Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013
Reflexão: O humanismo social de Calvino
No capítulo, O Trabalho, o Salário, o Comércio e o Banco*, que trata as questões do dinheiro, dos bens econômico, do trabalho e da sociedade, Biéler nos apresenta um Calvino que denuncia o perigo espiritual das riquezas, que só é justificado, para o sustento da vida de seu proprietário e de sua família, e também para suprir as necessidades da sociedade como um todo.
Ao se tratar de trabalho, ele não pode ser uma fonte de opressão para o homem, mas é o meio pelo qual Deus dá o sustento para a humanidade. Portanto, o homem que fugir a essa obediência voluntária a Deus, estará sujeito a ser desligado da obra de Deus tornando-se uma fonte de problemas, ansiedade, injustiça e opressão. Para que isso não ocorra, o homem deve dar uma pausa em sua própria atividade deixando-se possuir por Deus e se entregando ao comando de seu próprio trabalho. Daí a importância do repouso, dia de descanso. Entretanto, como o desemprego é um flagelo social que deve ser combatido, privar o homem de seu trabalho, como diz Calvino, é como se degolássemos.
Conquanto, escreve Calvino, recebemos o alimento das mãos de Deus, ele nos ordenou que trabalhássemos. O trabalho não é, pois, invalidado na condição humana aqui na terra. Sabemos que todos os artesãos e trabalhadores dependem de seu salário para viver... Visto que Deus dessarte faz depender sua vida do esforço de suas mãos, isto é, de seu trabalho, privá-los dos meios necessários a esse trabalho é como se os degolássemos.
Sobre a doutrina do trabalho, Calvino é considerado um inovador em relação aos seus predecessores que, faziam do trabalho um dever terreno, sem uma relação imediata com a fé e a vida espiritual. Claro, isso de acordo com as doutrinas cristãs medievais. A escolástica, por exemplo, contribuiu para esvaziar de todo o prestígio e de todo valor espiritual as atividades profissionais. Em contra partida, Calvino liga estreitamente o trabalho com a vida cristã, destacando que o evangelho faz do trabalho a participação do ser humano na obra de Deus.
Seguindo o pensamento do autor que o salário é como um dom de Deus, surgem então algumas perguntas: Qual é o valor ideal do salário para o homem? Se o salário é um dom de Deus, o porquê uns recebem um dom maior que outros? Para compreender o real significado espiritual do salário, é preciso levar em conta uma verdade fundamental do evangelho: o homem não tem direito a nenhuma remuneração da parte de Deus. Tudo quanto recebe é expressão da graça do Deus Salvador que, misericordiamente provê o sustento para a vida. Na sua bondade Deus não deixa de conceder o necessário ao seu povo. O salmo 23 em sua tradução original reafirma isso com mais veemência no versículo 1 que diz: Javé (é) meu pastor eu não sentirei falta.
No entanto, é preciso ter uma tomada de consciência espiritual com respeito ao salário através do domínio da fé. Como nem todas as pessoas são cristãs para compreender essa dimensão espiritual, o salário tem que ter um preço justo, e equivalente ao preço de mercado, ou ditado pelas autoridades pública. Uma vez que o mercado de trabalho esteja saturado, não é lícito reduzir o salário a ponto de privar o trabalhador de viver com os seus. Calvino contestou essa posição, onde muitos ricos beneficiam dos pobres, espreitam as ocasiões para cortar pela metade os seus salários. Como o pobre não tem onde empregar e precisa de seu trabalho, ele aceita essa imposição.
A contribuição de Calvino para a compreensão do sentido cristão do salário é de grande importância. Ele situa o problema no quadro bíblico, mostrando que o salário só pode ser entendido à luz do gratuito dom de Deus. Mas, isso não impede que o Estado exerça certo controle no mesmo, sendo garantido por acordos contratuais e em caso de opressão possa ser recorrido as autoridades.
Certamente é com respeito ao comércio do dinheiro que o pensamento econômico de Calvino é mais revolucionário. Biéler cita o Concílio de Nicéia em 775, que proibia o empréstimo a juros, claro, que a regra tinha lá as suas excessões, por exemplo, todo aquele que dava de empréstimo era autorizado a exigeir uma indenização caso sofresse danos reais.
Os primeiros reformadores condenavam o uso dos juros, fiéis a tradição da Idade Média, mas admitiam as excessões. Lutero, por exemplo, rebate a idéia dizendo que mais que o juro em si, são as taxas elevadas que devem ser consideradas usura. Por outro lado, Calvino, liberto pela fé de todas as tradições, aborda a questão em uma perspectiva bíblica, considerando ato de avareza a aplicação para fins de lucro de um empréstimo que é solicitado para socorrer alguém. Em se tratando de taza de juro, importa que o Estado estabeleça certas normas para que haja um ordem no âmbito social. Portanto, no pensamento de Calvino, o comércio do dinheiro, deve ser facilitado na medida que é necessário para o desenvolvimento da indútria e do comércio, mas com limites sadios evitando que a vida da sociedade seja perturbada pelos excessos de avareza.
Na concepção de Calvino sobre a vida econômica, ele buscava o equilibrio social de um lado, sempre renovado pelos bens e direitos da pessoa; do outro o respeito das necessidades do conjunto social. Seu pensamento sobre o econômico e social, abriga um tempo de preocupação pela pessoa e pela sociedade. Para Calvino, não se deve buscar os bens materiais por cobiça. Se a pessoa vive na pobreza, que suporte-a com paciência. Por outro lado, se a pessoa é tida como rica, que não venha se prender nas riquezas. Segundo Calvino é preciso trabalhar honestamente para ganhar a vida, pois, o sustento vem de Deus. E por último, quem nada possui que não deixe de render graças a Deus pelo pão de cada dia. Mas é necessário ter em mente os ensinamentos de Jesus que deu-se por nós em morte de cruz. Ou seja, é preciso comunicar ao próximo com alegria, amor, e com as graças que se recebe de Deus, ela possa ser repartida com aqueles que nada tem.
Pr. José Geraldo Magalhães Júnior
*BIELER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. São Paulo: Oikoumene, 1970.