Para a maioria dos jovens, sucesso é ter um bom salário, casa própria e carro zero na garagem. Se a fama vier no pacote, ainda melhor. Para aqueles que decidem ser padres, monges ou pastores, contudo, nada disso parece ter real importância. Na contramão da sociedade de consumo, não hesitam em fazer renúncias em nome da sua vocação. Deixam de ir a baladas, comprar roupas caras e abrem mão da sexualidade, se necessário. Para Ricardo Mariano, professor de sociologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, os jovens que optam pela carreira religiosa fazem escolhas que implicam, sim, em grandes sacrifícios. Mas conquistam benefícios para sua auto-estima. "Dominar os impulsos sexuais ou de consumo significa ter controle sobre si mesmo. Isso pode produzir uma noção de superioridade moral e prestígio. Além disso, existe uma diferença entre a realidade e as promessas de felicidade da sociedade moderna. Uma vida de 'prazeres' também pode ser repleta de frustrações." O apego a alguma religião é uma tendência, diz Marcelo Carmurça, pesquisador da relação entre jovens e religião da Universidade Federal de Juiz de Fora. "Numa sociedade que vive a era do risco, a religião funciona como nicho de segurança." Para o americano Mark Regnerus, autor do livro "Forbidden Fruit - Sex & Religion in the Lives of American Teenagers" (ainda sem tradução no Brasil), essa opção pode ser vista como a melhor das alternativas diante de um mundo instável. "É um modo eficiente de obter equilíbrio emocional dentro de uma realidade que muda rapidamente", diz ele. "Uma vida de devoção religiosa pode parecer muito mais rica que outra centrada no individualismo e no consumo."
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"Disseram que eu ia estragar minha vida, mas eu nem ligava. O amor que sinto por Deus é maior que tudo" - Patrícia |
Patrícia Pereira de Morais, 28 anos, faz parte da Congregação das Irmãs de Santa Marcelina, em São Paulo. Ela sentiu sua vocação quando tinha 14 anos
"Fiz meus votos perpétuos há dois anos. Para mim, foi como se tivesse sido o dia do meu casamento. Quando falo sobre isso, meu coração dispara, minha mão fica gelada. O texto que nós dissemos naquele dia é assim: 'Para a glória de Deus e diante da Igreja, eu, irmã Patrícia Pereira de Morais, prometo e faço um voto a Deus de observar a pobreza, a castidade e a obediência por toda a vida [...] para poder alcançar com a graça do Espírito Santo e com o auxílio da Virgem Maria a caridade perfeita no serviço a Deus e aos irmãos em Cristo'. Nos prostramos no chão e ouvimos: 'Vocês estão mortas para o mundo'. Quando escolhi esse caminho, as pessoas diziam: 'Como assim, você, tão jovem, vai se trancar num convento e estragar sua vida?' Eu nem ligava. Quando uma jovem se apaixona, não é determinada? Mesmo que todas as pessoas digam que o moço não presta, ela não quer saber. Ela só quer saber do amor que sente. Sei que foi Deus quem me escolheu. Tenho essa convicção, mas não sei explicar: é algo que nasce de um eu profundo. Até os 14 anos, eu pensava em viajar, casar e ter filhos. Depois, passei a sentir algo diferente. Tudo o que eu estava vivendo não me preenchia. Quando participava de festas, não ficava à vontade. Parecia pouco. Com 16 anos, fui morar num convento. Aos poucos, fui percebendo minha vocação. Eu gostava muito de estar com as irmãs. Quando voltava para minha casa, sentia falta. Hoje, não consigo imaginar como seria minha vida fora. Talvez estivesse casada. Não sei. Não é uma dor não ter filhos, levamos a maternidade para o lado espiritual. É a mesma coisa em relação à vida afetiva. Nós dividimos a vida com muitas pessoas. Não existe a falta de namorado. É um dom que Deus nos dá, não preciso lutar contra um sentimento. Posso achar um homem bonito, mas não me desperta nada. Graças a Deus, nunca fui seduzida, não cheguei nem a beijar. Mas as religiosas também são humanas. Não somos diferentes. Existem pessoas que nos olham e pensam: 'Coitada, não tinha outra opção de vida'. Eu tive várias. Sou normal. Adoro sapatos e bolsas, mas faço um trabalho de renúncia. Qual a necessidade de ter 30 pares? Tenho só três, uma sandália e dois sapatos, um para festas e outro para o dia-a-dia. Não construo minha carreira para adquirir coisas, mas para Deus. Tudo o que eu faço é para Ele. É por Ele que eu levanto às 5h15, mesmo com muito sono, para rezar. É por Ele que eu vou à missa, estudo e trabalho. Hoje, minha família sente orgulho de mim. Meus irmãos falam para os amigos: 'A minha irmã é freira. Pelo menos ela tem um excelente marido. Não vai sofrer.'"
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"O celibato me deixa livre. Posso me deitar sozinho e agradecer a Deus por fazer muitas pessoas felizes" - Rafael |
Rafael Querobin, 27 anos, vai se formar padre no fim deste ano. Ao todo, serão dez anos de estudo de teologia e filosofia. Na mão esquerda ele usa um anel de ouro 18 quilates com uma cruz: "Me ajuda a ter consciência da minha consagração". No Orkut, tem 114 fãs
"Sei que poderia ser um bom pai, fazer uma mulher feliz, mas eu posso deitar na minha cama de solteiro, sozinho, e agradecer a Deus por ter o dom de fazer muitas pessoas felizes, de receber um telefonema às 3 horas da manhã, de um hospital, e poder ir até lá. Ou então de me colocar à disposição para trabalhar na China. Sou virgem: o celibato me deixa mais livre. A oportunidade de crescimento humano, intelectual e afetivo que tenho no seminário, com certeza, eu não teria em nenhum outro lugar do mundo. Sou filho de católicos praticantes. A expectativa deles era de que eu tivesse uma carreira de sucesso, não queriam que eu fosse padre. Até os 17 anos, eu estudava muito porque queria fazer uma boa faculdade, ter um bom emprego, um bom carro, comprar um apartamento. Sempre gostei de ter roupa de marca, não usava qualquer tênis ou relógio. Terminei o colégio e prestei vestibular para ciências da computação. Durante o tempo que estive na faculdade, eu me dedicava aos estudos. Mas a lógica de lá era cada um por si e Deus por todos. A dimensão da fraternidade e da solidariedade não existiam. Isso me angustiava demais. Eu me perguntava: 'Rafael, é isso que você busca para a sua vida?' O que me fazia feliz era ir para a igreja, auxiliar na catequese, fazer os trabalhos sociais na Febem, na favela. Daí, teve o despontar do padre Marcelo Rossi e isso me influenciou muito. Ele era jovem, feliz e finalmente as pessoas começaram a falar com gosto de um padre. Mas eu não tinha forças para falar sobre esse sentimento em casa. Em junho de 97, participei de um grande encontro de renovação carismática e aquilo mexeu demais comigo. Daí, fui criando forças e decidi falar para a minha mãe. Disse: 'Vou procurar uma congregação'. Ela não aceitou, achou que estavam colocando coisas na minha cabeça. Mas eu estava decidido. Cheguei ao Santuário São Judas por meio de um programa da Rádio América. Eu tinha de procurar o padre. Na minha cabeça, visualizei um senhor de 50 anos, mas logo chegou um homem todo agitado, elétrico. Uma pessoa me cutucou e disse: 'Esse é o padre'. Eu me assustei [risos]. Ele era alegre, brincava com todos, e eu tive a sensação de estar em casa. Parecia que esse lugar já tinha sido preparado para mim há muito tempo. Era um domingo e no dia seguinte começaria o segundo semestre do curso de computação. Na quinta, eu me decidi. Fui para a faculdade feliz da vida e cancelei tudo. Meus pais choraram, minha irmã não aceitou, mas, aos poucos, eles foram se acostumando. Estou no meu décimo ano de estudos e me formo no fim de 2007. Para mim, não existe outra vida que não seja essa." |