Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013
Profissão de fé
Sujeitos a fracasso, lesões e vaias, atletas de elite recorrem à religião como forma de motivação ou para aliviar ansiedade
Demonstrações explícitas de religiosidade, como a de jogadores da seleção, já renderam até reprimenda de autoridades esportivas
Martin Meissner - 28.jun.09/Associated Press
Jogadores brasileiros comemoram o título da Copa das Confederações, em festejo censurado pela Fifa por seu tom religioso
MARIANA BASTOS
SANDRO MACEDO
DA REPORTAGEM LOCAL
No momento em que até a Fifa, provocada pela comemoração do Brasil na final da Copa das Confederações, discute se vale apertar o cerco contra demonstrações religiosas no futebol, especialistas ouvidos pela Folha apontam que fé, no que for, pode ajudar no esporte se o atleta achar que ela ajuda.
De Usain Bolt a Cesar Cielo, de Kaká ao desconhecido da Série D, são tantos os que apelam a sinais e rituais, no sucesso ou no fracasso, que muitos já os percebem quase banalizados.
"Quanto maior o risco à carreira ou a possibilidade de lesão, mais transparece o apelo ao sobrenatural no discurso do atleta", diz Clodoaldo Leme, autor da tese de mestrado "É Gol! Deus É 10 - A Religiosidade no Futebol Profissional Paulista e a Sociedade de Risco". Leme aponta que, como a possibilidade de sucesso no futebol é remota para a maioria dos que se aventuram nos gramados, muitos jogadores recorrem à religião em busca de uma ferramenta motivacional.
"O que não se pode negar é que, se o atleta tem fé, isso pode colaborar com seu desempenho", diz o especialista. "O que não pode é pensar que isso resolve tudo dentro de campo." Para João Ricardo Cozac, psicólogo do esporte, "é muito mais fácil você entrar em campo ligado a uma ideia ou a uma pessoa querida". "Isso pode lhe trazer a segurança para aguentar a pressão durante ou depois de uma partida", afirma.
Cozac pondera que a religião tem um combustível motivacional. "Mas, para muitos jogadores, virou uma logomarca. Já vi atletas que são realmente religiosos, e jogadores que se aproximam deles apenas para serem visto com bons olhos."
Campeão mundial e olímpico de natação, Cesar Cielo, frequentemente faz o sinal da cruz antes e depois das provas. Está entre os atletas que acreditam que a fé ajuda a controlar a ansiedade. Antes do Mundial de Roma, seu técnico, Brett Hawke, chegou a mergulhar em água benta os óculos do nadador, com os quais faturou o ouro nos
Para Reinaldo Aguiar, autor da tese de doutorado "Religião e Esportes: Os Atletas Religiosos e a Religião dos Atletas", muitas das manifestações na esfera esportiva são feitas de maneira quase instintiva.
Apontar os dedos para o céu nem sempre significa que o atleta está atribuindo sua conquista a uma entidade divina. "É um tipo de gestual que é ritual, porque ele se repete. É tão ritual quanto o sujeito que beija a aliança quando marca um gol. Seria um exagero dizer que [apontar para o céu] é estritamente uma expressão religiosa", afirmou Aguiar. Para muitos, no entanto, manifestações religiosas no esporte não passam de proselitismo. Neste ano, após o título da Copa das Confederações, alguns atletas da seleção de Dunga, como Kaká e Lúcio, usaram camisas na quais estava escrito "I love Jesus" ("Eu amo Jesus"). A atitude criou polêmica. "A camiseta, o dedo para o céu ou qualquer outro gesto que sugira o sagrado passam a ser uma forma de doutrinação.
A fé é uma opção que, sendo de foro íntimo, deveria estar circunscrita à vida privada. Se manifestada em público, ela se torna uma forma de proselitismo", opina Katia Rubio, especialista em psicologia do esporte. A atitude de Kaká e companhia rendeu, na ocasião, queixas por parte da Associação Dinamarquesa de Futebol. Com isso, a Fifa
enviou ofício à CBF pedindo moderação aos jogadores ao expor a religiosidade.
Atletas com fortes vínculos religiosos encaram a possibilidade de punição às manifestações como forma de censura. "Isso [a proibição] é um absurdo porque fere a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que garante o direito ao cidadão de manifestar sua fé", afirma
"A própria Bíblia diz: "Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura". O esporte é a linguagem no momento. É legítimo para o cristão usar o esporte e a mídia para passar essa mensagem", diz Ribeiro.
Para Clodoaldo Leme, seja do momento ou não, esse discurso religioso aparece também fora de piscinas, quadras e gramados. "É comum aparecerem na imprensa esportiva expressões como "jogo de vida ou morte", "entre o céu e o inferno". Quando o Marcos [do Palmeiras] defendeu pênaltis na Libertadores [de 1999], os jornais logo o apelidaram de São Marcos."
Colaborou MARIANA LAJOLO , da Reportagem Local