Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013
Autonomia da Igreja Metodista completa setenta e sete anos.
A vida de missionários americanos que fizeram história em nosso país
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Da esquerda para a direita, na primeira fila: Derrel Santee, John Betts, Marion Way, Anita Way. Segunda fila: Edith Long Schisler, Francis Tims, Gladys Betts, Phyllis Reily, Wilma Roberts. Terceira fila: Maria Delci Smith, Paloma Goodwin, Dorothy Santee, Steve Newnum, Maria Newnum. Última fila: Ed Tims, Donald Raffan, Jim Goodwin, Stan Fry, "Pete" Peterson Steve. Esta foto realizada durante o Encontro de Missionários e Missionárias da Igreja Metodista, que aconteceu em novembro de 2006, em Florianópolis. |
Durante cinco dias, o grupo compartilhou de devocionais, momentos de louvor e reflexões sobre a sociedade e a Igreja. "A língua nativa muitas vezes cedeu lugar ao português, que surgia sem que as pessoas se dessem conta que haviam mudado de idioma, o que mostra a profunda aculturação desses homens e mulheres que mesmo, após findado o tempo de serviço, decidirampermanecer no país que também consideram suapátria. A necessidadede ampliar o ensino no campo da unidade cristã e das raízes metodistas e wesleyanas foram debatidas e apontadas como desafio das lideranças da Igreja Metodista", conta Maria Newnum.
No dia 02 de setembro de 2007 a Igreja Metodista celebrou 77 anos como igreja brasileira autônima. Mas a proclamação de sua autonomia, no ano de 1930, não impediu que continuasse a receber missionários e missionárias dos Estados Unidos.Nos anos seguintes, muitas pessoas oriundas da Igreja Metodista Unida dos Estados Unidos - e também da Alemanha e da Igreja Unida do Canadá - vieram para se unir em laços fraternos na missão com a Igreja Metodista no Brasil. Hoje, o número de missionários e missionárias estrangeiros diminuiu significativamente. A maioria dos que vivem aqui é de aposentados(as) que escolheram o país como sua casa.
No contexto atual, é a Igreja Metodista brasileira que envia pessoas para fora... em número pequeno, é verdade, mas, ainda assim, invertendo a realidade do passado. Além disso, com a nomeação de pessoas formadas pelos seminários regionais para as funções de "missionários designados", diminuiu a necessidade de ter gente de fora.
Mas, quais são as experiências e reflexões daqueles e daquelas que dedicaram suas vidas servindo aqui no Brasil? Infelizmente não foi possível localizar alguns. Outros(as) já foram recolhidos pelo Pai. Compartilhamos aqui três histórias, a partir das quais nos lembramos que a Igreja não é feita de edificações ou números no rol de membros: a Igreja é constituída por pessoas, irmãs e irmãos amados por Deus, gente que merece consideração, respeito e carinho.
O primeiro relato é de um casal missionário aposentado que escreveu dos Estados Unidos, a segunda é de um missionário que voltou para os Estados Unidos, mas depois de algum tempo resolveu escolher o Brasil como seu lar e a terceira é do próprio autor desta reportagem: o pastor Stephen Newnum, o "Steve", missionário americano que está ativo no Brasil.
Poeira vermelha
O Rev. Raymond Noah e sua esposa Cleo, que agora vivem em Kansas e têm um dos seus filhos no Brasil, trabalhando em Londrina, escreveram:
"Eu e minha esposa Cleo escolhemos ir ao Brasil quando voltamos aos Estados Unidos, em 1965, depois de servirmos na África. O Bispo Wilbur Smith nos convidou a "enfrentar as nuvens de pó para levar o Evangelho a uma área inteiramente nova". Nossa nomeação (janeiro de 1967) era para viver em Cascavel, estabelecer uma Igreja Metodista lá e qualquer outro lugar dentro um raio de 150 km no parte oeste do estado do Paraná. Também incluiu a igreja em Laranjeiras do Sul, 150 km ao leste de Cascavel que não tinha um pastor em dez anos. Estávamos familiarizados com as "nuvens de pó" do Kansas e das viagens nas estradas em Angola e Zimbábue. Mas o pó vermelho do Paraná superou os demais!
Na África, nossa experiência era trabalhar na Missão Central, onde estávamos em contato quase diário com outros missionários. Assim, para nós foi um choque forte começar a trabalhar em Cascavel, 300 km distantes de qualquer missionário da Igreja Metodista, sem automóvel para viagens, nenhum dinheiro para comprar materiais para uma Escola Dominical ou outras necessidades por nosso trabalho.
O Bispo nos enviou dinheiro para comprar um terreno com uma casa velha em Cascavel que poderia ser usado como um lugar de reunião. Depois de vários meses, pudemos comprar uma Kombi para viajar. Desnecessário dizer que era um começo lento. Estávamos em Cascavel sete anos e ao final daquele tempo uma congregação metodista foi estabelecida em Cascavel com uma capela nova para adoração. A igreja em Laranjeiras estava crescendo e nós estávamos visitando 19 outros pontos de pregação em pequenas cidades e fazendas ao redor de Cascavel, alguns até 100 km de distância. Nossa segunda nomeação foi para a cidade de Umuarama, com experiências semelhantes, também servindo em vários outros pontos na área. Nós servimos lá oito anos.
Hoje, Cleo e eu estamos ambos com 88 anos de idade e completamos 65 anos de matrimônio em dezembro. Nosso filho Melvin e sua esposa Fran trabalham com a OMS em Londrina há 35 anos. Nossos outros três filhos e suas famílias vivem nos Estados da Flórida, Oregon e West Virginia."
Capela ambulante
Stanley Fry serviu cinco anos no Brasil, voltou para os Estados Unidos e depois retornou ao Brasil, após o casamento com Edith Long Schisler, missionária viúva. Stan conta sua experiência:
"Em 1950, a Igreja Metodista brasileira recebeu seu primeiro contingente de missionários(as) para América Latina, com contrato de três anos. Acredito que, dos 50 que foram para América Latina, 18 foram nomeados(as) para vários lugares no Brasil. Fui nomeado para trabalhar com Charles Clay, no escritório da Junta Geral de Educação Cristã. Pediram-me que editasse a pequena brochura promocional chamada "Brazil Calls" (Brasil Chama), que foi enviada para todas as igrejas nos Estados Unidos que apoiaram missionários(as).
Igrejas no estado de Texas que apoiaram trabalhos missionários haviam enviado, pouco tempo antes, a primeira de duas "capelas ambulantes" que foram equipadas com jipes com um gerador de força, um projetor e alto-falantes montados em cima. Ralph Nance era o pastor de Texas que acompanhou o primeiro destes veículos. Fui nomeado por Charles para viajar com a capela ambulante como seu técnico. Era meu trabalho manter o gerador de força, o jipe na estrada e os alto-falantes funcionando bem.
Como falava pouco português naquela época, sempre tinha pelo menos um pastor que viajava comigo para pregar onde quer que fôssemos. Eventualmente pude fazer alguns dos anúncios públicos dos filmes e pregações nos alto-falantes enquanto dirigíamos para cima e para baixo nas ruas do vilarejo durante as tardes.
Os filmes sobre a Bíblia, higiene, etc. eram mostrados geralmente em uma parede branca em algum terreno baldio ao anoitecer e, é claro, a noite terminava com o pastor pregando o evangelho pelos alto-falantes. Uma vez pastor me mandou dirigir à zona de meretrício local e estacionamos no fim de uma rua com os alto-falantes apontados rua abaixo e ligados no alto. As meninas saíram dos seus lugares de negócio e ficaram em pé acenando e nos chamando, enquanto a pregação continuava.
Numa outra ocasião, colidimos com a oposição do padre local. Quando chegamos num vilarejo interiorano disseram-nos que o padre tinha vindo à escola local para anunciar a todas as crianças que a capela ambulante estava vindo e que elas deveriam ficar o mais longe possível, porque o Satanás estava andando na traseira. Desnecessário dizer, quase toda a cidade veio naquela noite quando os filmes eram projetados e o sermão pregado na praça central. Mas posso dizer com segurança que eles(as) ficaram desapontados por não ver nada de Satanás...
Depois fui nomeado para Itapecerica da Serra e Palmeiras como pastor. Quando retornei ao Brasil quase quatro anos atrás, descobri que essas duas igrejas tinham sido fundadas pela Rev. James L. Kennedy, o avô de minha esposa atual, Edith Long Schisler. Eu retornei lá recentemente e achei um pequeno museu que exibe vários quadros da antiga Igreja Metodista e suas congregações, como também o antigo órgão que estava em uso na igreja quando eu tinha servido lá mais de cinqüenta anos atrás.
Esses foram anos excitantes na vida da Igreja Metodista do Brasil, que na ocasião tinha somente 20 anos de autonomia. Foi durante esses cinco anos como missionário no Brasil que eu fiquei realmente apaixonado com o evangelho da graça, como ensinado por João Wesley e como pregado na Igreja Metodista do Brasil. Sem falar de outro fato marcante que foi meu casamento com minha primeira esposa, a Anita, uma dasmissionárias para América Latina que lecionou no Instituto Metodista em São Paulo. Nosso primeiro filho também nasceu durante esses anos e agora trabalha com dependentes químicos na Cidade de Nova Iorque e com crianças vivendo com AIDS na África do Sul. Esses anos foram formativos na minha vida e eu os agradeço."
Coração em duas igrejas
Robert Stephen Newnum, um dos missionários na ativa que hoje vive com sua segunda esposa Maria Newnum, conta:
"Quando entrei com o pedido para ser missionário, a missão nos Estados Unidos desejava pastores casados com brasileiras que não fossem metodistas. Sem saber disso, me encaixei diretamente no perfil, já que minha primeira esposa era católica quando nos casamos. Cheguei ao Brasil em 1980 com a família, que incluía duas crianças. Viemos os dois como missionários. Nossa primeira nomeação, depois de 9 meses para eu aprender o português em Campinas, foi para Joinville, para começar a Igreja Metodista. Fui sozinho a Joinville fazer os primeiros contatos, arrumar uma casa e tudo mais. Chegando lá, eu achava que estava falando o português, mas as pessoas respondiam: "Spreken de Deutch?", ou seja, "você fala alemão? Eu fiquei num pânico enorme. Me lembro que um dia, na praça do correio de Joinville, com a família ainda em Campinas, sentei e lamentei silenciosamente: Se morresse aquele dia, ninguém ia saber quem eu era! Estava completamente só. Apesar disso, as coisas foram se ajeitando. A maneira de ser da Igreja Metodista na Sexta Região foi bem diferente de minhas experiências anteriores e sentia saudades de um culto mais "litúrgico". Mas aos poucos fui me adaptando. Em 1988, assumi outra nomeação que incluiu responsabilidades como professor no seminário regional. Desde então, tenho desenvolvido este ministério. Em 1990 adotamos uma filha brasileira, ela trouxe muita alegria. Agora, minhas três filhas moram nos Estados Unidos. Depois do divórcio, casei-me em 2000 com Maria, que embora não seja missionária "oficial", compartilha todas as minhas paixões e interesses. Amo a Igreja Metodista, mas me preocupo com certas linhas de ação que acontecem em vários lugares que aparentemente contradizem a sua trajetória histórica. Às vezes sinto na pele que pertenço a duas igrejas, a Igreja Metodista Unida dos Estados Unidos e a Igreja Metodista do Brasil. E há momentos que concordar com a atuação de uma contradiz outra! Mas amo as duas e Brasil, que é minha segunda pátria."
Stephen Newnum
VEJA TAMBÉM:
Fotos históricas da Autonomia da Igreja Metodista.
Textos históricos e sugestões de liturgia para a data, disponíveis no site da Igreja Metodista em Vila Isabel, RJ. CLIQUE AQUI.
O que diz os Cânones sobre a Autonomia da Igreja Metodista? Veja aqui.