deus.

Continue lendo o restante da entrevista realizada por Mark Galli


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