Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013

crossan texto da palestra

Palestra proferida por John Dominic Crossan, na Semana de Estudos de Religião da Universidade Metodista, dia 23/10

"No princípio havia a realização, não apenas a palavra, nem apenas o ato, mas ambos, cada um marcado pelo outro para sempre."

John Dominic Crossan, O Jesus Histórico (1994), p. 11

O contexto ou matriz dentro do qual se reconstrói o Jesus histórico e o Cristianismo das origens desenvolveu-se em três camadas - com cada uma sempre incluindo sua antecessora - através de dois milênios de interpretação Cristã.

Num primeiro momento, Jesus só era compreendido dentro e a partir do próprio Cristianismo, dentro do Testamento Novo como também na oração e meditação cristã, lenda e tradição, arte e liturgia.

Em seguida, especialmente depois que a II Guerra Mundial forçou não somente o respeito ecumênico, mas também uma precisão histórica entre o Cristianismo contemporâneo e o Judaísmo, essa matriz contextual foi ampliada para interpretar o Jesus histórico e o Cristianismo das origens dentro de Cristianismo, dentro do Judaísmo, especialmente para aquele traumático primeiro século E.C.

Enfim, e especialmente ao término do século XX e início do século XXI, o contexto amplo para o Jesus histórico e o Cristianismo das origens é de enxergá-los dentro do Cristianismo que está dentro do Judaísmo que está dentro do Império Romano.

Você notará neste processo como o presente que reconstrói sempre e necessariamente está em tensão dialética com o passado que é reconstruído. Isto, naturalmente, é o porquê da minha própria definição grifada para história em "O Nascimento de Cristianismo", qual seja: "História é o passado reconstruído interativamente pelo presente através daevidência discutida no discurso público (pág. 20).

Dentro daquela matriz completa, o Jesus histórico e Cristianismo das origens não são sobre o Cristianismo contra o Judaísmo, mas sobre o Judaísmo Cristão contra o imperialismo romano. E essa matriz mais completa muda tudo, totalmente.

Prólogo

A importância do lago de Tiberíades

Três questões guiam esta discussão. As primeiras duas são mais gerais. No início do nosso livro escrito em parceria no ano de 2001 "Escavando Jesus: por baixo das pedras, por trás dos textos", Jonathan Reed e eu perguntamos no Prólogo daquele livro: "Por que Jesus existiuquando ele existiu? Por que então? Por que lá? Afie a pergunta um pouco. Por que dois movimentos populares, o movimento de Batismo de João e o movimento do Reino de Jesus existiram em territórios regidos por Herodes Antipas nos anos 20s do primeiro século da Era Comum? Por que não em outro momento? Por que não em outro lugar?"

Eu acrescento outra pergunta mais específica agora: Por que o Jesus é achado tão freqüentemente ao redor do Mar da Galiléia, o Lago de Tiberíades, o Lago com formato de harpa chamado Kineret? No parágrafo final do seu livro magnífico "A Busca do Jesus Histórico", Albert Schweitzer diz de Jesus que: "Ele vem a nós como um desconhecido, sem um nome, como vindo de tempos antigos, pela orla do lago, ele veio para as pessoas que não sabiam quem ele era." É quase descortês interromper este pensamento e perguntar: o que Jesus estava fazendo "vindo de tempos antigos, pela orla"? Por que precisamente lá? Por que então?

Já que Nazaré era a aldeia nativa de Jesus e ele sempre foi chamado o "Jesus de Nazaré", por que esta insistência em Mateus 4,13: "Ele deixou Nazaré e foi morar em Cafarnaum, cidade marítima" ao lado do Mar ou Lago da Galiléia? Ele não só se mudou de uma aldeia muito pequena para uma um pouco maior, mas também de uma aldeia nas colinas para uma na beira de um lago. Ainda mais: os dois discípulos mais famosos de Jesus estão intimamente conectados com as aldeias pesqueiras à beira do lago. Primeira, Maria. Ela é de Magdala, a cidade mais importante na região do lago antes de Herodes Antipas ter construído Tiberíades no ano 19 da Era Comum. O nome hebreu daquela cidade vem de migdal, torre,presumivelmente um farol. Seu nome grego, Tarichaeae, significa "peixe salgado". O outro, Pedro. Ele veio de uma aldeia pesqueira, Betsaida, assim como Felipe e André, de acordo com João 1,14. Pedro parece ter-se mudado para a casa de sua esposa em Cafarnaum, quer dizer, de uma aldeia pesqueira para outra; porque é a sogra dele que serve a Jesus naquela casa em Mc 1,31.

Além disso, os primeiros e a maioria dos membros mais importantes dos Doze, esses irmãos Pedro e André, assim como os irmãosTiago e João, os filhos de Zebedeu, são todos chamados por Jesus para unir-se com ele à medida que "passou pelo do Mar da Galiléia" em Marcos 1,16. Todos os quatro são chamados desde seus barcos e redes pelo chamado de Jesus para que "sigam-me e eu os farei pescadores de gente". Para o evangelho de Marcos, em resumo, Jesus na Galiléia raramente está longe do lago, do barco e da rede e de peixe. Por quê?

Com essas três perguntas, e especialmente aquela final, sempre presente, eu começo com um panorama da matriz geográfica e histórica na qual Jesus viveu a vida dele. Eu uso o termo ?matriz? deliberadamente para evitar termo "pano de fundo" (background). Se você tira uma foto sua em estúdio e o computador do fotógrafo pode colocar você contra uma neve, floresta, prado, brecha ou cena de selva - isso é "pano de fundo" (background). Está lá, mas não tem nenhuma interação com você - você não estará com frio na neve ou aquecido na praia. Por outro lado, uma matriz é interativa e recíproca, transforma você e você também a transforma. Por exemplo, o racismo sulista nos Estados Unidos era matriz e não só o "pano de fundo" (background) para o Reverendo Martin Luther King Jr. Então, aqui está a matriz geográfica e histórica para João, o Batista, e Jesus, o "Cristo Jesus", nos territórios de Herodes Antipas nos anos 20 do século I da Era Comum.

 

Parte I

Galiléia e o Reino de Roma

O programa imperial de Romanização pela urbanização para comercialização golpeou violentamente a Galiléia não sob Herodes, o Grande, na geração antes de João e Jesus, mas sob seu filho Herodes Antipas na geração de João e Jesus. E eu me volto agora para um olhar geral para a vida de Herodes Antipas antes de focar a atenção na década de 20s quando o movimento batista de João e o movimento de Reino de Jesus começaram em Peréia e na Galiléia sob o governo de Antipas. Pense naquela vida como um drama de decepção aguda estendendo-se por seis atos seguidos.

O primeiro ato aconteceu quando Herodes, o Grande, estava perto de morte. Seu testamento designou Antipas, seu herdeiro, ao trono como Rei dos judeus. Entretanto ele mudou de idéia e designou o irmão mais velho de Antipas, chamado Arquelau, como herdeiro para o título e o reino. Quando finalmente Herodes morreu em 4 antes da Era Comum (a.E.C.), Antipas e Arquelau se apresentaram diante de César Augustus, em Roma, para pleitear seu caso em conflito. Os membros da família Herodiana preferiam o governo direto por um governador romano, mas falhando isto, eles apoiaram Antipas em vez de Arquelau. Porém, Augustus chegou a meio termo com todo mundo. Ele deu metade do território judaico - Iduméia, Judéia, e Samaria - para Herodes Arquelau, mas o intitulou "etnarca" (governador de um povo) e não um monarca. Ele dividiu o resto entre dois tetrarcas (governadores de uma das quatro partes - províncias ou governos - em que se dividiam alguns estados) com Herodes ficando com a Galiléia e Peréia nos dois lados do Jordão e Herodes Filipe ficando com a parte no extremo norte do país. Antipas iniciou seu reinado muito desapontado.

O segundo ato começou imediatamente como, nas palavras de Flávio Josefo na sua obra "A Guerra judaica", "Herodes fortificouSéforis para ser o ornamento de toda a Galiléia, e a chamou Autocratoris" (18.27). Autocrator é a tradução grega comum para o latim Imperator, o primeiro título do Imperador César Augustus e é melhor traduzido para o inglês (e para o português) não como "Imperador", mas como "Conquistador do Mundo". É claro que Séforis não chegava perto do nível do "status" dos projetos de construção de Herodes, o Grande, mas, ainda assim, Antipas começou o seu programa de Romanização através da urbanização para a comercialização quando ele dedicou sua cidade-capital reconstruída para Augustus. Depois disso, ele ficou bem quieto enquanto Augustus viveu e talvez especialmente depois que Arquelau foi enviado ao exílio em 6 E.C. e um governador romano tomou o controle direto do território dele dentro na metade sul do país. Lucas 13,32 sabiamente recorda isso ao manter a memória de Jesus chamando Antipas de "raposa".

O terceiro ato começou em 14 E.C. quando Augustus morreu e Tibério se tornou o imperador. Nesse momento, Antipas fez o seu segundo movimento para se tornar o Rei dos judeus. Para substituir a sua antiga capital Séforis, ele começou a criar uma nova aproximadamente a 32 km para o leste na costa ocidental do Mar da Galiléia. Ele a nomeou Tiberíades em honra do imperador novo Tibério. Mas por que uma capital nova e por que lá e não em outro lugar? Antipas poderia ter renomeado Séforis como Tiberíades e poderia ter construído, por exemplo, uma basílica nova maior para lá celebrar ascensão de Tibério ao trono. Uma vez mais, então, por que se constrói uma nova capital e por que construí-la lá à beira do lago?

Pense um pouco. Se você fosse Antipas e quisesse se tornar o Rei dos judeus, você teria que aumentar sua base tributária na Galiléia de forma que Roma poderia lhe conceder aquela promoção real. Se Antipas fizesse isto como tetrarca da Galiléia e da Peréia, Roma poderia pensar: o que não faria ele como monarca da pátria judia inteira? Antipas não pôde impor mais tributação dos camponeses e pequenos agricultores sem arriscar o aparecimento de resistência ou até mesmo revolta. Mas, tendo aprendido como multiplicar pães nos vales ao redor de Séforis, ele aprenderia agora a multiplicar peixes nas águas ao redor de Tiberíades.

O quarto ato era o passo gêmeo necessário para que o anterior funcionasse. Era o segundo passo de Antipas, interno ou caseiro, em direção à realeza. Ele precisou de aprovação romana, mas ele também precisou de aceitação judia e para isso ele precisou forjar uma conexão dos Herodianos com os Asmoneus. Os Asmoneus eram uma dinastia nativa que tinha regido a pátria judia durante cem anos antes dos romanos chegarem à metade do século I a. E.C. e terem designado os Herodianos no lugar deles.Por exemplo, Herodes, o Grande, tinha escolhido a princesa asmonéia, Marianne, primeiro como a sua rainha, mas depois a executou - justa ou injustamente? - por conspiração contra ele. Antipas obteve sua consorte asmonéia divorciando-se da sua esposa nabatéia e casando com Herodíades, esposa do próprio meio-irmão Filipe e neta daquela Marianne assassinada.

O quinto ato era destinado a estabelecer Antipas como um grande ator no palco mundial das políticas imperiais de alto nível. Quando o governador romano da Síria encontrou o governante dos Partos, Artabano, para discutir relações de paz, Antipas ofereceu-lhes uma grande festa no rio Eufrates e imediatamente - mas estupidamente - conseguiu que seu relatório da reunião chegasse a Roma, antes do relatório do próprio governador.

O sexto ato deixou Antipas sem tempo. O irmão de Herodíades, Herodes Agripa I, cresceu em Roma como amigo de Calígula e, quando este se tornou imperador, ele nomeou Agripa I como Rei dos judeus, sendo entregue a ele toda a pátria judia. Antipas e Herodíades foram para Roma no ano 41 E.C discutir o assunto, agora contra Agripa I do mesmo jeito como antes contra Arquelau; mas em vez de se tornarem Rei e Rainha dos judeus, eles terminaram no exílio. Depois de 37 anos de paciência e planejamento cuidadoso, para Antipas, tudo estava acabado.

A saga de Antipas, aquele que queria ser rei, concluiu-se uma década depois do tempo de João Jesus, mas eu dei toda a informação para compreender aquele terceiro ato, quando ele fundou Tiberíades para comercializar o lago e seus peixes em nome do império Romano e João e Jesus ambos se chocaram com ele em nome do Deus de Israel. Eu peço a vocês agora que pensem uma vez mais naquele Barco da Galiléia descrito no começo deste capítulo.

Eu o tomo como um símbolo do que o processo de romanização pela urbanização para o comércio orquestrado por Antipas fez aos camponeses - pescadores comuns que utilizavam o lago antes que Tiberíades fosse construída. Eles já não podiam lançar suas redes livremente desde a praia. Eles já não podiam possuir um barco ou trazer a pesca até a praia, sem tributação. Eles provavelmente tiveram que vender o que eles pescavam para fábricas de Antipas que secavam ou salgavam os peixes e faziam aquele molho/condimento de peixe execrável chamado garum (um tipo de condimento composto por sangue, vísceras e de outras partes selecionadas do atum ou da cavala especialmente e misturadas com peixes pequenos, crustáceos e moluscos esmagados; tudo isto era deixado em salmoura e ao sol durante cerca de dois meses ou então aquecido artificialmente). Por isso, eu uso aquele barco para simbolizar os tempos mais duros nos anos 20 quando excelentes artesãos tiveram que trabalhar com parcos recursos e ainda sustentar seus os barcos o quanto fosse possível. Como concluiu Wachsmann: "A Galiléia neste momento estava economicamente quebrada; as madeiras usadas na construção dos barcos fossem talvez a expressão física daquela situação econômica generalizada" (pág. 358). Isso era a violenta normalidade da civilização - no tempo dos romanos e na região da Galiléia. Eu me volto agora à radicalidade de Deus em oposição a essa caricatura da normalidade.

Clique aqui para ler a segunda e última parte.

 


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