Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013

texto José do Carmo Jornada pela Liberdade

Por indicação do Bispo Luiz Vergílio Batista da Rosa, 2ª Região Eclesiástica - Rio Grande do Sul, assisti ao filme Jornada pela Liberdade (Amazing Grace) que traz para a tela do cinema a luta travada no campo político pelos jovens, Willian Wilbeforce e Wilian Pit, contra aquilo que Wesley classificou como "execrável vilania", o tráfico de escravos e a escravidão. O filme retrata o quanto o mundo deve ao povo negro, mostra uma sociedade inglesa na época potencia mundial erigida sobre a escravidão e comercio de seres humanos. Entre libertar vidas e continuar delas se servindo e lucrando a Inglaterra de Wilberforce se encontrava num dilema: "a escravidão é um mal, mas quem fará todo o trabalho se a abolirmos?" Perguntas desse tipo surgiam nos acalorados debates suscitados pelo parlamentar Wilberforce na Câmara dos Comuns.

Wilian Wilberforce foi um jovem membro do parlamento inglês, tocado pela pregação de John Newton, um ex - capitão de navio negreiro, que passou por uma profunda conversão e ao ser tocado por Deus compôs o famoso hino Amazing Grace ("Maravilhosa Graça"). Dizem que John Newton se converteu por meio das pregações de Wesley

O filme mostra o quanto homens tocados por Deus, podem fazer a diferença nos rumos de uma nação. Wilberforce, contemporâneo de João Wesley, passou por uma experiência profunda com Deus, sentindo-se impelido a ser instrumento nas mãos de Deus para por fim ao trafico negreiro. O jovem político britânico, cheio do Espírito Santo, poderia muito bem ter se colocado em pé na Câmara dos Comuns, e declarado como Jesus: O Espírito do Senhor é sobre mim, pois enviou para pregar liberdade aos cativos, E restauração da vista aos cegos, A pôr em liberdade os oprimidos. pois havia sido encontrado por Deus. Após algumas relutâncias e conflitos interiores no poder do Espírito, Wilberforce e seus amigos firmemente se opuseram a execrável vilania em solo inglês, o que de certa forma desestruturou o trafico negreiro e a escravidão no mundo.

A história de Wilbeforce esta estreitamente ligada a história do Povo chamado Metodista. Pois a ultima carta da vida do idoso João Wesley foi endereçada ao recém-convertido William Wilbeforce, que se encontrava num dilema: continuar na carreira política, ou dedicar-se a Deus numa vida contemplativa, assim como seu pastor John Newton. Wesley escreveu-lhe no dia 23 de fevereiro de 1971, encorajando-o a continuar em sua luta contra o comercio de escravos:

"Caro senhor, a não ser que o poder divino o tenha alçado para ser um Atanásio contra mundum, não posso ver como poderá terminar Sua gloriosa empresa, opondo-se àquela execrável vilania, que é o escândalo da religião, da Inglaterra e da natureza humana. A não ser que Deus o tenha verdadeiramente erguido a essa obra, o senhor será consumido pela oposição dos homens e dos demônios. Mas se Deus for pelo senhor, quem lhe será contra? São eles todos juntos mais fortes que Deus? Não se canse de fazer o bem. Continue, em nome de Deus, e com a força do seu poder, até que a escravidão americana, a mais vil que já houve sob o sol, se desvaneça diante desse poder. Lendo esta manhã um tratado escrito por um homem africano, me impressionou muito a circunstância de o homem com a pele escura ser maltratado pelo homem branco e não ter o direito a reclamar justiça, uma vez que há uma lei em todas as nossas colônias afirmando que o juramento de um negro contra o de um branco de nada vale. Que vilania é essa!
Que Aquele que lhe tem guiado desde sua juventude continue fortalecendo-lhe nessa e em todas as
coisas. Essa é a oração de seu afetuoso servidor, John Wesley"
[1 ]

Em 02 de Março de 1791 Wesley faleceu. Passados dezessete anos após a escrita dessa carta, Wilberforce viu após muitas lutas e derrotas, finalmente a aprovação de seu projeto de lei contra o tráfico de escravos. A abolição da escravatura em solo inglês veio somente 42 anos depois, em 1833 três dias antes da morte de Wilbeforce.

Escravidão no Brasil

O Brasil por quase quatro séculos também fez uso da mão de obra escrava. Durante séculos, navios cruzavam o mar rumo ao Brasil, transportando vidas humanas, mas de forma e por razões totalmente desumanas, pois agora homens, mulheres, jovens e crianças, filhos e filhas da África reduzidas a peças, eram alojados na parte de baixo dos tumbeiros. Os tumbeiros eram assim chamados porque muitos morriam durante a viagem. Tais navios tumbeiros eram nada mais nada menos do que o próprio ventre da morte, ambiente fétido, podre, carregado de lamento, tristeza e dor. Em meio a cadáveres, fezes, vômitos e sangue que brotavam das chagas de pessoas acorrentadas, as vezes cinqüenta por cento ou menos da "carga humana" sobrevivia, tendo a "sorte" ou o infortúnio de chegar ao Brasil, onde um destino pior do que a morte os aguardava, o destino de serem escravos, serem propriedades de outros homens, os quais ainda se diziam cristãos.

Calcula-se que entre 1550 e 1855 entraram nos portos brasileiros cerca de quatro milhões de africanos. Nosso país foi o último país do mundo a oficialmente abolir a escravidão, e só o fez em 13 de Maio de 1888 sob fortes pressões que exigiam o fim da escravidão. As pressões eram externas e internas. Internas devido às revoltas de negros, e as crescentes manifestações abolicionistas por parte de vários seguimentos da sociedade. As pressões externas exigiam o fim da escravidão para que o Brasil fosse inserido no mercado consumidor, como negros sem salários não consomem era preciso libertá-los.
Assistindo Jornada para Liberdade, me pus a refletir:

pena que no Brasil, não se levantaram de dentro da Igreja vozes como a de Wilbeforce.

Pena que no Brasil a Igreja dita cristã não podia levantar a voz contra a escravidão, pois ela mesma cunhou uma teologia que apoiava a "cruel vilania" e fazia uso da mão de obra escrava.

Pena que os Metodistas que vieram para o Brasil eram oriundos do Sul escravagista norte-americano. Que ficaram vislumbrados com um país onde ainda se podiam ter escravos. Metodistas que desprezando os fundamentos Wesleyanos de vida de piedade e vida de misericórdia, abandonaram o anseio de santidade do metodismo primitivo e abraçaram a busca pela prosperidade em solo americano. Ao invés de ganharem almas para o Senhor da Seara, compravam corpos para si, tornando-se proprietários de pessoas, pondo-as para sob açoites trabalharem em suas searas.

Hoje nós negros brasileiros, ainda estamos em marcha, ainda estamos numa Jornada pela liberdade. Não a liberdade constitucional, pois essa veio no 13 de Maio, por meio da assinatura da Lei Áurea. Mas nossa jornada ainda é pela plena liberdade, a qual não chegou a nós, pois a abolição foi um projeto inacabado. Um projeto inacabado, uma vez que, no 14 de Maio, o negro embora livre, estava escravizado pela indigência, pelo abandono por parte de um Estado que durante quatro séculos sugou-lhe, sangue, suor e lagrimas, em baixo da chibata nos cafezais, minas e canaviais, e que agora o dispensava "livre", mas abandonado a própria sorte, indenizando o patrão. E numa tentativa de "embranquecer" a nação, dando-lhe traços europeus, inseriu no país, com direito a moradias e salários, italianos e alemães. Ai esta a razão pela qual as condições sociais entre estas duas etnias são gritantemente desiguais. Ai esta a razão porque falta comida na mesa de muitos afro-brasileiros e sobra na mesa de muitos descendentes de europeus.

A Igreja Metodista no Brasil, hoje pode seguir o conselho de Wesley a Wilbeforce, e se opor as conseqüências da "execrável vilania" que ainda se abate sobre os afro-brasileiros, olhando para a população negra a qual compõem a maioria pobre deste Brasil, relegada a periferia, as favelas, aos presídios e assim como Jesus dizer lhe: "Levanta-te e vem para o meio." Mc 3.3. A Igreja Metodista pode no poder do Espírito Santo, assim como Wilbeforce e Wilian Pit, anunciar a justiça e denunciar a injustiça que ainda viceja sobre os afro-brasileiros.

A igreja Metodista deve cumprir no Brasil o propósito pelo qual Deus levantou o Metodismo: reformar a nação, particularmente a igreja e espalhar a santidade bíblica sobre toda a terra.
A reforma da nação se dá por meio da transformação do individuo, mas também por meio de ações como a de Wilbeforce, que na arena política foi instrumento nas mãos de Deus para por em liberdade os cativos. A Igreja Metodista, precisa de uma re-forma, ou seja, voltar à forma do metodismo primitivo, onde os fundamentos de atos de piedade e de misericórdia fez surgir em solo inglês um povo comprometido com a santidade de coração e vida.

A santidade bíblica que Deus espera de nós não é outra senão essa: "que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo e que deixes livres os oprimidos, e despedaces todo o jugo? Porventura não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres abandonados; e, quando vires o nu, o cubras, e não te escondas do teu semelhante." (Is 58. 6,7)

Santidade que não contenha as ações acima citadas, não é santidade e sim alienação. Igreja que só tenha as coisas acima citada realizadas meramente na força politica, não é Igreja do Senhor, mas uma mera instituição que presta ao povo ação social, que da vida ao corpo, mas deixa o espírito caminhando rumo a morte.

Igreja que conjuga vida de piedade e de misericórdia é Igreja que realiza o acima esperado por Deus, sendo capaz de no poder do Espírito Santo, derrubar as estruturas de morte fisica e espiritual, como o Metodismo primitivo fez na Inglaterra nos dias de Wesley.

Mas, isso só ocorrerá em solo brasileiro, se como Povo chamado Metodista, parte do Corpo de Cristo no Brasil formos capazes de assumirmos nossa participação na Missão de Deus, dizendo convictamente: O Espírito do Senhor é sobre mim, Pois que me ungiu para evangelizar os pobres. Enviou-me a curar os quebrantados do coração, A pregar liberdade aos cativos, E restauração da vista aos cegos, A pôr em liberdade os oprimidos, A anunciar o ano aceitável do Senhor. (Lc 4. 18) E ai sim, negros, brancos e amarelos em baixo do poder do Espírito a uma só voz poderão cantar:

Oh! graça sublime do Senhor,
Perdido me achou;
Estando cego, me fez ver,
Da morte me salvou.

A graça me fez enfim temer,
E o meu temor levou;
Oh! Quão preciosa é para mim,
A hora em que me salvou.

Perigos mil atravessei!
E a graça me valeu;
Eu são e salvo agora irei,
Ao santo lar do céu.
Promessas deu-me o Salvador,
E nele eu posso crer;
É meu escudo e protetor,
Em todo o meu viver.

Oh! graça sublime do Senhor,
Perdido me achou;
Estando cego, me fez ver,
Da morte me salvou.

A graça me fez enfim temer,
E o meu temor levou;
Oh! Quão preciosa é para mim,
A hora em que me salvou.

Perigos mil atravessei!
E a graça me valeu;
Eu são e salvo agora irei,
Ao santo lar do céu.
Promessas deu-me o Salvador,
E nele eu posso crer;
É meu escudo e protetor,
Em todo o meu viver.


Pr. José do Egito. Igreja Metodista em Fátima do Sul - MS.

[1] BARBOSA, Jose Carlos. Adoro a Sabedoria de Deus, Itinerário de Jonh Wesley o Cavalheiro do senhor, p 70. Editora UNIMEP.

 

 

 


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