Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013
Quase uma oração.
Recebi em minha casa uma jovem argentina que veio conhecer o Rio de Janeiro. Entre passeios, museus, feiras e shows, fomos a algumas igrejas.
Após o culto vespertino de domingo, em uma "grande" Igreja Metodista, perguntei-lhe o que tinha achado. E ela, com sua postura crítica e cabal me respondeu: - "es una iglesia pentecostal; es un show, por supuesto!".
Sua resposta me constrangeu. Me calei. Um sentimento de perda de identidade e tristeza me veio. Minha amiga tinha razão: ela tinha assistido a um show gospel, segundo ela pentecostal, mesmo estando num templo metodista!
As coreografias, executadas por jovens com vestes bem costuradas e tecidos finos, voavam ao som da música e dos movimentos; bons músicos conduziam o louvor com instrumentos de excelente qualidade e altíssimo volume; imagens de "propaganda" eram projetadas no power point com as letras das músicas que apelavam para o emocional, para o deleite pessoal ("...me envolver em teus braços, sentir teu calor"; "restitui, eu quero de volta o que é meu..."), para a prosperidade e para a salvação da alma.
A pregação, baseada no Antigo Testamento, chamava à obediência aos nossos líderes espirituais, a travar batalhas contra o inimigo e a dar o dízimo.
A bem da verdade, foram três pregações: a primeira, do "levita do Senhor" que conduzia o louvor e prometia bênçãos para todos; a segunda, de um dos pastores, que conclamava o povo a dar o dízimo para ser abençoado e a última, chamava o povo a obedecer e a fazer parte do exército do Senhor!
Devo ter algum problema. Será que ainda não experimentei a Graça sobre minha vida? Não devo ser convertida?
Será que meu coração está blindado numa religiosidade tacanha, cristalizado numa visão antiga e tradicional que não consegue se modernizar e aceitar que a igreja precisa se adaptar aos tempos modernos e às exigências do mundo gospel e da fé mercantilizada e televisiva?
Logo eu que sou contemporânea, que vivo e caminho com o tempo, com o hoje, não dou conta de assimilar cultos animados e mensagens que individualizam a caminhada e a fé?
Não! Não dou conta de crer num evangelho alienado e voltado para o deleite pessoal. Não dou conta de pensar que Deus, que é amor, só dialoga comigo!
Ele dialoga com todas as pessoas e às vezes aparece travestido de "menino de rua", alucinado pela cola que lhe mata a fome e os neurônios. Aparece também como uma adolescente explorada sexualmente por sua família, que vende seu corpo em troca de pão...
Ah, Deus que se manifesta de diversas maneiras, faz seu povo abrir o coração. Faz seu povo sair de uma vida solitária para uma caminhada solidária.
Faz seu povo enxergar sem travas, a escravidão e a dor do próximo que se degladia contra as amarras impostas pelo sistema corrupto e segregador.
E que o culto oferecido a ti, Senhor, tanto na Igreja Pentecostal ou na Metodista, seja a expressão real de nosso coração, de nossa vivência e de nossa adoração genuína, e não uma repetição dos programas televisivos que oferecem a salvação em troca de bons e gordos dízimos, tal como se fazia na idade média...
Manifesta em nós, Senhor, teu sopro divinal, acessível a todos, e que, ao sentirmos este vento renovador, possamos segui-lo como fazem as crianças que correm atrás da banda, quando ela passa "tocando coisas de amor".
Que façamos parte, Senhor, do exército dos honestos, dos justos, dos retos, dos homens e mulheres cheios de esperança num mundo impregnado de paz e justiça e que vejamos a tua Graça, que nunca é observadora, se derramar sobre os políticos que nos enojam com sua prática mentirosa e clientelista; se derramar sobre os patrões que exploram seus empregados; sobre os adultos que violentam crianças, sobre os homens que batem em suas mulheres e sobre nós, que achamos que não somos deste mundo e assistimos a tudo calados, e num gesto estúpido e equivocado, temos tentado engarrafá-lo, transformando-o em instrumento de poder.
Deus, cura-nos de nosso egoísmo. Resgata, através de Jesus, nossa humanidade, para que possamos vivê-la de forma plena, tal como Ele viveu, e que sejamos anunciadores da libertação que há em ti.
Amém.
Rute Noemi - RJ
Advogada / Assistente Social
Cantora e compositora e contadora de histórias
