Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013
conferencia gondim
A pregação do pastor Ricardo Gondim, no segundo dia do Encontro Nacional de Pastores e Pastoras Metodistas
O Bispo Stanley Moraes, secretário do Colégio Episcopal, passa a palavra ao Rev Ricardo Gondim, pastor da Igreja Assembléia de Deus Betesda (à direita)
O espírito do Senhor Jeová está sobre mim: porque o Senhor me ungiu para pregar boas novas aos mansos; enviou-me a restaurar os contritos de coração, a proclamar liberdade aos cativos, e a abertura de prisão aos presos. A apregoar o ano aceitável do Senhor e o dia da vingança do nosso Deus; a consolar todos os tristes; a ordenar acerca dos tristes de Sião que se lhes dê ornamento por cinza, óleo de gozo por tristeza, vestido de louvor por espírito angustiado; a fim de que se chamem árvores de justiça, plantação do Senhor, para que ele seja glorificado. Isaías 61.1-3
Esse texto de Isaías foi a base da conferência do pastor Ricardo Gondim no segundo dia do Encontro. Ele lembrou que, nos primórdios do século 20, o protagonista da filosofia niilista Nietzsche gritou "Deus está morto e nós o matamos". Contudo, entramos no século 21 ouvindo anônimos que gritam: "morreram os sonhos, morreu o Estado como promotor da justiça, morreu a arte, a família, o ecossistema..."
Começamos o século 20 com o que comumente se chama de modernidade. Entramos no século 21 com uma coisa esquisita que chamamos de pós-modernidade. Os estudiosos sequer têm um consenso sobre o que é isso. Alguns dizem que a modernidade terminou com o muro de Berlim. Mas outros dizem que a pós-modernidade é a agudização da modernidade.
O pastor destacou que modernidade não é um período da história, mas uma mentalidade, que se inaugura a partir de alguns eventos: grandes navegações, Renascimento, Iluminismo, ciência de Copérnico e Galileu, Reforma Protestante, Imprensa... "A modernidade é um jeito de pensar, de organizar a vida, um período em que a religião perde o seu domínio na cosmovisão". Nesses tempos pós-modernos, não é mais a religião que dita as normas da vida. A razão, o método, a experiência laboratorial é a medida que afere a verdade. Deixamos de lado a visão teocêntrica, predomina a antropocêntrica, o homem e a mulher estão no centro das atenções.
A modernidade se fortalece na Revolução Francesa, na Revolução Industrial, no positivismo otimista que crê no progresso, que acredita que as possibilidades do ser humano são infinitas; no marxismo que promete um paraíso na terra, no capitalismo que promete a acessibilidade dos bens de consumo. Essas são as grandes avenidas da modernidade. Só que o paraíso não se concretizou na terra e a modernidade começou a perder fôlego. "Se a modernidade produziu um Einstein, também produziu um Mengele. Se valorizou gente como Gandhi, Martin Luther King e Mandela, também trouxe Mussolini e Pinochet. Se teve Pavarotti, teve a morte trágica de Janis Joplin, a arte devassa de Madona e a caricaturização do ser humano na figura de Michael Jackson. Se teve Madre Teresa de Calcutá, Henry Nowen e Oscar Romeiro, também teve um Jim Jones e Reverendo Moon", disse Gondim.
Segundo o pastor, estamos na situação do goleiro que não sabe pra que lado ir quando a bola desvia no zagueiro. Estamos no contrapé. "A gente está no meio do ar sem saber. Não é mais tempo de Jean Paul Sartre, mas de Paulo Coelho. Não é tempo de Guevara, mas de Putin. Não se fala em Mandela, mas em Bush".
Se a atitude era otimista na modernidade, na pós ela é no mínimo cínica. Acreditava-se que o Estado laico seria o árbitro das injustiças sociais. Na pós-modernidade, o Estado precisa ser enxugado, pois é visto como lento e corrompível. Ocorreram guerras mundiais, o rio Tietê se poluiu, aconteceu o acidente em Tchernobyl, abriu-se um buraco na camada de ozônio. O que fazer? Essa é a angústia do homem pós-moderno.
Deus não morre como apregoa o filósofo, mas ressurge com força na explosão pentecostal, nos fundamentalismos judaicos, cristãos e muçulmanos. lembrou o pastor. Assim, a pós-modernidade impõe desafios à Igreja. O primeiro deles é a "ideologia do mercado". "Vivemos debaixo de uma lei que não é divina, que regula todas as nossas instituições sociais e comportamento". Cria-se nova espécie de evolução tecnológica. Afirma-se que só sobreviverão os que tiverem uma conjuntura tecnológica. Não há espaço para o pequeno no mundo neo-liberal.
Hoje é o mundo do mais forte, e esse mundo já está na Igreja. O mercado domina as necessidades eclesiásticas. Aluguéis são caros, é necessário recursos para fazer missões e está se exigindo dos nossos cultos tecnologia de ponta. "Tente ter uma igreja com pastor que não seja carismático", disse Gondim, ressaltando que usava esse termo no sentido de pessoa multifacetada, performática. "Na esquina há um pastor ávido por ter um rebanho. O mercado exerce pressão sobre o pastor, exigindo dele mensagens cada vez mais palatáveis. O mundo religioso ocidental vive uma época de grande crise de conteúdo. A maior parte do que se ouve no púlpito não passa de clichês e há um empobrecimento das letras das músicas".
Segundo Gondim, as igrejas evangélicas estão se distanciando do protestantismo quando tiram o eixo da pregação do Evangelho e colocam a ênfase na bênção. Essa é uma mensagem antropocêntrica. "Apregoa-se que Deus tem uma bênção para sua vida. Isso é um desvio crasso da nossa herança protestante. O cerne do Evangelho é a busca da justiça, não é bênção. A ênfase é proclamar a justiça de Deus. Isaías 61 diz `para que sejam carvalhos de justiça`. Quantas vezes o pastor não inicia o culto perguntando Quem vem aqui em busca de bênção? Eu mesmo já iniciei culto com essa pergunta. O que você espera de uma pergunta dessas?"
Gondim nos alertou que os pastores e pastoras são chamados(as) a ser carvalhos de justiça. Contudo, as igrejas estão se transformando em centros de neurolinguística com verniz evangélico. "A Bíblia diz: Buscai em primeiro lugar o seu Reino e a sua Justiça. Por que aquele que quiser salvar a sua vida perde-la-á. A vocês foi dado o privilégio de sofrer por Cristo. Pastor não é executivo, não é marqueteiro, nem mercadejador de esperança. É sacerdote do Deus Vivo, pregoeiro da Justiça!"
Segundo o pregador, os pastores e pastoras precisam entender a pressão que estão sofrendo do mercado. "Sofremos pressão do fundamentalismo, do legalismo e dos processos de recrudescimento dogmático". E explica que, diante das incertezas, diante da vulnerabilidade, há a perigosa tendência de se resvalar para um pragmatismo que desconsidera os valores espirituais e éticos, para um utilitarismo que utiliza o raciocínio do sucesso como padrão -- 'se minha Igreja está lotada, se cresce, está dando certo', diz essa perigosa forma de pensar. "Cemitério também cresce", alertou Gondim.
Como exemplo, ele contou a história de um colega pastor, no interior de São Paulo, que pregava em sua igreja a "batalha espiritual". Ele afirmava ter o poder de "degolar demônios". A igreja lotou. Amigos tentaram demovê-lo da idéia. Mas o fato é que sua pregação lotava a igreja... Segundo Gondim, a pergunta de pastores e pastoras deve ser: "isso gera a glória de Deus ou gera uma comunidade infantilizada, que transfere para as camadas espirituais o que é de nossa responsabilidade? "
Esse é um momento crítico e desafiador. A proposta do fundamentalismo escatológico, do evangelho integral, do pacto de Lausanne foi atropelado pelo neo-pentecostalismo. Os próprios pentecostais estão aturdidos pela teologia da prosperidade. Como resolver essa crise existencial, espiritual em meio a auditórios lotados?
Muitas igrejas buscam a resposta na oração. Mas o problema é como estamos orando, alertou o pastor. Muitas das orações que fazemos são barganhas ou ordens dadas a Deus. Existe uma resposta legalista: não deixar o mundo entrar. Essas igrejas se fecham "ao mundo", criticam o jovem que ouve uma música secular, restringem a vida ao ambiente eclesiástico. Existe uma resposta dogmática: precisamos de uma nova Reforma! "Mas qual delas? A de Lutero? Calvino? Voltamos ao puritanismo inglês? Estamos em outra época. É como querer ter cabelo de volta...", disse ele. "Existe ainda uma resposta pragmática, de influência americana: a Igreja com Propósito, o G-12, colocar power-point no culto, reformar o banheiro, melhorar o estacionamento, colocar mais figurinha na revista de Escola Dominical. Estamos embarcando nisso!"
Somos chamados não para elaborar exaustivamente uma resposta para o tempo em que vivemos, mas para alertar que esse paradigma não responde mais. Precisamos quebrar o paradigma do Deus intervencionista nos ambientes religiosos, do milagre de Deus restrito aos membros da igreja, disse ele, lembrando que a Graça de Deus é para todas as pessoas. Ele listou vários locais que carecem de vida, de cuidados, de amor: Gabão, Angola, favelas do Rio de Janeiro... "Por que os evangelistas não vão para a fila do ambulatório curar os doentes de dengue? A dor do mundo nos açoita. Não posso prometer celular novo a um membro da igreja diante dessa situação. Não posso dizer: Deus vai abrir uma porta de emprego em sua vida. Como posso dizer que Deus vai abrir uma porta de emprego ao crente? Deus colocaria o currículo do crente acima dos demais? Isso não seria pistolão? Detestamos quando um político faz isso e vamos pedir esse privilégio a Deus?É com política econômica, educação e justiça social que se abrem portas de emprego".
Gondim lembrou que as igrejas cristãs não estão num concurso de crescimento: "Você foi chamado para ser fiel, não para dar certo. Temos que devolver a Deus o centro da nossa pregação. Religião não existe para te fazer bem. O que está em jogo não é nossa felicidade, nosso bem estar, mas como nós entendemos a glória de Deus. Prega-se que Deus está a serviço do ser humano. Os pregadores perguntam O que Deus pode fazer por você. Esse é um desvio da mentalidade cristã do primeiro século".
As pessoas passam a amar a Deus por aquilo que ele dá, não pelo que Ele é. Esse é o problema de se pregar antropocentricamente.
Segundo Ricardo Gondim os pregadores de hoje têm dificuldades em pregar o evangelho para pessoas que sentem que a religião não faz sentido na vida delas. Há pessoas que sentem não "precisar de Jesus", enquanto outras buscam a Igreja apenas para satisfação de suas necessidades pessoais. Contudo, o papel da Igreja não é pregar satisfação às pessoas, mas anunciar o nome Santo do Senhor Jesus, o seu Reino e a sua Justiça. "Não importa se você precisa ou não. Eu vim anunciar um Deus maravilhoso, que é Jesus de Nazaré"
"Precisamos voltar a conhecer Deus não por aquilo que ele nos dá, mas pelo que Ele é". Lembrando do texto de Jó, ele disse que os sofrimentos impostos a Jó tinham uma razão clara: insultar a Deus. O insulto de Satanás foi: tu compras o amor de Jó, ele não te serve de graça".
Ao finalizar a sua palestra, Ricardo Gondim convidou todas as pessoas a se perguntar: "Qual é base do nosso amor a Deus?". O amor de Jó não estava baseado no que Deus lhe dava. No capítulo 19, em meio ao seu sofrimento, ele faz uma das mais belas proclamações de fé da Bíblia: "Contudo, eu sei que meu Redentor vive."
VEJA TAMBÉM:
A programação do primeiro dia do Encontro.
A preparação do evento e a chegada das delegações.