Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013

raposa serra do sol adital

14.05.08 - BRASIL
Brasil - Memorial Terra Indígena Raposa Serra do Sol

INTRODUÇÃO

A TI Raposa Serra do Sol é habitat de 18.992 (dezoito mil novecentos e noventa e dois) indígenas que vivem conforme sua organização social, usos, costumes e tradições em 194 comunidades dos povos Macuxi, Taurepang, Patamona, Ingaricó e Wapichana, que, através do Decreto Presidencial de 15 de abril de 2005, tiveram o reconhecimento formal de seus direitos originários e imprescritíveis a posse permanente, e usufruto exclusivo sobre os recursos naturais ali existentes, conforme reza a Constituição Federal de 1988.

O procedimento de demarcação da TI RSS obedeceu todo parâmetro legal estabelecido por nossa Constituição Federal. Cumprindo o dever constitucional, a União iniciou o processo de regularização na década de setenta (1977), concluindo o relatório de identificação da terra em 1992. Mesmo identificada, as invasões se intensificaram com a chegada dos rizicultores, que compraram as ocupações de pequenos sitiantes, cercando áreas imensas que incluíram lagoas, igarapés, matas nativas e margens dos principais rios no interior da terra indígena. A partir daí, o acesso das comunidades indígenas à utilização de seus caminhos e usufruto de recursos naturais de seu território passou a ser impedido.

Do Reconhecimento formal da TI e litígios existentes

Em 1998 o Ministério da Justiça editou a Portaria nº 820/98 que declarou a posse permanente da terra aos povos indígenas da RSS. Nessa época, o Estado de Roraima e os rizicultores impetraram Mandado de Segurança contra o ato administrativo do Ministro da Justiça. Todas as ações foram julgadas improcedentes pelo STJ, embasadas em jurisprudências do Supremo Tribunal Federal.

Em 2004, com o anuncio da homologação por parte do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, diversas ações possessórias e ações populares, voltaram a questionar a demarcação da RSS na Justiça Federal. Todas essas ações apresentavam argumentos que confrontavam o interesse do Estado de Roraima e da União Federal. Uma porque não aceitam reconhecer a terra Raposa Serra do Sol como terra tradicional indígena, outra porque insistem em colocar a culpa da falta de uma política pública de desenvolvimento econômico para o Estado nos povos indígenas, alegando que a demarcação da terra indígena inviabilizaria a economia do Estado. Tais argumentos foram suficientes para que o STF entendesse haver conflitos de interesse entre o Estado de Roraima e a União Federal, sendo competência desse Egrégio Tribunal julgar e processar a matéria questionada.

Com base nos princípios constitucionais, o STF por maioria, julgou procedente a Reclamação 3331 proposta pelo MPF.

Em 2005, por Decreto Presidencial de Homologação, a demarcação da terra indígena RSS determinada pela Portaria 534 de 2005, do Ministério da Justiça, foi ratificada. Essa portaria ministerial também instituiu o prazo de 01 (um) ano para a desintrusão total dos ocupantes não-índios da Raposa Serra do Sol (RSS), prazo este não cumprido.

Passados 3 (três) anos, os não-índios continuam na área e, para assim permanecerem, instigam e provocam reações violentas contra os indígenas e suas comunidades.

DA NECESSIDADE DE IMPLEMENTAR O DECRETO DE HOMOLOGAÇÃO

A situação da Raposa Serra do Sol arrasta-se por mais de 30 anos. Mesmo tendo sido homologada em 15 de abril de 2005, o sofrimento dos povos indígenas continua: casas e pontes queimadas, escolas destruídas, ameaças, devastação ambiental e um ambiente de insegurança diante da presença dos invasores.
A resistência ao cumprimento do decreto de homologação é um afronta ao Estado Brasileiro que durante três anos tentou de todas as maneiras possíveis um acordo para a solução do impasse, oportunizando inclusive, o direito ao contraditório a todos os envolvidos, especialmente aos arrozeiros.
Todas as vezes que o Governo Federal anunciou ações que não foram seguidas de medidas concretas, os povos indígenas da RSS foram vitimados pela reação severa daqueles que se opõem aos direitos territoriais indígenas e  que continuam impunes. Somente a partir de abril de 2006 a Fundação Nacional do Índio - FUNAI iniciou a convocação dos não-índios para o recebimento de indenizações, que sanearia o processo administrativo para exigir a retirada de tais ocupantes da RSS.
O Direito a terra, integridade física e vida na RSS se vêem continuamente ameaçados, por diferentes causas: ameaças e violências impetradas contra as comunidades indígenas, seus membros e instituições; danos ambientais; invasões e intrusões ilegais para extração de madeira, a mineração e a agricultura, ou para assentamentos de núcleos não-indígenas.  Juntem-se a isto os ataques judiciais e políticos que levam à instabilidade dos direitos indígenas já estabelecidos ou do seu processo de consolidação.
Cada adiamento - seja de ordem administrativa ou judicial -  das providências necessárias para implementar o Decreto Presidencial e assim fazer valer os direitos indígenas, fortalece a oposição dentro da RSS, colocando em risco o Estado Democrático de Direito.

DAS CONSEQUÊNCIAS DA PERMANÊNCIA DOS OCUPANTES NÃO INDIOS NO INTERIOR DA TERRA INDÍGENA

Desde 2001 a Funai vem realizando o levantamento das indenizações por benfeitorias a serem pagas aos ocupantes não índios. Diante de tal procedimento administrativo, a maioria desses ocupantes tem saído da terra para assentamentos do Incra. No entanto, um pequeno grupo de grande poder econômico tem resistido de maneira intransigente e violenta quanto às suas saídas da área.
 No dia 26 de março de 2008 deu-se início à Operação UPATAKON 3, organizada pelo Governo Federal, visando a retirada dos invasores da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. O anuncio concreto de operação na RSS causou grande alegria e esperança aos 18.992 (dezoito mil novecentos e noventa e dois) indígenas que lá vivem. A esperada e devida retirada dos poucos, porém ofensivos, ocupantes ilegais que resistem em sair da RSS significaria não apenas a garantia dos direitos territoriais constitucionalmente garantidos aos povos indígenas, mas também a possibilidade de se re-instaurar o respeito à vida, culturas e organização social indígena rumo ao estabelecimento da segurança e da paz na àrea. Acreditou-se que, finalmente, a JUSTIÇA seria feita e que as humilhações e sofrimentos indígenas teriam fim.
Por ironia ou grave desentendimento, "segurança e paz" foram usadas como artifícios para suspender a operação de desintrusão na RSS. Mais uma vez os povos indígenas ficaram a mercê da Justiça. Cumpre lembrar que a violência e insegurança que se instaurou na RSS foi planejada e incentivada pelos próprios ocupantes ilegais e seus apoiadores, com o evidente intuito de suspender a ação do Governo Federal no cumprimento de seu mandato constitucional.             
A garantia da paz e segurança em Roraima inexiste se não considera a proteção dos 18.992 indígenas da RSS, tal garantia deve necessariamente passar pela conclusão da retirada dos ocupantes ilegais que incitam e provocam a violência na área.
A resistência armada para impedir a extrusão já havia sido anunciada nos diversos meios de comunicação local e nacional. Cumprindo tal ameaça, o então Presidente da Associação dos Arrozeiros do Estado de Roraima, Paulo César Quartiero, patrocinou verdadeira guerrilha com atos de violências contra os índios e suas lideranças; destruiu patrimônios da união; e promoveu o bloqueio de estradas com tratores e pneus, o incêndio de pontes e a agressão de pessoas.
Criou-se assim o clima de instabilidade e insegurança: não-índios portando armas de fogo e bombas transitavam livremente aterrorizando e ameaçando os indígenas, tratava-se de um exercício para medir forças com a Policia Federal que chegava a Roraima.
Atos de desobediência civil foram cometidos e incentivados sob o discurso discriminatório de que o reconhecimento dos direitos dos índios da Raposa Serra do Sol é sinônimo de agressão à soberania nacional e de prejuízo à economia do Estado. O intuito era transformar a causa particular dos rizicultores em "ato de Estado" quando, na verdade, existia apenas tentativa desesperada e já descontrolada de defender os interesses privados de quem invadiu e ocupou de maneira ilegal a terra alheia.    
O Estado de Roraima adota uma postura preconceituosa em relação aos indígenas ao tratar-nos como entrave ao desenvolvimento econômico do Estado. Em suas argumentações, o Estado de Roraima apresenta dados distorcidos sobre a TI para fazer parecer aos olhos do STF tratar-se apenas de uma discussão em torno de percentagens de terras disponíveis e contribuições econômicas. Porém, oculta revelar quem realmente se beneficiaria com a permanência dos ocupantes ilegais na TIRSS, restando ao STF analisar o caso sob o devido prisma constitucional.
Também discriminatória e inconstitucional é a postura de alguns integrantes do Exército brasileiro que afirmam que os povos indígenas são uma ameaça à nação brasileira. O que coloca em risco à soberania nacional é a afirmação de que terras indígenas, como terras da União são consideradas como territórios perdidos. O argumento da demarcação de terras indígenas em área de fronteira constitui grande falácia a idéia de ameaça à soberania nacional, uma vez que os próprios povos indígenas foram e ainda são os garantes desta mesma soberania. Basta olhar atentamente o processo de colonização da Amazônia Brasileira cujos povos indígenas foram as "muralhas" entre as nações vizinhas.
Os princípios constitucionais da soberania e as garantias indígenas são perfeitamente conciliáveis. Não há risco ou barreiras do exercício dos serviços essenciais das Forças Armadas em terras indígenas.

DA PREVISAO LEGAL PARA PROTEÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS

Trata-se de caso que coloca em risco a Carta Magna brasileira e o direito dos povos indígenas no Brasil à posse permanente e exclusiva das terras tradicionalmente ocupadas. Esse é um direito indisponível.
A previsão constitucional da posse indígena visa a proteger os povos indígenas, suas vidas, culturas e formas de organização social e, portanto, terras indígenas não podem ser fracionadas. Ressalte-se o fato de que a situação na RSS guarda caráter emblemático para a verificação do referido direito constitucional em todo o país.
Portanto, a disputa que ora se coloca é do Estado de direito com respeito aos povos indígenas, suas terras e culturas versus o interesse particular de rizicultores e políticos que levantam o frágil e egoísta argumento do "apenas 1%" de uma terra que gera lucros. Nessa matemática, falta considerar os danos ambientais e os prejuízos sociais e culturais já causados (e com ameaça progressiva de expansão) devido à contínua permanência desses ocupantes ilegais na RSS. Na  totalidade da terra tradicional é imprescindível  computar o inestimável valor social, espiritual e econômico da RSS . O caráter constitucional do direito territorial dos povos indígenas afasta qualquer possibilidade de se discutir em tom de negociata o referido direito dos povos indígenas da RSS.
Nesse sentido, o Egrégio Tribunal já havia ponderado em 04 de junho 2007 que, no âmbito do mandado de segurança, os rizicultores careciam de direito líquido e certo para pleitear a permanência na RSS.
Ao que pese Roraima estar contemplada com 46% de seu território por terras indígenas, tal fato não altera o direito à terra dos povos indígenas quanto menos sua imprescritibilidade e indisponibilidade. Cabendo à unidade federativa fazer valer e respeitar o preceito constitucional, trabalhando de acordo com a realidade local (Roraima é um estado de grande proporção de população indígena) e não contra ela.
O Estado de Roraima tentou passar a idéia de que os rizicultores e sua atividade são fundamentais para sua economia. Pergunta-se como poderia ser a contribuição dos rizicultores se eles estão isentos de tributos até 2018, conforme a Lei estadual nº 215/98?

O artigo 1º da referida lei dispõe:

Art.1º Os produtores vinculados às cooperativas e associações agropecuárias localizadas no Estado, bem como os participantes do Projeto Integrado de Exploração Agropecuária e Agro-Industrial do Estado de Roraima, a ser executado pela Frente de Desenvolvimento Rural, ficarão isentos dos tributos de competência deste Estado, até o exercício de 2018. (grifei)

O Estado de Roraima nada ganha com os rizicultores.
Grupos cooptados de índios, que são minorias, tentam transmitir a idéia de uma falsa realidade que haja uma divisão. Contudo, vale destacar que das 194 comunidades são favoráveis a demarcação em área contínua.
Com a decisão do  Supremo Tribunal Federal , em 09 de abril de 2008, que suspendeu a operação UPATAKON 3, favorece a continuidade da violência contra os índios da Raposa Serra do Sol.

O STF COMO GARANTE DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS

A TI Raposa Serra do Sol é um caso paradigmático no Brasil, em razão da histórica luta dos referidos povos indígenas por seus direitos fundamentais a partir do direito existencial à TERRA. Neste momento, cabe ao Supremo Tribunal Federal exercer seu papel fundamental de garantidor da Carta Magna e confirmar os direitos constitucionais destinados aos povos indígenas reconhecidos na Constituição Federal de 1988.

As ações judiciais em trâmite no STF devem garantir os direitos constitucionais dos povos indígenas e confirmar a TI Raposa Serra do Sol como terra tradicionalmente dos povos Ingariko, Macuxi, Taurepang, Patamona e Wapichana, e conseqüentemente os efeitos jurídicos decorrente do Decreto Presidencial de Homologação, pelas seguintes razões:

1. A Constituição Federal garantiu os direitos originários e a imprescritibilidade às terras tradicionalmente ocupadas pelos índios -  O direito às terras indígenas é originário e, portanto, antecedente às ocupações não-indígenas. O poder público tem o dever constitucional de demarcar e proteger as terras identificadas em procedimento administrativo e, para tanto, por força do § 6º do artigo 231 da CF, considerar nulos todos e quaisquer atos tendentes ao domínio, à ocupação e à posse dessas terras ou dos recursos naturais nelas existentes por terceiros,  ressalvado o direito à indenização por benfeitorias de boa-fé.
Portanto, conceder liminar ou qualquer outra segurança jurídica aos ocupantes não-índios de terras indígenas  é incompatível com o regime constitucional que assegura aos indígenas a posse permanente e usufruto exclusivo das terras que tradicionalmente ocupam (CF, art 231).

2. Não restam dúvidas que as áreas ocupadas pelos rizicultores estão em terras tradicionalmente indígenas - os povos indígenas da TI Raposa Serra do Sol nunca se desligaram de suas terras - ainda que impedidos de circular livremente por elas em razão de limites artificiais impostos pelos fazendeiros invasores - mas, pelo contrário, há mais de 30 anos expressam seu anseio em ver tais áreas protegidas, livres de invasores e de ameaças ao meio ambiente . É certo que foi sempre mais fácil ao explorador, ao grileiro, obter em algum cartório do nosso imenso território a titulação de terras, as quais sequer conheciam ou muito menos tinham a posse e que eram, na verdade, ocupadas pelas comunidades indígenas.
A permanência dos não índios na terra indígena Raposa Serra do Sol viola o direito constitucional dos índios à posse exclusiva e permanente de suas terras. Além dos danos ambientais e das interferências sociais e culturais já causadas,; a permanência e a atividade dessas fazendas de arroz dentro da TI incentivará outras ocupações ilegais da terra indígena.
 Nos últimos 10 anos o tamanho das plantações de arroz dentro da TI RSS cresceu 7 vezes como demonstra as fotos satélites anexas do estudo do INPA.

3. O procedimento demarcatório da TI Raposa Serra do Sol obedeceu a todos os parâmetros legais existentes - Compete à União Federal demarcar terras indígenas, trata-se de obrigação  constitucional estabelecida no artigo 231 da CF/88.
A Terra Indígena Raposa Serra do Sol seguiu todo rito legal, obedecendo ao direito do contraditório estendido a todos interessados na área quando identificada. O decreto homologatório de 2005 seguiu os ritos do devido processo na esfera administrativa e estabeleceu o prazo de um ano para a desocupação da área. A FUNAI publicou no Diário Oficial da União a convocação de todos os não-índios para o recebimento das benfeitorias cabíveis e notificou pessoalmente os rizicultores do prazo para suas saídas da terra indígena demarcada a fim de fazer cumprir os direitos indígenas afirmados na Carta Magna.
4. Da nulidade dos títulos incidentes em terras indígenas -impossibilidade de retenção por benfeitorias em terra indígena - A jurisprudência atual tem afirmado a nulidade dos títulos que tenham por objeto o domínio ou posse de terras indígenas, em face do que dispõe o artigo 231 da Constituição Federal de 1988, reconhecendo, destarte, os direitos originários dos índios às terras que tradicionalmente ocupam.

A TIRSS é bem da União com posse permanente e usufruto exclusivo indígena. A discussão que gera em torno desta questão é constitucional, portanto, sendo terra pública não que se falar em direito de retenção, uma vez que a própria Constituição prevê a desocupação imediata.
Assim,  os povos indígenas da Raposa Serra do Sol trazem a este Supremo Tribunal Federal suas preocupações e afirmam que:

· As ações judiciais em tramite no STF devem ser para que os povos indígenas da Raposa Serra do Sol possam exercer seus direitos constitucionais;
· O Decreto Presidencial que homologou a demarcação da TI Raposa Serra do Sol  cumpre com o dever constitucional da União Federal em garantir a sobrevivência física e cultural dos povos indígenas;
· A TI Raposa Serra do Sol é de usufruto exclusivo indígena, sendo fundamental que as terras exploradas e ocupadas por não índios sejam reintegres às comunidades indígenas.

As lideranças indígenas da Raposa Serra do Sol

CIR

* Conselho Indígena de Roraima


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