Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013
Terapia Edésio
No Encontro Nacional de Pastores (as), a psicóloga Janice Bicudo e o pastor Edésio de Oliveira Rocha, da 4ª Região, falam da saúde emocional no exercício do ministério
Rev. Edésio, no púlpito, dá seu testemunho após palestra da psicóloga Janice (sentada ao lado do Bispo Geoval).
Professora do Instituto de Psicanálise de Campinas e membro da Igreja Metodista Central dessa cidade, Janice começou sua palestra fazendo uma reflexão sobre o tema que motivou o Encontro Nacional de Pastores: "Reaviva o Dom". Reavivar, disse ela, é ressignificar, dar novo significado ao vivido. "Não mudamos os acontecimentos vividos, mas podemos dar novos significados, que mudam o sentido do que aconteceu".
Ela lembrou que não somos apenas seres biológicos. Recebemos influência de nosso psiquismo, somos movidos por desejos. "O desejo nasce da falta, da nossa incompletude humana. Ele é instalado já em nossos primeiros relacionamentos, ainda bebês", lembra Janice. Mas desejo que não é reconhecido tende a nos levar por caminhos que às vezes não esperamos, alerta a psicóloga. Quando nossos desejos estão desnorteados, vivemos a impossibilidade da espera. "Acabamos escolhendo qualquer coisa que nos traga satisfação imediata; essa é uma característica da sociedade contemporânea".
Segundo a psicóloga, as pessoas muitas vezes agem como Esaú, que não agüentou esperar e trocou a sua primogenitura por um prato preparado pelo irmão Jacó. Esse tipo de comportamento tem afetado diretamente o relacionamento familiar, desafiando os pastores e pastoras no seu trabalho de orientação cristã. "É necessário ensinar as pessoas, desde crianças, a lidar com frustrações e perdas. Não podemos ir atrás de nossos impulsos sem levar em conta o outro. Crianças são confundidas com adultos, colocadas no centro da família, num lugar que não lhes pertence e não faz bem a elas. Projetamos nelas o que não podemos ser e idealizamos os relacionamentos". Essa idealização, explicou a psicóloga, pode ser direcionada aos filhos ou aos cônjuges, que recebem a tarefa de suprir lacunas impossíveis de serem preenchidas, a não ser pela Graça do próprio Deus. "Nossa existência enquanto seres humanos é sempre precária.. Não somos completos, por isso precisamos da Graça de Deus".
Se a própria família pode ser alvo de idealização, o que não dizer da família pastoral? Para a comunidade, explicou a psicóloga, o sacerdote é aquele que tem a "custódia" do sagrado. Muitas pessoas acreditam que ele está "mais próximo de Deus".
Assim, um problema que atinja a família pastoral tende a causar insegurança em toda a comunidade, a partir do equivocado raciocínio: "Se aquele que estava mais perto de Deus foi atingido dessa forma, não foi protegido, imagina nós!".
Essa idealização, afirmou ela, pode provocar danos irreparáveis à família pastoral. "Pastor e pastora vivem a proximidade e o contato diário com o transcendente, com o Absoluto. Mas vivem também no mundo profano. Têm necessidades financeiras, sexuais, precisam pagar impostos, votar, educar filhos... Lidam com os dois mundos: o concreto e o transcendente. Esses dois mundos podem se chocar e se contradizer; é necessário integrá-los. Diante dessa dicotomia, corre-se o risco de se tentar encobrir a própria humanidade com o discurso religioso", alerta Janice. "A Graça de Deus não é para encobrir a falta, mas para nos sustentar diante da falta".
O pastor Edésio de Oliveira Rocha, da 4ª Região, confirmou as palavras da psicóloga Janice Bicado a partir de seu próprio testemunho. "Minha esposa foi diagnosticada com transtorno bipolar misto. Sentimos temor e falta de coragem de assumir diante da Igreja que a esposa do pastor tinha doença de fundo emocional", conta o pastor. Ele diz que a esposa do pastor é a pessoa mais sacrificada da Igreja e os filhos são os mais incompreendidos. "Cobra-se da família determinados papéis, o que é reforçado pela própria postura pastoral". Segundo Edésio, a família pastoral somente será meio de graça quando cada membro tiver liberdade para exercer o seu ministério sem imposição ou cobrança. "Nós também alimentamos essa ilusão e preferimos representar, viver o mito da família perfeita, da família modelo. Essa disfunção tem adoecido a família pastoral. Ficamos constrangidos em demonstrar a nossa humanidade, revelar nossas enfermidades e até nossas extroversões. O que se espera é algo sobre-humano".
Mas, o que fazer quando algum membro da família sofre transtornos emocionais? Resposta óbvia, disse o pastor: orar e jejuar, ter fé, acolher. Tudo isso é necessário, mas não dispensa o tratamento especializado. "Terapia é meio de graça", afirmou o Rev.Edésio. "Não somos deus em miniatura. Precisamos nos humanizar. Reconhecer que não temos resposta para tudo, nem resposta para todos. Isso é ser humano. Precisamos reconhecer nossos limites ao nos colocarmos frente aos ?amigos de Jó?".
O Rev. Edésio lançou, então, uma pergunta à platéia: "A Igreja gosta do perfil do pastor que faz tudo?" E ele mesmo respondeu: "Claro que gosta!" De maneira geral, a Igreja acha que tem ganhos com o pastor extremamente ativo, que toma todas as responsabilidades sobre si. Mas também há perdas. "A Igreja pode se tornar dependente, imatura, infantilizada". "Nos primeiros anos do ministério, eu não tinha limite e não sabia colocar limites na igreja. Trabalhava 12, 14, 18 horas diárias. Mas fui confrontado com a necessidade de cuidar das minhas emoções. Meus condicionamentos e preconceitos, minha ignorância, não haviam me permitido ouvir o que era óbvio. Demorei quase uma década e meia para começar a ouvir os meus fantasmas".
Pessoas que nunca falam de suas frustrações têm chance mínima de obter alívio, alertou o pastor, que deixou um conselho pessoal aos pastores e pastoras que o ouviam: "Nunca se isole. Não tenha medo de dar nome a seus fantasmas. Mas não fale com todo mundo. Nem sempre os bispos, a bispa, ou os SDs são as melhores pessoas para nos ouvir. Quero encorajar vocês a desenvolver alguns amigos de jugo, que possam escutá-los e não acusá-los. Quero desafiá-los a buscar ajuda. No Getsêmani, Jesus desabafou com três amigos. Ele teve coragem." Lembrando que não há crescimento sem dor, o Rev. Edésio Rocha também desafiou os colegas a buscarem atendimento terapêutico. "Terapia não é gasto, mas investimento, para quem reconhece necessidade de ajuda. Terapia é auto-conhecimento, é tarefa para a vida inteira".