Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013
a participação metodista no CMI
A respeito da minha participação no Comitê Central do Conselho Mundial de Igrejas
Magali do Nascimento Cunha
As palavras entre aspas no título desta memória não são minhas, mas do pastor luterano brasileiro Walter Altmann, moderador do Comitê Central (CC) do Conselho Mundial de Igrejas (CMI). Tomo-lhe emprestadas as palavras e as repito, desafiada por tudo o que tenho refletido nos últimos meses, baseada na conjuntura ecumênica no Brasil, e pelo que experimentei nos dias 30 de agosto a 6 de setembro de 2006, quando participei da primeira reunião plena do CC/CMI eleito na 9ª Assembléia do CMI (Porto Alegre, 14 a 23 de fevereiro de 2006). Este texto é um relato/memória dessa participação, com os destaques, sob minha ótica, daquilo que merece atenção da igreja que represento e das igrejas latino-americanas.
A reunião foi realizada nas dependências do CMI em Genebra, Suíça. O Comitê Central é o segmento que atua nas deliberações para implementação das decisões da assembléia, no planejamento e no acompanhamento da execução das atividades deste organismo e na avaliação dos processos que as envolvem, até o ano de 2013, quando será realizada a 10ª Assembléia.
Como deve ser de conhecimento de quem recebe este texto, naquela ocasião, como delegada da Igreja Metodista no Brasil à 9ª Assembléia, fui eleita para integrar o CC como representante minha igreja e das igrejas-membros do CMI na América Latina, juntamente com outras quatro pessoas: o pastor presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, Walter Altmann, escolhido, posteriormente, o moderador do CC; o pastor Hector Precca, da Igreja Cristã Bíblica, da Argentina; o pastor Carlos Duarte, da Igreja Evangélica do Rio da Prata, da Argentina; o bispo Carlos Poma, da Igreja Metodista na Bolívia. Participa ainda das reuniões do CC, como presidente (ex-officio), pela região América Latina e Caribe, a pastora Ofélia Ortega, da Igreja Presbiteriana de Cuba. Vale ressaltar que sou a única mulher e única leiga entre os latino-americanos com assento na membresia plena do CC.
O CC é composto de 150 pessoas distribuídas proporcionalmente ao número de igrejas-membros por regiões do mundo, buscando-se garantir balanços nas representações confessionais, de homens e mulheres, de clérigos e leigos, de jovens (18 a 30 anos), indígenas e pessoas com deficiência. O CC reúne-se a cada ano e meio e no interregno deste período, um Comitê Executivo composto por 25 pessoas encontra-se periodicamente para acompanhar a implementação dos procedimentos deliberados pelo CC. A América Latina está representada nesse comitê executivo pelo moderador Walter Altmann.
Momentos de oração e reflexão
A reunião do CC é uma oportunidade significativa para celebrar a fé, valorizando-se a diversidade cultural, teológica e doutrinária, e refletir sobre temas significativos que alimentam a causa ecumênica. Nesta reunião, além dos ricos momentos cúlticos (incluindo participação em igrejas de Genebra no domingo), três sessões plenárias foram encerradas com a reflexão "O que significa ser cristão/cristã em nossa própria comunidade em meio à uma sociedade pluralista?". Nesses momentos, pudemos ouvir testemunhos de pessoas de diferentes confissões, de diferentes partes do mundo, com respeito à valorização e ao convívio com as diferenças étnicas, culturais e religiosas. Ouvir, conhecer, respeitar, dialogar, cooperar, foram palavras-chave desses testemunhos partilhados por mulheres, homens, adultos, jovens. Esse espaço foi alimentado com orações, cânticos e expressões simbólicas.
O sermão do moderador do CMI Walter Altmann, proferido no culto de abertura da reunião, merece atenção. Ele pode ser acessado na página http://www.oikoumene.org/es/documentacion/documents/comite-central-del-cmi/ginebra-2006/informes-y-documentos/30-08-06-altmann-sermon-at-opening-worship.html (lamentavelmente só há a versão em inglês).
Outro espaço de reflexão foi oferecido em uma das manhãs, quando se celebrou os 40 anos da Conferência sobre Igreja e Sociedade (Genebra, 1966). Uma sessão denominada "Agindo Juntos pela Transformação" apresentou a memória da histórica conferência por meio de um vídeo-documentário produzido na Alemanha, e contou com reflexões como as conseqüências da conferência para o trabalho do CMI (como o programa de combate ao racismo e a Comissão sobre a participação das igrejas no desenvolvimento/CCPD) e como os temas tratados na conferência continuam relevantes em nossos dias.
Ao final da reflexão foi manifestado em plenário que o problema da pobreza continua sendo o desafio central da agenda ecumênica. Daí o Processo Agape (Globalização Alternativa dirigida às pessoas e à terra) desenvolvido pelo CMI em parceria com várias organizações ecumênicas e outras da sociedade civil.
Os relatórios do moderador e do secretário-geral são também momentos especiais de reflexão. Trazem indicativos teológicos e pastorais que merecem atenção das igrejas. O relatório do secretário-geral Samuel Kobia, além de destacar o momento de planejamento e reestruturação que vem sendo experimentado pelo CMI, dedicou especial atenção à crise no Oriente Médio e à necessidade de as igrejas intensificarem ações concretas pela superação da violência que atinge as populações daquela região. As novas realidades eclesiais decorrentes da intensificação das correntes migratórias no mundo, também foram objeto de reflexão do rev. Kobia. A íntegra deste pronunciamento (em espanhol) pode ser acessada em http://www.oikoumene.org/es/documentacion/documents/comite-central-del-cmi/ginebra-2006/informes-y-documentos/report-of-the-general-secretary.html
O relatório do moderador Walter Altmann, especialmente, é uma peça significativa a partir do tema da "esperança apesar de". No caso específico do Brasil, o moderador registrou sua preocupação com movimentos de fechamento para as expressões ecumênicas, especialmente com respeito à decisão da Igreja Metodista no Brasil de se retirar das organizações que tenham a presença oficial da Igreja Católica Romana e de outras confissões religiosas. Esse relatório pode ser acessado na íntegra em: http://www.oikoumene.org/es/documentacion/documents/comite-central-del-cmi/ginebra-2006/informes-y-documentos/moderators-report.html
Principal objetivo da reunião: Planejamento 2007-2013
O CC foi desafiado a trabalhar mais intensamente na proposta que o secretário-geral Samuel Kobia submeteu à apreciação: o planejamento das atividades do CMI para o próximo período, desenvolvido pelo staff do organismo a partir das políticas e encaminhamentos aprovados na 9ª Assembléia em Porto Alegre.
Os subcomitês de planejamento, políticas de referência e finanças debruçaram-se sobre um documento que continha a proposta de projetos para 2007-2013. Os dois primeiros trabalharam conjuntamente. Fui indicada para participar do comitê de planejamento e também para atuar como relatora, juntamente com Anne Glynn-Mackoul, do Patriarcado Ecumênico Ortodoxo/EUA.
Após dois dias inteiros de trabalhos nos subcomitês, que fizeram alterações no projeto original, a essência da proposta apresentada foi encaminhada à aprovação em plenário do CC, que também procedeu, no processo de decisão por consenso, a novas alterações. O CC endossou a proposta apresentada, com as devidas emendas, que reorganiza as ações do CMI em seis programas (áreas de ação) sob o lema "Igrejas Juntas Transformando o Mundo":
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O CMI e o movimento ecumênico no século XXI
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Unidade, missão, evangelismo e espiritualidade
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Testemunho público: confrontar o poder e afirmar a paz
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Justiça, diaconia e responsabilidade pela criação
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Formação ecumênica e na fé
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Diálogo e cooperação inter-religiosos.
As comunicações serão uma prioridade e deverão atuar na integração e no apoio aos seis programas. Integração entre programas é também expressão-chave na concepção do planejamento, que busca responder à avaliação de que o CMI vinha atuando com a fragmentação de áreas e duplicação de esforços.
Relacionado ao planejamento esteve o assunto das finanças. Um subcomitê se dedicou ao estudo da situação financeira e orçamentária do CMI.O relatório indicou que, apesar de uma tendência à diminuição das entradas, o CMI possui estabilidade financeira e é capaz de manter suas prioridades programáticas. Haverá uma reestruturação do quadro de funcionários (hoje composto de 162 pessoas em tempo integral) a partir da nova organização programática.
Muito em breve o relatório sobre os programas e os projetos a eles relacionados será socializado por meio do site do CMI. O relatório do secretário-geral apresentado em plenário, faz uma reflexão sobre este processo de reestruturação do CMI. Veja em: http://www.oikoumene.org/es/documentacion/documents/comite-central-del-cmi/ginebra-2006/informes-y-documentos/report-of-the-general-secretary.html (versão em espanhol).
Outras deliberações
O CC aprovou pronunciamentos sobre: A guerra no Líbano e no Norte de Israel e o trabalho ecumênico pela paz no Oriente Médio; Infância em situações de conflito com ênfase no norte de Uganda; Comércio justo; Uma resposta compassiva ao HIV/AIDS; Assassinatos extrajudiciais nas Filipinas; Conflito no Sri Lanka; Sudão; Kosovo.
A íntegra desses pronunciamentos pode ser conhecida ao se acessar "Sumario de las resoluciones sobre assuntos públicos" (em espanhol): http://www.oikoumene.org/es/documentacion/documents/comite-central-del-cmi/ginebra-2006/informes-y-documentos.html
A questão do Oriente Médio teve atenção especial. Além de ser destaque no relatório do moderador (conforme relatei acima), houve dois momentos especiais dedicados ao tema: a partiilha da experiência da delegação ecumênica que visitou o Líbano, Israel e os territórios Palestinos e o encontro com o ministro da cultura do Líbano Tarek Mitri, ex-staff do CMI, executivo do Programa de Diálogo Inter-Religioso. O CC aprovou o estabelecimento de uma iniciativa ecumênica de ação pública pela paz no Oriente Médio. Foi aprovada a criação de um Fórum Ecumênico sobre a Palestina e Israel promovido pelo CMI. Este fórum catalizará e coordenará as iniciativas já existentes e as novas frentes implementadas pelas igrejas em favor da paz, buscará o fim da ocupação ilegal dos territórios palestinos em concordância com as resoluções da ONU, e demonstrará o compromisso com uma ação inter-religiosa pela paz e pela justiça em benefício dos povos da região.
Parte da tarefa do CC foi aprovar o relatório das comissões que visitaram duas igrejas que apresentaram solicitação de adesão à membresia do CMI: a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil e a Igreja Evangélica de Laos. Tive o prazer de participar da comissão que visitou a IPI. Aprendi muito com a experiência e me senti revigorada com o que vi e ouvi, e com o compromisso ecumênico que a igreja sempre teve e quer, agora, aprofundar juntando-se às demais igrejas do mundo que fazem parte do CMI. De acordo com o novo procedimento de recebimento de novas igrejas-membros, aprovado na 9ª Assembléia, em Porto Alegre, o CC aprovou, com muita satisfação, o recebimento dessas igrejas por um período, durante o qual participarão do trabalho do CMI e vão interagir com as outras igrejas-membros. Na próxima reunião do CC (fevereiro de 2008),será considerada, então, a aceitação dessas igrejas como membros plenas da comunidade fraterna do CMI.
O CC discutiu e aprovou nomes para comporem os órgãos consultivos do CMI. Destaco que para a Comissão sobre Formação Ecumênica e na fé, composta por 30 membros foi indicado e aprovado o nome de Diana Fernandes, da Igreja Metodista no Brasil. Diana Fernandes foi ainda indicada para compor, como representante dessa comissão, o Organismo de Juventude que será formado, a partir de indicação da 9ª Assembléia, para incremento da participação da juventude nas atividades do CMI (a composição será de 25 pessoas de 18 a 30 anos). Para a Comissão Permanente sobre Consenso e Colaboração, aprovada na 9ª Assembléia para dar continuidade ao processo de trabalho conjunto e diálogo entre as Igrejas Ortodoxas e o CMI, composta por 14 membros (sete da família protestante e sete da família ortodoxa) indicado e aprovado o meu nome, Magali do Nascimento Cunha.
A participação latino-americana nas comissões é pequena, em comparação com outras regiões, dada a proporcionalidade (é pequeno o número de igrejas-membros no continente). No entanto, houve poucas indicações da parte das igrejas (especialmente posso me referir à Igreja Metodista no Brasil) o que torna o processo ainda mais difícil para a participação regional. Os latino-americanos presentes no CC, fizemos o possível para estar presentes nos espaços e indicar outros nomes.
Sobre minha indicação para a Comissão Permanente sobre Consenso e Colaboração considero um desafio. Confesso conhecer muito pouco a realidade das igrejas ortodoxas e considerei isto ao ser consultada sobre a indicação do meu nome. Mas ouvi o argumento de que a contribuição latino-americana seria muito importante no processo e que o desafio deveria ser aceito. O meu "sim" foi um retorno positivo ao argumento. Antevejo um caminho diferente e de muito aprendizado. Vamos ver o que teremos adiante.
Um momento da reunião foi dedicado à avaliação da 9ª Assembléia. A estrutura foi avaliada positivamente, bem como o "Mutirão". Detalhes dessa avaliação podem ser conhecidos em aqui.
Latino-americanos presentes à reunião do CC tiveram oportunidade de encontro em duas sessões bem como as mulheres e as famílias confessionais. Nós, metodistas, éramos 23 presentes à reunião: cinco da América Latina e Caribe, cinco dos Estados Unidos, cinco da África, três do Pacífico, dois da Ásia, um da Igreja Unida da Austrália, três da Europa (um desses o secretário-geral do CMI Samuel Kobia e outro o ex-secretário-geral Emílio Castro). Participaram ainda com o grupo um Anglicano e um Quaker. Fui convidada para coordenar a reunião juntamente com o pastor dos EUA Larry Pickens.Na uma hora que tivemos, houve oportunidade para integração e para ouvir destaques de cada igreja. Da América Latina, os destaques ficarampor conta da decisão da Igreja Metodista no Brasil em retroceder na sua postura ecumênica e dos 100 anos da Igreja Metodista na Bolívia, com seu ministério contextualizado e de valorização à causa indígena (a igreja recebeu uma condecoração do governo pelos serviços prestados à nação boliviana).
O secretário-geral do CMI Samuel Kobia teve uma palavra especial. Ele compartilhou sobre sua participação na Assembléia do Concílio Mundial Metodista, realizada em Seul, em julho passado. Ele foi um dos palestrantes e relatou ter ouvido uma questão que sempre é apresentada: "por que os metodistas têm maioria entre os secretários-gerais do CMI (dos seis que desempenharam a função até hoje, três são metodistas, um foi reformado, outro presbiteriano e um é luterano)? Ele diz ter respondido com uma outra pergunta que se conecta a esta: por que o movimento ecumênico e o metodismo têm uma ligação tão forte? A resposta às duas perguntas, para Kobia, está na famosa frase de John Wesley "O mundo é minha paróquia". A partir desta frase,o metodismo construiu sua forte conexão com o ecumenismo, segundo o líder do CMI. A partir dela, metodistas encontraram base para seu engajamento no movimento, como John Mott, que pregava: "a Bíblia na mão e o jornal na outra!". John Mott e outros líderes metodistas em todo o mundo entenderam bem o ensinamento de John Wesley quanto à santidade social. No metodismo, espiritualidade tem a ver com justiça social - caminham juntas. Por isso a conexão tão forte entre metodismo e ecumenismo.
Samuel Kobia destacou duas preocupações fortes do CMI em relação à família metodista no mundo: 1) o fato de o Concílio Mundial Metodista ter fechado o seu escritório no Centro Ecumênico de Genebra. Esta presença faz muita falta ao CMI e aos outros escritórios de famílias confessionais que permanecem como o dos reformados e o dos luteranos; 2) a decisão da Igreja Metodista no Brasil de deixar o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs. Samuel Kobia diz ter conhecimento dos problemas históricos que as igrejas evangélicas latino-americanas têm de relacionamento com a Igreja Católica. Apesar disso, o testemunho ecumênico metodista vinha sendo dado como exemplo para as demais igrejas, na superação de barreiras. É preciso refletir mais sobre as conseqüências disso e de atitudes como a da Igreja Metodista de Cuba, de deixar o Seminário de Matanzas, por exemplo.
O secretário-geral fez um apelo para que os metodistas continuem apoiando o CMI como vêm fazendo ao longo da História. Destaca o apoio à formação ecumênica e o papel do Instituto Ecumênico de Bossey. O CMI está redesenhando a proposta do Instituto Ecumênico para que se torne um verdadeiro laboratório de ecumenismo, que seja um porto seguro para diálogo e reconciliação. A formação ecumênica, para Kobia, é o coração do futuro do ecumenismo.
Maiores informações sobre a primeira reunião plena do novo CC do CMI podem ser conhecidas por intermédio do link: http://www.oikoumene.org/es/events-sections/cc2006.html
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