Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013

semana dos povos indigenas 2008

Semana dos Povos Indígenas 2008

14 a 20 de Abril

POVOS INDÍGENAS EM ESPAÇOS URBANOS

Uma entrevista com Francelina Terena, de Dourados

Graciela Chamorro

Francelina da Silva Souza: Meu nome é Francelina da Silva Souza, tenho 38 anos, sou índia terena, da aldeia de Jaguapiru, (Município de Dourados), onde moram minha mãe, meu pai, meus seis irmãos e irmãs, sendo que um dos meus irmãos é adotado. Na aldeia de Buriti (Município de Sidrolândia MS) moram meus parentes maternos. Minha mãe veio dessa aldeia.

O ensino fundamental fiz na Escola da Missão Marechal Cândido Rondon, na aldeia. O segundo grau, magistério, fiz na Escola Menodora, na cidade de Dourados. Depois eu cursei Pedagogia no Centro Universitário de Dourados UFMS. Minha habilitação é para as séries iniciais, para as disciplinas pedagógicas do segundo grau e para supervisão. Fiz Pós-Graduação em Metodologia do Ensino Superior na Unigran, que é particular. Todos os meus estudos foram financiados pela minha família; só para a pós-gradução recebí uma ajuda da Funai.

Sempre trabalhei como professora das séries iniciais nas escolas indígenas na minha aldeia. A alfabetização fazia em português. Eu já não falo a língua terena. Meu pai e minha mãe também não falam mais e na escola onde eu trabalhava, Tengatu'i, iam terenas, guarani e kaiová, então não tinha jeito, tinha que ensinar em português. Eu sou professora concursada da rede municipal. Atualmente estou cedida para trabalhar na Gestão de Educação Escolar Indígena da SME de Dourados.

Eu sou católica, toda a minha família também é. Mas a maior parte das famílias terena é protestante na aldeia de Dourados. Religião terena a gente já não conheceu.

Eu moro na cidade, em Dourados, desde 2005, mas desde pequena freqüento a cidade, por causa da escola. A primeira vez que sai da aldeia senti um impacto. Na aldeia, todo mundo era indígena, não havia grandes diferenças entre a gente, a gente se sentia em casa! Na cidade, senti um choque. Me senti diferente, olhada. Não foi um ambiente agradável para mim, como na aldeia.

Tinha muita curiosidade... os colegas da escola queriam saber se a gente andava nu na aldeia. Eles moravam tão pertinho da aldeia e não sabiam nada sobre nós.

Depois o tempo foi passando e eu fui ficando mais à vontde e comecei a achar que essa curiosidade podia ser também interesse para conhecer e que, conhecendo a gente, os colegas podiam respeitar mais os povos indígenas.

Na universidade me senti bem melhor. As pessoas eram mais adultas e maduras e eu achei logo que essas se interessaram por mim.O grande desafio para mim na universidade foi acompanhar as aulas e acreditar que eu iria concluir o curso. Algumas matérias eram difícis e se eu faltava uma vez ficava por fora na seguinte aula. Mas o que mais me marcou e ficou quase que como uma ameaça para mim, foi quando um professor entrou na sala de aula no início do curso e disse que muitos entram na universidade mas poucos saim dela com o curso concluído. Eu achei que ele estava falando comigo, me excluindo, achei que eu não conseguiria concluir o curso. Foi complicado vencer isso. Foi difícil também combinar as aulas da Universidade com o trabalho. Eu já era professora,. Às vezes tinha formação aos sábados e não podia faltar... na mesma hora tinha aula na faculdade. Se eu faltasse ficaria perdida! Então sempre tinha que estar me explicando porque tinha faltado nos cursos de formação. Os organizadores não aceitavam minhas justificativas...

Na universidade sempre houve quem me apoiasse. Professores e professoras me davam prazo especial e me explicavam em particular a matéria que não tinha entendido. Também as colegas de curso me ajudavam.

Tudo o que eu estudei serviu como reflexão sobre minha realidade. Eu tinha que relacionar isso com meu trabalho e fui achando espaço na minha situação. Meu pensamento era desde um começo estudar para continuar trabalhando na aldeia como professora. Por isso sempre escolhi temas relacionados com a minha aldeia como trabalhos para universidade.

Sempre me afirmo como índia terena em qualquer lugar e faço questão de me juntar aos demais professores e professoras indígenas de Aquidauana e Campo Grande (que são também terena). Entre os e as colegas terena ninguém duvida que eu sou india. O problema é quando estou entre os professores e as professoras guarani, que duvidam de mim, especialmente por não falar mais a língua terena. Mas eu digo que sou terena porque cresci assim, numa família que diz ser terena e me fez sentir terena. Isso é muito importante. Eu não posso tirar de mim. Eu também tento ler sobre a cultura terena hoje em dia.

Na aldeia Jaguapiru (uma área da Reserva Indígena de Dourados) tem a casa do meu pai e da minha mãe, que também é minha casa. E é para lá que eu vou todas as vezes que tenho oportunidade.

Para mim é um pouco difícil morar na cidade. Eu vim morar na cidade porque casei com não-indígena e porque há uma lei que não permite que mulheres indígenas casadas com nãoindígenas morem na aldeia. Embora essa lei seja meio machista (homens indígenas casados com não-indígenas sim podem morar na aldeia), eu acho que eu não podia continuar morando na aldeia.

Acho que nem homem casado com não-indígena devia morar na aldeia, porque isso vai mudar todo o jeito da aldeia, vai descaracterizar a cultura. No caso da língua a gente já vê isso, português acaba se impondo e a língua indígena fica esquecida.

Eu tenho relação intensa com meus parentes e com minha aldeia. A gente se encontra muito. Mas eu vou mais lá do que eles veêm aqui. Eu trago muda da aldeia para a cidade, para plantar no meu quintal, trago frutas, mandioca, milho, batata, banana, mamão... Eu tenho mais um irmão no serviço público. Ele estudou Administração Rural na Unigran (particular) mas trabalha na biblioteca da UFGD, no Campus II . Embora o campus fique longe de casa, ele continua morando na aldeia. Também minha Marijani que está no 2° ano de Biologia na Universidade Estadual de MS (UEMS), mora na aldeia e vai todo dia para o campus.

Quanto à terra e a minha identidade ... eu sonhei que estava toda suja de terra, correndo na roça... sonhei que pulava das árvores com minhas irmãs e meus irmãos... sorria e brincava...

Então, lembrei-me muito do tempo quando era criança, quando ajudava meu pai na roça e vivia muito mais na terra.

VEJA TAMBÉM:

Últimas notícias da Missão Tapeporã nos seguintes jornais da região do MS: Diário MS, O Sentinela, Dourados, Opinião, entre outros publicado dia 17/04.

A Missão Metodista Tapeporã

O caderno de estudos da Semana dos Povos Indígenas

Indígena visita Colégio Americano e ensina criança montar arco e flecha.

A situação dos indígenas em Roraima.

 


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