Publicado por José Geraldo Magalhães em Social, Geral, Pastoral do Combate ao Racismo - 18/11/2013
Racismo: Abrindo os olhos para ver e o coração para acolher
Novembro é mês da Consciência Negra, mês que atinge seu ápice no dia 20, data em que o povo brasileiro, sobretudo, os afrodescendentes rememoram os feitos e morte de Zumbi dos Palmares. Neste, 2013, a data se reveste de maior significado, pois também no corrente ano se comemora dez anos da assinatura da Lei 10.639/03. Tal Lei sancionada em 9 de janeiro de 2003, pelo então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, “inclui no currículo dos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, a obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira e determina que o conteúdo programático incluirá o estudo da História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil, além de instituir, no calendário escolar, o dia 20 de novembro como data comemorativa do “Dia da Consciência Negra”. Leia mais em: http://www.planalto.gov.br/.
Aproveitando o mês e a data quero trazer uma reflexão sobre Metodismo e Combate ao racismo.
Há dois anos ao ser convidado para estar na coordenação do MRCPR - Ministério Regional de Combate ao Preconceito Racial, por meu Bispo, Adonias Pereira Do Lago, confesso que fui tomado por certo medo, e alguns meses a frente do ministério me frustrei e quase abandonei. Mas aprendi com Wesley a olhar para fora e buscando honrar o que Deus me colocou no coração fiz do mundo minha paróquia. E ao findar um biênio a frente do ministério regional eu sou grato a Deus pelas orações e apoio de amigos e instituições que me possibilitaram algumas ações.
O Colégio Episcopal da Igreja Metodista lançou em 2011 a Carta Pastoral: “Racismo: Abrindo os Olhos para ver e o coração para acolher”. O Documento foi celebrado por diversas organizações envolvidas na temática étnico-racial. Todavia, mesmo existindo um Documento Nacional que oriente as comunidades locais sobre as ações no enfrentamento do racismo o assunto é pouco abordado e a tal carta é praticamente desconhecida da grande maioria dos metodistas brasileiros. É fato que, RACISMO é assunto espinhoso e a maioria dos cristãos não quer abordá-lo, assim sendo, apesar do documento orientador, o espaço para falar sobre ele dentro da IM, e das demais igrejas evangélico/protestante é quase inexistente. A impressão que a cada dia se reforça como realidade é de que para muitos pastores e leigos metodistas, tal temática não é importante, e logo não mais será abordada. Bate-me um desanimo e tristeza profunda quando ouço falar ou leio artigos relatando que em outras Regiões metodistas, ministérios voltados para o trato de tal temática estão sendo descontinuados. Os motivos, segundo o que corre por ai, é que tal ministério não mais se encaixa dentro da atual proposta nacional de discipulado. E também pela dificuldade em encontrar pessoas dispostas a coordenar um ministério que traz um assunto que incomoda o povo brasileiro, o racismo. Talvez você seja uma das pessoas que acredita não ser papel da Igreja Metodista se envolver no combate ao preconceito étnico/racial. Apresento três motivos pelos quais respeitosamente discordo de sua posição e com base nos quais creio que ela deve se envolver.
Primeiro. Ela deve se envolver, pelo fato de que se opor a toda forma de opressão e injustiça social sempre foi característica do Metodismo. A respeito disso declarou John Wesley: "A excelência da sociedade para a Reforma dos costumes é... primeiro, mover campanha aberta contra toda a impiedade e injustiça, que cobrem a terra como num dilúvio, e isto é um dos meios mais nobres de confessar a Cristo."
Segundo. Ela deve se envolver, pela razão de que faz parte da Missão de Deus, da qual ela participa o fazer discípulos e discípulas. E tal incumbência deve ser realizada com equilíbrio, sem cair na alienação de ser uma "igreja espiritual" que só fala do celeste porvir, ou na tentação de existir como uma "igreja politicamente assistencialista" que só se envolve com questões sociais sem se preocupar com a redenção plena do indivíduo. Alertando contra tais extremos, John Wesley assevera: "Todo projeto para refazer a sociedade, que não se importa com a redenção do indivíduo, é inconcebível... E toda doutrina para salvar os pecadores, que não tem o propósito de transformá-la em guardiã contra o pecado social é inconcebível".
Terceiro. Ela deve se envolver, por ser ramo da Igreja Cristã, a qual legitimou teologicamente a escravidão negra, a partir das Escrituras, Genesis 09, cabe a Igreja na atualidade desconstruir o mal que ainda resta do que ajudou a construir. Sobre o combate a escravidão John Wesley escreveu uma carta ao parlamentar cristão Wiilliam Wilberforce. Na data de 23 de fevereiro de 1791, pouco antes de sua morte. João Wesley havia lido um Livro de Gustavus Vasa sobre um antigo escravo de Barbados, o que lhe tocou muito, levando-o a escrever uma palavra de encorajamento ao parlamentar recém-convertido. Wiilliam Wilberforce, havia tido um impactante encontro com Deus, e considerava abandonar a vida política e se entregar a uma vida de contemplação religiosa sem se envolver com as questões sociais. Como instrumento de Deus, Wesley o tocou, escrevendo assim:
“Caro senhor, a não ser que o poder divino o tenha alçado para ser um Atanásio contra mundum, não posso ver como poderá terminar Sua gloriosa empresa, opondo-se àquela execrável vilania, que é o escândalo da religião, da Inglaterra e da natureza humana. A não ser que Deus o tenha verdadeiramente erguido a essa obra, o senhor será consumido pela oposição dos homens e dos demônios. Mas se Deus for pelo senhor, quem lhe será contra? São eles todos juntos mais fortes que Deus? Não se canse de fazer o bem. Continue, em nome de Deus, e com a força do seu poder, até que a escravidão americana, a mais vil que já houve sob o sol, se desvaneça diante desse poder. Lendo esta manhã um tratado escrito por um homem africano, me impressionou muito a circunstância de o homem com a pele escura ser maltratado pelo homem branco e não ter o direito a reclamar justiça, uma vez que há uma lei em todas as nossas colônias afirmando que o juramento de um negro contra o de um branco de nada vale. Que vilania é essa! - Que Aquele que lhe tem guiado desde sua juventude continue fortalecendo-lhe nessa e em todas as coisas. Essa é a oração de seu afetuoso servidor, John Wesley”
Wiilliam Wilberforce continuou, passaram se dezessete anos, desde a carta escrita por Wesley, todavia, o parlamentar viu, não sem ferrenhas lutas e inúmeras derrotas, ser aprovado, seu projeto de lei contra o tráfico de escravos. E, em 1833, três dias antes de morrer, recebeu a notícia vinda do Parlamento, o qual aprovará seu projeto de lei abolindo a escravidão. Sabemos que, embora por motivos financeiros expansionistas, foi a partir da Inglaterra que a escravidão negra foi abolida em outros países, inclusive, no Brasil ultimo país nas Américas a fazê-lo. Se Metodistas se envolveram contra a escravidão negra, como pode hoje, alguém se dizendo bispo/a, pastor/a ou leigo/a metodista, não se envolver no combate aos resquícios dela? Resquícios, a exemplo do etnocídio que sofre os afrodescendentes. Veja a matéria abaixo:
"Dados divulgados pelo Ipea dão conta de que assassinatos se relacionam à cor, condição social e escolaridade. A pesquisa Participação, Democracia e Racismo?, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgada nesta quinta-feira apontou que, a cada três assassinatos no País, dois vitimam negros. Os dados foram apresentados pelo diretor Daniel Cerqueira, no lançamento da 4ª edição do Boletim de Análise Político-Institucional (Bapi). Segundo a pesquisa, a possibilidade de o negro ser vítima de homicídio no Brasil é maior inclusive em grupos com escolaridade e características socioeconômicas semelhantes. A chance de um adolescente negro ser assassinado é 3,7 vezes maior em comparação com os brancos. A pesquisa mostra ainda que negros são maiores vítimas de agressão por parte de polícia. A Pesquisa Nacional de Vitimização mostra que em 2009, 6,5% dos negros que sofreram uma agressão tiveram como agressores policiais ou seguranças privados (que muitas vezes são policiais trabalhando nos horários de folga), contra 3,7% dos brancos. Segundo Daniel Cerqueira, mais de 60 mil pessoas são assassinadas por ano no País e há um forte viés de cor e condição social nessas mortes: “Numa proporção 135% maior do que os não-negros. ““Enquanto a taxa de homicídios de negros é de 36,5 por 100 mil habitantes, no caso de brancos, a relação é de 15,5 por 100 mil habitantes”.” Leia mais em: em: http://negrobelchior.cartacapital.com.br
Um convite - Aos seres humanos, independente das cores de suas peles, que tiveram um Encontro com Deus e tiveram suas consciências cativas pelo Evangelho, e movidos por tal imperativo sabem que jamais deve um cristão, principalmente, um Metodista se calar frente aos males sociais, eu convido a um mês de reflexão sobre a Consciência Negra, a qual se faz necessária, pelo fato de que no passado não houve, e ainda hoje, por parte de muitos brancos ainda não há consciência humana. Se os brancos tivessem tido consciência da humanidade dos africanos no passado, não seria necessário no presente, um mês de Consciência Negra. Quando o sol da liberdade plenamente brilhar no horizonte brasileiro, fazendo seus raios resplandecerem sobre todo o povo brasileiro trazendo, a equidade, a justiça, então terá plena igualdade, e não mais será necessário Ministérios Regionais (ou Nacional) de Combate ao Preconceito Étnico/social, não mais será necessário dia ou mês da Consciência Negra. Até que isso ocorra, se silenciar sobre tal temática é pregar um meio evangelho, e meio evangelho, pode até encher igrejas, todavia, os templos estarão lotados, mas de pessoas vazias, vazias tanto dos valores do Reino, bem como da salvação.
O Racismo tem roubado, matado e destruído através dele o diabo tem ceifado sonhos e vidas. A Igreja quando apoiou teologicamente a escravidão serviu ao diabo, a Igreja hoje, ao se calar sobre os males do preconceito étnico/racial continuará a servir ao diabo. Jesus disse em João 10:10: "O ladrão não vem senão a roubar, a matar, e a destruir; eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância." - Cabe a Igreja escolher hoje se a Jesus de Nazaré, ou se ao ladrão, vai escolher seguir e servir.
E de saída, que ninguém me venha com o vídeo: "Morgan Freeman ensina o que é racismo de verdade em 40 segundos". Ano passado tal vídeo virou febre nas redes sociais, foi um prato cheio para quem ingora toda a história de luta contra o racismo que ocorreu nos EUA. Aplaudiram Freeman, até enviaram o vídeo ao meu perfil, ou via email. Há alguns respondi: “é fácil para ele, um negro famoso vivendo em um país onde o presidente é negro falar as besteiras que fala, depois do que Rosa Parks, Dr. Martin Luther King, Jr., e Malcolm X, e outros ativistas da luta pelos direitos civis dos negros fizeram. Prefiro o Morgam atuando nos filmes, (os quais tenho muitos) do que falando sobre racismo. Todavia, embora não conheço todo o contexto da fala dele, com base nos 40 segundo, parafraseio e amplio o que o jogador Romário certa vez disse a respeito do rei Pelé: “O Morgam falando sobre racismo, se ficar calado, é um excelente poeta. Com a boca aberta falando sobre o tema só agrada quem na opressão é peça do sistema, gente que aplaude o que ele diz, mas nem por “40 segundos pensa” sobre os 350 anos de escravidão e atuais 126 anos pós abolição e a exclusão social que ainda vivem os afrobrasileiro.”
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Acesse AQUI e assista uma entrevista sobre o tema:
Rev. José do Carmo da Silva – Mano Zé
Coordenador do Ministério Regional de Combate ao Preconceito Racial – 5ª RE.
Tags: racismo, pastoral, igreja-metodista
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