Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013

sergio marcus

"O hinário evangélico precisa ser revisto"

As opiniões do pastor e compositor Sérgio Marcus Pinto Lopes

 

Havendo servido à Igreja Metodista desde sua ordenação ao diaconato na Igreja Metodista, em 1958, o pastor e professor Sérgio Marcus Pinto Lopes encontra-se agora aposentado. Vinculado à 4ª RE, ele já ocupou várias posições na Igreja: pastor de igrejas locais, co-criador das revistas da Escola Dominical, redator do Expositor Cristão, Reitor do Instituto Granbery e, mais recentemente, Vice-Reitor Acadêmico da UNIMEP. Paralelamente a estas atividades ligadas ao ministério pastoral e educacional, no entanto, desenvolveu uma atuação na música na Igreja que o tornou bastante conhecido. O Expositor Cristão o entrevistou a respeito desta dimensão de seu trabalho.

 

Como foi que você primeiro se envolveu com a música na Igreja?

A primeira vez que tentei trabalhar com música foi quando escrevi uma letra para um cântico que aprendi na Índia, em 1961, e fiquei fascinado pelo ritmo em que ele fora elaborado. Era totalmente diferente dos hinos tradicionais do Salmos e Hinos e do Hinário Evangélico e me pareceu que seria capaz de promover uma nova forma de se cantar na Igreja, mais ritmada, mais próxima do estilo brasileiro e mais distante do formato norte-americano. Nesta época escrevi também um hino para ser cantado em um Congresso Regional dos jovens, realizado em Manhuaçu, "Avante, mocidade." Eram músicas para serem acompanhadas ao violão, num tempo em que entrar com este instrumento na igreja parecia, para muitos pastores e congregações, totalmente inaceitável! A juventude hoje não consegue nem imaginar que isto fosse possível!

 

Você produziu muitos hinos e cânticos?

Em termos de melodia alguns poucos. Os mais conhecidos foram "Não dá p?ra dividir" e "Nossa esperança", que chegaram a ser publicados em hinários, muito cantados e gravados. O primeiro deles, um samba, se inseriu em um movimento que contou com o incentivo da antiga Junta Geral de Educação Cristã. A gente queria buscar ritmos brasileiros ou latino-americanos, numa tentativa de superar a marcação quadrada e musicalmente complicada que os missionários nos haviam legado. Foi um movimento intenso, com a realização de festivais em várias partes do país, em que grupos de jovens, tocando instrumentos populares, procuravam uma renovação musical na Igreja.

 

E em termos de letras?

Como não sou músico, minha maior contribuição foi aí, no campo das letras. Entre estas cito canções sobre o respeito aos direitos das crianças e aos adolescentes, como "Tempo Maior de Esperança" e a "Ciranda para o Movimento dos Meninos e Meninas de Rua". Algumas poesias criei-as eu mesmo, especialmente para alguns hinos do Hinário Evangélico. Exemplo disso foi uma letra para ser cantada com a música do hino 422, "Erga-se o estandarte". Experimentei também traduzir cânticos produzidos em outros países da América Latina, tal como "Quando se abate a esperança". Minha grande preocupação ao produzir ou adaptar letras produzidas fora daqui era a de torná-las vinculadas a uma preocupação que envolvesse a ação cristã na sociedade a favor da justiça ou destacasse o caráter plural, em termos de gênero, dos membros da Igreja. No primeiro hino, por exemplo, a poesia convocava a Igreja a que não se mantivesse muda perante as injustiças sociais. No segundo, que falava apenas na convocação do "irmão" à ação cristã, introduzi um estribilho que convocava também a "irmã" no esforço pela paz.

 

Você acha que as letras de nossos hinos refletem nossa realidade social?

Há poucos hinos que falam da missão concreta da Igreja. Falam da salvação da alma, mas esquecem o compromisso com o ser humano em sua concreticidade e com a mudança das estruturas econômicas, políticas, sociais. Poucos hinos refletem preocupação com o Reino de Deus, um conceito relevante para a ação transformadora da Igreja. Há apenas dois hinos no Hinário Evangélico (499 e 500) que tratam deste tema. A maioria dos hinos, por outro lado, é individualista, pouco comunitária, e gira ao redor do que é "meu" e não do que é "nosso". Por estas e muitas outras razões as letras deste Hinário carecem de uma profunda revisão e atualização. Ao tempo em que servi como Secretário Executivo do Conselho Geral, o órgão que antecedeu à COGEAM, sugeri e o Conselho constituiu uma Comissão do Novo Hinário para promover uma revisão do Hinário Evangélico. A proposta era primeiramente a de se manter a melodia dos hinos tradicionais, mas revisar ou substituir as letras. Entre estas estariam as que usam palavras desconhecidas hoje em dia, como por exemplo, "fragoso alcantil", "erros aleivosos", "albores ridentes".

 

E por que esta revisão não foi adiante?

 

Por três razões principais. Primeiro, porque não havia um consenso da parte dos membros do Conselho Geral a respeito da importância deste processo. Segundo, por causa da urgência das muitas outras tarefas que estavam em sua agenda. Terceiro, porque, com a mudança dos membros do Conselho e a alteração de sua Secretaria Executiva, o trabalho acabou sendo relegado a segundo plano e posteriormente ignorado.

 

Como você vê o panorama musical na Igreja hoje?

A ausência de uma diretriz da parte das lideranças nacionais em relação a esta questão e a penetração de influências vindas de outras igrejas pelo uso dos meios de comunicação criaram uma grave situação. Os grupos de louvor, que acabaram se instituindo em quase todas as igrejas, tocam e cantam músicas que provocam atitudes desvinculadas da mentalidade e proposta metodista. Usam uma terminologia muito mais identificada com figuras e idéias do Antigo que do Novo Testamento. Não propõem missão concreta, apenas uma espécie de evangelização espiritualizada. Dão ênfase ao apocalipsismo mais que à missão. A melodia é, em grande número de casos, pobre, repetitiva. O estilo "gospel" nada tem a ver com a cultura brasileira ou da América Latina. Reflete novamente a influência estrangeira, veiculada por redes de emissoras de rádio patrocinadas por empresas norte-americanas, cuja proposta é exatamente vender a música produzida nos Estados Unidos, como parte da indústria cultural. Como esta é muito forte, acabou por impor-se tanto em meio às congregações como nos grupos de jovens.

 

Como mudar essa situação?

Temos que ir beber nas nossas fontes históricas e desenvolver novos seminários de produção musical, em todas as regiões, especialmente com a mocidade, mas liderada por quem entende de música e teologia, para vincular adequadamente nossa riquíssima liturgia e nossa cultura brasileira e latino-americana. Neste sentido, a recente pesquisa e recuperação dos hinos de Carlos Wesley, patrocinada pela Faculdade de Teologia, é um exemplo singular do que se pode fazer e que precisa ser apoiado e desenvolvido.


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