Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 23/10/2012
Pérola Metodista 30 anos do Plano para a Vida e Missão
Bodas de Pérola. 30 anos. De fato, o Plano para a Vida e a Missão pode ser comparado como uma pérola. Valiosa, gerada quando algo não vai bem dentro da ostra, das quatro paredes. Os metodistas vivenciaram a crise e produziram o documento valioso. Agora, com o trigésimo aniversário são desafiados a avaliar a caminhada missionária.
Em três décadas a Igreja Metodista no Brasil amadureceu e cresceu. Análises e estudos publicados indicam que o dinamismo das propostas aprovadas no Concílio Geral de 1982 marcou a identidade metodista e norteou ações diante das mudanças sociais e econômicas do país. Projetos missionários foram alavancados após a aprovação do documento.
Porém, a repercussão poderia ter sido mais eficaz - na opinião de leigos e clérigos que participaram da construção do texto. Muitos pontos abordados no Plano para Vida e Missão não foram transportados para a prática. “Nossa espiritualidade metodista atual se concentra nas quatro paredes do templo. O Plano parece ter deixado de ser referência para a maioria de nossas comunidades”, afirma o rev. Ely Eser Barreto César, que era o vice-presidente do Conselho Geral da Igreja Metodista quando o documento foi aprovado.
Missão
Não existe consenso sobre o balanço histórico do Plano para Vida e Missão. Há quem defenda o documento com vigor e quem não demonstre tanto entusiasmo assim. Porém, não há como negar que a aprovação do texto sinalizou uma importante etapa da Igreja Metodista brasileira. Ao longo dos 30 anos, os metodistas foram estimulados com um novo conceito de ser igreja.
As palavras do Plano confrontam: “A Missão acontece quando a Igreja sai de si mesma, envolve-se com a comunidade e se torna instrumento da novidade do Reino de Deus. A luz do conhecimento da Palavra, em confronto com a realidade, discernindo os sinais do tempo presente, a igreja trabalha assumindo os dramas e esperanças do nosso povo” (p. 93 – Cânones 2012-2016).
Com este direcionamento a Igreja Metodista foi chamada a sair das quatro paredes. “Trata-se de uma orientação para que a missão seja o centro de tudo o que ocorre na comunidade e que a principal tarefa seja repartir fora dos limites do templo o que de graça recebemos do Senhor”, complementa o bispo da 1ª Região Eclesiástica, Paulo Lockmann.
Direção
A missão da igreja deve estar atrelada com a preocupação com o povo. A vida humana ganha destaque e os metodistas são orientados a apoiar todas as iniciativas que preservem a vida e a denunciar práticas de opressão e destruição. A igreja também foi desafiada a somar esforços com outras pessoas e grupos que trabalham na promoção da vida.
“Esta opção é reforçada ainda mais agora com a questão da ecologia e do meio urbano. Nos últimos 30 anos, as cidades cresceram muito e nós precisamos englobar estas questões em nossas perspectivas do discipulado – salvação, santificação e serviço. O Plano caminha sempre na contramão da sociedade”, diz a Secretária Executiva para a Vida e Missão da Igreja, revda. Joana D’Arc Meireles.
Conceitos debatidos há três décadas permanecem contextualizados e são altamente desafiadores. O documento provoca cada metodista. “Há necessidade de entender e superar as tensões existentes entre pastores e leigos, liderança local e demais membros, liderança em todos os níveis. Isso deve dar-se por meio de uma confrontação que expresse amor e justiça, unindo a todos num trabalho participativo na missão” (p. 92 – Cânones – 2012-2016).
De acordo com o Plano, a igreja cresce e trabalha missionariamente quando produz atos de piedade (devoção e culto) e obras de misericórdia (solidariedade ativa junto aos pobres, necessitados e marginalizados). O documento recupera o projeto da santificação, característica essencial do metodismo e que não se resume ao cultivo da piedade.
“Ao recuperar a visão de John Wesley, o Plano informa que o processo da santificação tem dois momentos, distintos e simultâneos: o cultivo da piedade, de um lado, e o desenvolvimento de ações misericordiosas para com os necessitados, de outro. Pois não existe autêntico amor a Deus onde não haja ações provocadas por um coração misericordioso. Não há fé sem obras. Não há amor a Deus sem amor ao próximo”, explica o rev. Ely Eser Barreto César.
A visão aprovada pela Igreja em 1982 também apresenta interesse pela participação leiga na vida eclesial, pela renovação cúltica e teológica, sempre com o foco no desenvolvimento mais popular dos metodistas.
A professora Lúcia Leiga de Oliveira participou como representante leiga da 4ª Região na Consulta Nacional de 1980 e acompanhou de perto a construção do Plano. Ela conta que a ideia de um documento comum e com desafios contínuos mobilizou a igreja. “Foram muitos estudos, reflexões, debates, planejamentos e projetos que deram nova direção para organização e ação pastoral da Igreja de Dons e Ministérios. Sem dúvida, um novo jeito de viver a Igreja”, diz Lúcia Leiga.
Contexto
Mudanças conviviam com a geração que debateu e aprovou o Plano para Vida e Missão. No início dos anos 60 a Igreja Metodista admitiu a necessidade de conhecer melhor a herança wesleyana. A reflexão teológica abriu caminho para uma verdadeira reforma.
“Nos demos conta que a formação que recebemos – mais pietista e puritana, tinha um perfil mais norte-americano. Quando nós percebemos isto, procuramos buscar Wesley na fonte, lá nos textos originais. Fomos ler. Nós vimos que, em Wesley, havia muito mais”, conta o rev. Rui de Souza Josgrilberg, um dos assessores da redação do documento (veja entrevista completa nas páginas 18 e 19).
A reflexão também era estimulada pela realidade que o Brasil vivia. Intensas articulações políticas culminaram na ditadura militar. Havia o desejo de fortalecer e promover a teológia metodista. Neste sentido, a herança wesleyana foi realçada. Nasce o Credo Social como marca desta identidade. Porém os reflexos dos movimentos repressivos, dentro e fora da igreja, trouxeram sérios prejuízos – divisões e até o fechamento da Faculdade de Teologia em 1968.
Na década de 70 a Igreja Metodista reage. Era preciso encontrar um novo caminho. Começam então os debates dos Planos Quadrienais (1975-1978 e 1979-1982), os primeiros projetos efetivamente brasileiros, adaptados à realidade do país. Foi estipulado o alvo de se alcançar 100 mil metodistas no Brasil. Era o início também do processo que resultaria, oito anos depois, na aprovação do Plano para Vida e Missão.
Os Planos Quadrienais apresentaram uma mudança teológica importante. O conceito predominante dizia que a ‘missão era da Igreja’ e a partir das discussões se reconhece que a ‘missão é de Deus’, para o mundo. Esta visão forneceu suporte e embasamento ao Plano para Vida e Missão.
Texto
A redação do Plano começou em 1980, com a Consulta Nacional Vida e Missão. Foi uma iniciativa da Igreja a propósito dos 50 anos de autonomia. As igrejas locais foram ouvidas, por meio de um questionário. Em outubro de 1981 lideranças regionais e nacionais se reuniram para uma ampla discussão. O documento gerado foi base para a construção do Plano no 13º Concílio Geral da Igreja Metodista em julho de 1982, em Belo Horizonte-MG.
O conclave estava realmente disposto a discutir os rumos missionários da igreja. Foram dedicados cinco dias aos debates do Plano. Os conciliares se separaram em onze grupos de estudo para analisar a parte introdutória do documento. Depois foram discutidas as áreas específicas, como a ação comunitária, comunicação, educação e promoção da unidade.
Após os debates o Plano para Vida Missão foi aprovado com 78 votos favoráveis. “No fim das contas o documento passou com uma margem muito boa. Havia certo júbilo! O que se esperava ali é que o Plano para Vida e Missão realmente deslanchasse. Houve uma repercussão muito grande!”, lembra o rev. Rui de Souza Josgrilberg.
Além do Plano para Vida e Missão, no Concílio de 1982, foram aprovados também o Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista (Saiba mais no artigo da página 18) e o Plano Diretor Missionário. “Este rico e penoso processo marcou o mais visível divisor de águas em nossa história, a ponto de se poder afirmar que o Plano para Vida e Missão determinou um radical “antes” e “depois” na história do metodismo brasileiro”, afirma o rev. Ely Eser Barreto César.
Oposição
Embora o resultado expresse um alto índice de aprovação, as discussões em 1982 foram acaloradas. “O clima do Concílio foi muito tenso”, lembra o bispo Paulo Ayres. A votação que aprovou o Plano teve dois votos contrários e uma abstenção, justificada da seguinte forma: “Não posso aceitar essas premissas teológicas”.
A professora da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista em São Paulo, Magali do Nascimento Cunha, explica que na época o tom político e social acendia profundamente a tensão teológico-ideológica entre as principais tendências presentes na igreja – usualmente denominadas ‘conservadora’, ‘progressista’ e ‘carismático-pentecostal’.
“As críticas em plenário da parte de pessoas afinadas com a ala conservadora da Igreja, centradas no tom político do documento, não impediram que o texto fosse aprovado pela quase totalidade dos delegados”, analisa a professora. Muitas discussões giravam em torno dos termos usados na redação do Plano. Eram preocupações centradas especialmente nas linhas teológicas e ideológicas.
O bispo honorário Nelson Luiz Campos Leite, na época secretário do Colégio Episcopal, acompanhou cada detalhe da redação final. Ele conta que houve muitos ajustes, para evitar que o texto desse uma conotação direta à teologia da libertação. “Eu mesmo fui um dos que lutou, dizendo que a opção não era pelos pobres, era pela vida! Aí então acabou sendo aprovado pela vida”, conta o bispo.
Outro termo bastante debatido em plenário foi – libertação. O Plano trabalhava a questão político-sociológica, sem eliminar o sentido da libertação do pecado e do mal. “Estes ajustes trouxeram tensões ao concílio. Houve definições que as pessoas pediam para constar em ata como discordância”, lembra o bispo Nelson.
Debate
Aos 86 anos, o professor Ulysses Panisset – que na época presidia a Comissão de Legislação do Concílio Geral conta que, ainda hoje, muitos confundem seu trabalho no conclave como oposição. Ele explica que o Plano foi bom para a igreja, como um documento norteador das ações no cumprimento da missão.
“Só batalhávamos para que o Plano não fosse incluído no Cânones como um artigo, o que se constituiria uma lamentável impropriedade técnica. O Cânones é lei. Sendo assim, nele não cabem planos, que, por sua natureza são passíveis de alteração. Ainda assim, um grupo formado conseguiu que essa barbaride legislativa fosse perpetrada”, lamenta Ulysses Panisset.
Repercussão
A mudança proposta pelo documento implicaria em uma transformação teológica e pastoral das comunidades metodistas. Mesmo assim, no conclave, pouco foi falado sobre a implementação do documento nas igrejas locais. Em entrevista à revista Presença, um mês depois do Concílio Geral de 1982, o bispo Paulo Ayres alertou: “Estou convencido de que se houver somente uma discussão com os pastores, o trabalho não vai avançar muito. O ministério leigo e o desenvolvimento de uma pastoral popular só tem sentido na medida em que surgir de uma avaliação das próprias igrejas locais a respeito da ação”.
Após 30 anos, o bispo Paulo Ayres não esconde a decepção. “Eu não vejo espaço na igreja para o Plano para Vida e Missão. A nossa teologia e a nossa disciplina não estão dando conta da experiência que existe dentro da igreja. A aprovação do documento foi da elite e não do povo. Ainda precisamos trabalhar esta decisão com a base da igreja de tal maneira que os membros incorporem estas mudanças”, argumenta.
O rev. Nicanor Lopes, vice-reitor da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista em São Paulo, começou o pastorado quando o Vida e Missão foi aprovado e também acredita que faltou uma melhor implementação. “Em nível nacional o Vida e Missão não foi tão simples. Após a aprovação percebeu-se uma tensão muito grande na igreja. O Plano traz uma dimensão missionária mais comprometida com a realidade brasileira. No meu entendimento, esta visão não foi muito bem assimilada pela igreja”, ressalta o rev. Nicanor.
Organização
O Concílio Geral de 1982 não alterou a estrutura administrativa da Igreja Metodista ao aprovar o Plano. Mesmo com novas ênfases, as comunidades locais, regiões e área geral permanecem com a mesma organização. Era o tempo em que se vivia uma igreja de cargos. “Temos consciência de que a Igreja de cargos, tal como vinha acontecendo, chegara a sua esterilidade, ou melhor, os cargos se tornaram estéreis”, ponderou o bispo Isaac Alberto Rodrigues Aço (in memoriam), em um artigo publicado em 1991.
Diante do descompasso, a igreja precisava encontrar uma alternativa a luz do Plano para Vida e Missão. E encontrou. A resposta foi o novo modo de ser Igreja em Dons e Ministérios, aprovado em 1987 no 14º Concílio Geral. A igreja local foi recolocada como elemento básico da ação missionária.
No livro 20 anos depois: A Vida e a Missão da Igreja em Foco, os professores da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista Claudio Ribeiro e Nicanor Lopes explicam que o modelo Dons e Ministérios surgiu de um movimento da 5ª Região Eclesiástica chamado Agentes da Missão.
As lideranças observavam o crescimento da igreja e perceberam que os novos membros precisavam dos fundamentos bíblico-teológicos aprovados no Concílio Geral de 1982. “Por isso o Plano para Vida e Missão é fundamental para cada metodista, pois ele é o texto conciliar que tem autoridade para fundamentar a ação missionária numa Igreja de Dons e Ministérios”, afirmam os autores.
Ensino
Após a aprovação do Dons e Ministérios, as diretrizes do Plano para Vida e Missão começaram a ficar mais claras na igreja local. Porém ainda seria preciso trabalhar especificamente os conceitos na prática. Diante desta necessidade a 5ª Região Eclesiástica lançou um Plano de Estudos com 14 lições para serem trabalhadas na Escola Dominical. “Foi uma tentativa de aproximar a comunidade ao Plano para Vida e Missão”, justifica o rev. Ely Eser Barreto César.
As igrejas da 5ª Região receberam o material de estudo. De acordo com o rev. Nicanor Lopes, que ajudou a produzir o material, houve uma repercussão significativa e o entusiasmo das igrejas foi acima do esperado. “Houve um despertamento missionário muito grande! Congregações e campo missionários foram abertos e foi criado também o Projeto Missionário Uma Semana para Jesus. Tudo depois deste movimento idealizado para tornar viável o Plano para Vida e Missão”, relata.
Outras Regiões Eclesiásticas também foram motivadas e criaram estratégias para propagar as novas linhas nacionais da Igreja Metodista. No Rio de Janeiro (1ª RE), por exemplo, o trabalho da pastoral popular da Baixada Fluminense foi impulsionado. Na 2ª Região (Rio Grande do Sul) a pastoral do agricultor colheu bons frutos. Nesta época, o trabalho indigenista também recebeu novos horizontes.
Perspectivas
Nesses 30 anos, outros documentos surgiram na vida da Igreja Metodista. Todos, porém, embasados no Plano para Vida e Missão. Os desafios apontados no texto permanecem e estão ainda mais complexos. O mundo mudou e propaga com grande velocidade princípios contrários ao Reino de Deus.
“O Plano para Vida e Missão é como um farol. O navio é a igreja. Por mais que o mar esteja agitado, quando olhamos para o farol, sabemos a direção e podemos nos organizar. Se a gente colocar o Plano como meta e perspectiva, ele nos ajudará a posicionar a igreja diante desta sociedade tão caótica e diante deste cristianismo tão caótico que estamos vivendo.”, compartilha o rev. Paulo Roberto Garcia, Reitor da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista em São Paulo.
As influências da massificação, movimentos e modismos religiosos estão presentes e acompanham a caminhada da Igreja Metodista. O Plano para Vida e Missão, no entanto, faz um apelo para que a identidade metodista não se perca. “Não precisamos de um novo documento. Nós já temos as bases! O que nós precisamos é voltar a elas e contextualizá-las. Nós vivemos no século 21 e temos outras necessidades e tremendas oportunidades”, argumenta a professora Magali do Nascimento Cunha.
Nas comemorações do trigésimo aniversário do Plano para Vida e Missão a Igreja Metodista é chamada a uma reflexão. Como ser comunidade missionária a serviço do povo tendo como referência a realidade brasileira? Como resgatar a conexidade do povo chamado metodista? O que é ser metodista diante de tantos ventos de doutrinas? Como fazer discípulas e discípulos nos caminhos da missão? É um bom momento para pensar e agir.