Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013
Eugene Peterson destaca a importância dos relacionamentos no ministério pastoral
8) Mas muitos líderes se queixam de escassez de voluntários para desempenhar funções na igreja?
Sim, isso tem acontecido. Se algo tem de ser feito por profissionais na igreja, tudo bem. Mas é uma realidade que pode ser mudada. Eu fiz isso por anos e anos; não reproduzi quase nada que os outros pastores fazem hoje pensando que é trabalho pastoral. Nunca tive uma equipe de profissionais atuando na igreja, nem mesmo uma secretária; a maioria dos trabalhos administrativos da congregação foram tocados por leigos. E as pessoas adoraram colaborar. Naturalmente, não podemos fazer as coisas sempre do mesmo jeito, mas eu acho que os pastores têm de cultivar um laicato em que confiem. Uma igreja forte não é aquela que, necessariamente, tem um pastor forte, mas sim, um laicato forte. Pena que haja muito pouco disso na igreja americana nestes dias.
9) Como as igrejas devem lidar com o próprio crescimento?
Nós não podemos definir um limite arbitrário para o tamanho da igreja. Tudo é determinado pela maneira como você planeja sua igreja. Quinhentos membros, por exemplo, me parece ser a quantidade certa. Nós construímos nossa igreja para acomodar cerca de trezentas pessoas, e em dois cultos, o que daria conta de todos. E isso funcionou. Meu filho é pastor de uma igreja nova, e, quando a comunidade chegou perto dos 300 membros, eles compraram uma propriedade enorme num local onde havia poucas igrejas. Agora, eles estão se preparando para construir um novo templo. Se construímos um galpão, teremos um depósito cheio de pessoas. Mas, se erguemos um santuário, teremos um lugar de culto e adoração que não pode ser em um galpão.
10) Poucos pastores usam as línguas originais e a exegese, além de uma boa hermenêutica, na preparação de seus sermões. No Brasil, em particular, boa parte dos pregadores têm insistido na necessidade de mobilizar o público com uma “mensagem arrebatadora”. Aquele tipo de pregação mais consistente está em declínio?
O modelo da pregação preparada teologicamente, com atenção às línguas bíblicas originais, está, sim, em declínio. E fico um pouco desanimado com isso. Talvez, no Brasil, a coisa seja ainda pior do que aqui. O estilo de pregador “animador de auditório”, de fato, é muito ruim. Ora, falar com voz impostada ou dar um show no púlpito não são elementos de exegese. Quando você entra em um consultório médico e algo está errado com sua saúde, você não espera que o médico grite ou leia o diagnóstico em voz alta para que o aceite logo. Então, para quê decibéis a mais na pregação?
11) O senhor é professor por formação e vocação e docente emérito do Regent College. Como vê o cenário da educação teológica e o que acha que há de melhor e de pior no ensino cristão hoje?
O melhor que está acontecendo – e falo aqui da América – é, provavelmente, o povo. As pessoas que estão entrando no seminárioestão mais maduras, e muitos novos obreiros chegam ao pastorado na meia-idade. Ou seja, viveram boa parte da vida em outras atividades, e percebem que ainda há algo a fazer nos anos que lhes restam – algo que faça diferença para elas e para as outras pessoas. Eu tenho um amigo que é executivo de publicidade em um escritório de Nova Iorque. Ele decidiu, por volta dos 45 anos de idade, que queria ser um pastor. Então, estudou teologia no seminário e, depois de alguns anos, foi ordenado. Ele diz que deixou de ganhar quatrocentos mil dólares por ano, contando mentiras algumas vezes, para receber cinquenta mil dizendo a verdade. Da mesma forma, muitos estão fazendo isso. É gente que está preparada para assumir grandes cortes de rendimento para fazer algo realmente significativo.
12) E o que há de pior?
A perda de identidade do ensino teológico. Os seminários estão tendo que adaptar seus currículos para cumprirem as exigências das associações de escolas teológicas e terem seus cursos reconhecidos. Ora, qualquer coisa imposta de fora é muito inadequada. Assim, os estudantes estão tendo que ler muito mais do que podem absorver. Então, as escolas teológicas não podem desenvolver o que sua denominação precisa ou mesmo uma estratégica e currículo próprios para lidar com os alunos que espera atrair. Vi isso acontecer na Regent e era totalmente irritante ter de pedir aos alunos que lessem coisas que não exigíamos a princípio. Enquanto isso, outras matérias importantes, como teologia, espiritualidade e história, acabam ficando em segundo plano por falta absoluta de tempo e capacidade dos alunos para absorver tanta coisa. Eu acho as imposições feitas em nome da validação dos diplomas uma coisa muito difícil de lidar.
13) Por que a teologia espiritual, que foca menos na especulação intelectual e mais na integração do conhecimento na vida cristã do dia a dia, está perdendo espaço?
É um enigma para mim saber por que isso acontece. Teologia espiritual não é apenas uma especialização, ou parte sem importância da teologia. É teologia vivida! Como o seminário cria um currículo teológico e consegue dar-lhe importância e sentido, sem que o aluno possa saber a verdade e passar o resto da vida sem vivê-la? O conhecimento do Evangelho e das Escrituras deve ser enfatizado e é importante, mas isso não pode ser divorciado na nossa maneira de viver ou não viver. Algumas situações vão a extremos e acabam por evitar o real encontro do aluno com Deus – a vida religiosa é uma das melhores maneiras de fazer isso.
E o estudo da teologia pode dar essa falsa sensação de que podemos nos enganar pensando que temos, de fato, um encontro com Deus, quando, na verdade, estamos mesmo é precisando daquilo que pregamos. Tivemos um professor de grego e hebraico com cerca de 40 anos idade que também ensinava isso de maneira sutil. E havia mais do que eu chamaria de teologia espiritual acontecendo em seus cursos do que na maioria dos outros, simplesmente porque tudo isso era vivido por ele. Ele fez os idiomas bíblicos ganharem vida, mas também fez as Escrituras ganharem significado e sentido não apenas com a sua forma peculiar de ensinar, mas pela maneira como ele as vivia diante de todos, trabalhando com as pessoas.
14) No Brasil, praticamente todos os recursos teológicos, inclusive os livros disponíveis, são de origem estrangeira, principalmente dos EUA. Em sua opinião, quão importante é uma teologia com produção nacional em um país que está crescendo em importância, não só no contexto geopolítico, mas como uma potência evangélica mundial? Que tipo de influência os conhecimentos teológicos enraizados na realidade local podem ter?
É importante que os brasileiros e outros povos possam investir e desenvolver estudiosos locais, gente que viva e conheça a própria cultura. Mas em alguns aspectos, o Evangelho não é étnico. No entanto, todos podemos contribuir teologicamente uns com os outros. E todos nós somos parte da Igreja e num mundo muito cosmopolita. Então, ainda que não haja produção teológica suficiente no Brasil, minha sugestão é que se tente manter o desenvolvimento de uma teologia local. A tradução de The message [de sua autoria] está saindo agora em português. Mas eu não fiquei entusiasmado com ela, a princípio. Parecia-me que The message funcionava bem aqui nos EUA porque foi feito por alguém que é um americano, conhece o idioma americano e a cultura do país. Mas, cada linguagem tem sua forma coloquial, e nós procuramos encontrar brasileiros que conheciam bem o grego e o hebraico, além do português falado no Brasil, para obter um equivalente adequado em A mensagem.
15) O senhor é considerado pastor de pastores. No momento em que os pastores são muito questionados, inclusive por protagonizarem escândalos que repercutem na mídia e estereotipam a Igreja, cada vez mais crentes evitam ser chamados de evangélicos. O que fazer para contornar essa situação?
Acho que primeiro devemos estar conscientes e lidar com o fato de que ser pastor é uma modesta e humilde vocação, e não tem nada a ver com ganhar os aplausos do mundo. E, se não estamos dispostos a aceitar como colegas pessoas que são pecadores – por vezes, flagrante pecadores –, não temos muito o que fazer neste ramo de trabalho. Os escândalos são indesejáveis, muito tristes. Mas isso é parte do que significa viver em uma igreja, e eu não penso que nós possamos lavar nossas mãos desse tipo de coisa e tentar encontrar um lugar melhor que a igreja. Temos é que purificá-la, a fim de que seja um exemplo para o mundo. A Igreja é uma luz que brilha.
16) A pós-modernidade e os apelos da secularização têm levado muitos cristãos a deixar a igreja. Como atraí-las de volta?
Eu não fico encantado com certas estratégias para reconquistar as pessoas que um dia deixaram a igreja. E acho que muitas das pessoas que a deixam fazem-nos por boas razões, mas não estão indo para algum lugar melhor... Minha esperança é de que vão descobrir que, se há algo melhor, é o que eles deixaram para trás. Mas leva tempo para isso acontecer. Eu tenho alguns amigos pastores que estão vivendo um Evangelho vibrante em nações secularizadas como Alemanha, França ou Escócia.
Nós estamos vivendo em um tempo muito difícil, e em alguns aspectos sem precedentes. Contudo, tentar reformular ou refazer o Evangelho para fazê-lo mais atraente é um equívoco. É claro que as coisas não estão indo bem. Nós estamos vivendo um momento muito difícil, e, em alguns aspectos, sem precedentes – mas Barth, que viveu em tempo semelhante, disse que somente onde há sepultura, pode haver ressurreição. Porém, precisamos fazer o melhor, nos mantendo fiéis, ainda que sejamos desprezados por sermos sal e fermento para o mundo – sabendo que apenas fazemos nosso trabalho como seguidores de Jesus. E isso não é um trabalho fascinante.
Por Mark Galli via Cristianismo Hoje