Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013
Vivendo no limite daniel rocha
Admiro quem tem uma vida tranqüila e serena, sem grandes sobressaltos e tudo muito bem organizado. Parece que Deus agraciou algumas pessoas, cercando-as de facilidades e levando-as a lugares plácidos.
Outros, como eu, estão sempre no limite. Limite das forças, do equilíbrio, da fé e da esperança. Assim como o salmista, repetidas vezes já pressenti que "quase me resvalaram os pés" (Sl 73.2).
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Felizmente estou em boa companhia. Acredito que há pessoas cuja caminhada de fé nunca será nas planícies, mas nas escarpas montanhosas, onde o ar é rarefeito, a subida é cansativa, e a fé é levada ao seu extremo. Apesar dos percalços do caminho, a visão dali é belíssima, e só quem se arrisca a subir pode apreciá-la. |
Paulo, o apóstolo, viveu sua vida nos limites. No limite da fraqueza, com "lutas por fora, temores por dentro"; no limite da condição humana por conta das prisões, açoites, naufrágios, perigos, frio e nudez; no limite do desprezo, sendo considerado como lixo e "escória do mundo".
O profeta Jeremias também experenciou os píncaros da tristeza (depressão?) a ponto de maldizer a Deus por não tê-lo matado ainda no ventre materno (Jr 20.17). Oséias viveu no limite da dignidade de um profeta quando Javé lhe pediu para casar com uma prostituta do povo (Os 1.2) e o profeta Ezequiel no extremo do equilíbrio emocional: a ele Deus até proibiu de chorar a morte da esposa amada, "delícia de seus olhos" (Ez 24.16).
As grandes obras de artistas, pintores e compositores sempre foram obtidas "no limite".
Quem já teve o prazer de ver "A noite estrelada" de Van Gogh não consegue imaginar que ao pintar um de seus mais belos quadros, com ciprestes retorcidos e estrelas em turbilhão, ele retratava ali um pouco de sua loucura, que estava no auge. |
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Handel, já quase cego, compôs o "Aleluia" depois de se trancar no quarto por 24 dias, sem sair e com pouca comida, até sua obra terminar. Foi no limite de uma surdez que nasceu a mais famosa sinfonia de Beethoven. Os mais belos poemas só nascem na alma dos poetas que experimentaram as dores mais profundas. As notas mais altas e belas do violino são tiradas de cordas esticadas "ao extremo".
Quem vive no limite tem poucos momentos prazerosos para desfrutar. Mas quando tem é capaz de aproveitá-los e ser infinitamente agradecido a Deus, muito mais que aqueles que a todo momento se regalam, pois aprendeu a reconhecer a Graça divina.
Quem vive no limite quase nunca tem tempo sobrando, e justamente por isso é chamado por Deus para realizar outras obras. Ao Senhor sempre apreciou chamar os atarefados.
Os personagens bíblicos que viveram no limite do pecado conheceram mais fortemente a Graça do perdão, e sentiram mais intimamente o Amor do Pai. Vejo mais santidade no filho pródigo que viveu no limite do desejo que seu irmão sempre pesarosamente contido; vejo mais amor na mulher de má fama que se derramou diante de Cristo que os convidados à mesa, cheios de justiça própria.
O grande desafio de quem vive "no limite" é a dificuldade de vislumbrar a presença do Senhor ao seu lado. Esta presença nunca é suficientemente clara, dada a tensão em que vive. Entretanto, justamente por não viver pela sensação, mas pela fé, ele sabe que Deus está ali.
Compadeço-me tremendamente dos que estão no limite da sanidade, quase a atravessar um caminho muito difícil de voltar. Já perderam os amigos, os amores dos que antes os amavam, perderam a capacidade de controlar os pensamentos, e mergulharam num mundo desconexo e aterrador.
Diferentemente dos que têm uma vida bem estruturada, gozam de saúde, e possuem recursos deste mundo, quem vive no limite precisa desesperadamente de Deus todos os dias, para suportar a dor, para não cair, para não pecar e não deixar-se morrer. Não creio que haverá uma intervenção divina para mudar esse padrão de ser, pois Deus os escolheu para testemunharem a Cristo na condição de "coisas loucas deste mundo".
Num meio evangélico obcecado por bênçãos, essas pessoas imaginam que não possuem testemunhos a compartilhar. Na verdade, se elas forem à frente da igreja darão o maior de todos os testemunhos: de como Deus os tem sustentado a cada dia. Esses testemunhos fariam um contraponto aos "meninos na fé" que se vangloriam de possuírem brinquedinhos novos que ganharam de Deus.
Dedico esse texto a todos os que estão nos limites de suas forças e da paciência, e que se seguram num tênue fio de fé; dedico a todos que amaram e foram ignorados, aos que trabalham e não são reconhecidos, aos que vivem seu dramas - mas não fazem deles uma tragédia, nem ficam cobrando de Deus facilidades, nem livramentos milagrosos, mas tão somente, tão somente, que Ele lhe conceda forças para acabar o dia e repousar o corpo cansado sobre a cama. A estes, o meu respeito e o meu reconhecimento de que estou diante de quem compreendeu o verdadeiro Evangelho de Cristo.
Pr. Daniel Rocha