Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013

palestra disciplina

Sandra Andrade de Castro*, 2007

Introdução

Falar de disciplina de crianças nos dias de hoje é muito complicado. Encontramos uma realidade complexa e desesperançosa: crianças autoritárias, voluntariosas, que manipulam e governam os adultos ao seu redor. Famílias nas quais pai e mãe trabalham para garantir o sustento da casa, enquanto os filhos são criados por terceiros (babás, avós - que não possuem o papel principal de educar), pela televisão e até por outras crianças. Vemos famílias que, desesperadamente, se expõem na mídia em programas de ajuda educativa, Super Nanny, com o simples objetivo de educar e controlar seus filhos, melhorando a qualidade de vida de toda a família.

O que fazer diante de tal realidade? O que causou ou causa essa situação tão catastrófica? Qual a nossa responsabilidade enquanto pais e mães cristãos? Qual o nosso papel enquanto Igreja de Cristo?

Muitos profissionais estudam o tema da educação: psicólogos, pedagogos, professores. Devemos lembrar-nos de que construímos a sociedade dia após dia, educando as crianças e jovens dentro de nossas casas e os que estão ao nosso redor. O que estamos construindo? Qual será o futuro próximo? Quais os valores que encontramos e encontraremos?

O psicólogo Abraham Maslow alerta para a educação quando faz a comparação: "A criança assemelha-se a uma árvore nova que está exposta ao vento e à tempestade. O jardineiro coloca uma estaca para evitar que ela entorte ou quebre com a força do vento, e para que cresça na direção certa. Quando já estiver bem crescida e o tronco bastante forte, a estaca não será mais necessária".

O que somos?

A necessidade da educação infantil é percebida e ressaltada há diversos milênios. Na Bíblia encontramos a orientação em Provérbios 22.6: "Ensina a criança no caminho em que deve andar, e quando for velho, não se desviará dele". A Bíblia e nós cristãos valorizamos a educação das crianças e não uma criação solta e sem referência às bases bíblicas e éticas da fé cristã.

Devemos lembrar-nos de que: Ninguém é o que é por acaso. O ser humano passa por diversas fases durante toda a sua vida. Cada uma delas possui características específicas, com diferenças individuais.

O ser humano é formado diariamente e constrói sua personalidade (jeito de ser) pelos fatores internos e externos (influências recebidas do ambiente em todas as fases da vida). O adulto é o que construiu na sua história desde tenra idade, isto é, a gente colhe o que planta ou o que é plantado em nós.

A criança na Bíblia

Na Antiguidade, as crianças não eram valorizadas, não eram nem contadas em meio a uma multidão. Contudo, mesmo no Antigo Testamento, inúmeras vezes, fala-se em educar crianças, orientando os filhos a escutar seus pais, principalmente no livro de Provérbios, entre outros: "Filho meu,ouve o ensino do teu pai enão deixes a instrução de tua mãe" (1.8), "Filho meu, não te esqueças dos meus ensinos..." (3.1), "O filho sábio alegra o seu pai, mas o filho insensato é a tristeza de sua mãe" (10.1).

Contudo, uma ressalva precisa ser feita em relação ao texto "A estultícia está ligada ao coração da criança, mas a vara da disciplina a afastará dela" (Pv 22.15). Esse versículo é muito utilizado por alguns cristãos ao se referirem a educação de filhos. Conforme Tompson Rogério Vieira , a palavra vara é traduzida da palavra hebraica shé·vet, que significa cajado ou bastão, como o que era usado pelos pastores. A vara como autoridade sugere orientação amorosa, não cruel nem brutal. Quando diz respeito à autoridade parental, a vara não se refere exclusivamente a punição física. Abrange todas as formas de disciplina que, na maioria das vezes, não precisa ser física. E, quando se recorre à disciplina física, em geral, é porque outros métodos falharam.

Ainda no Antigo Testamento, encontramos uma orientação sobre o procedimento com filho desobediente e rebelde: se após o castigo não der ouvido aos pais, a criança é levada até aos anciãos da cidade e todos os homens da cidade a apedrejarão até a morte, eliminando o mal (Dt 21.18-21). E por que as pessoas usam o texto da vara literalmente e esse não? É orientação bíblica também...

Por isso, ressalta-se a necessidade de contextualização dos textos da Bíblia. Relembremos a pouca importância que a criança representava naquela época, o que foi radicalmente modificado a partir dos ensinos de Jesus.

No Novo Testamento, Jesus quebrou essa forma de pensar e agir, valorizando e se importando com os marginalizados: crianças, mulheres, deficientes, doentes, pobres e outros. Jesus repreende os discípulos quando os mesmos afastam as crianças. Ele abraça e abençoa as crianças, tratando-as como gente, como pessoas, colocando-as como modelo de participação e condição para ingresso no Reino de Deus.

A partir de uma análise contextualizando dos textos bíblicos para os dias de hoje, como dia o Rev. Otávio Torres, "podemos dizer que a imposição de regras e limites na vida das crianças tem uma função preventiva (livrá-la de perigos a si mesma e aos outros) e também pedagógica (ensinar-lhe o convívio social, os valores da fé e da vida, etc.)."

Educar a criança

Educação é um processo longo e demorado, que exige investimento de pessoas, tempo e recursos, mas seus efeitos são permanentes. Educar é um investimento 100% rentável.

Na educação, a pessoa internaliza aprendizados sobre regras básicas do agir e conviver com os outros, os limites, valores, atitudes culturais, emocionais, morais, éticas e outras informações necessárias para vir a ser um cidadão consciente e uma pessoa disciplinada na sua dimensão individual, social e futuramente, na vida profissional e de casal.

Segundo Içami Tiba, criança não nasce com manual, pois é ela o próprio manual.

Os pais podem compreender muito os próprios filhos, aprendendo a relacionar-se com eles. É no dia-a-dia que os pais aprendem como é cada filho. No caso de mais de um filho, cada um reage e precisa ser atendido como filho único.

Para o atendimento integral a uma criança, cinco passos são necessários: parar, ouvir, olhar, pensar e agir.

* Parar - Parar o que estiver fazendo ou pensando e dar atenção total à criança. Caso não possa interromper, avise a criança de que logo vai atendê-la e faça-o assim que possível.

* Ouvir - Os pais devem olhar no fundo dos olhos da criança, como se a ouvissem com os olhos, e deixar a criança expressar-se.

* Olhar - Tudo o que se percebe visualmente deve ser considerado para compreender a criança.

* Pensar - Refletir sobre todos os elementos percebidos (visual e verbalmente), mais o sentido educativo que se queira dar na formação da criança.

* Agir - Responder ou agir com clareza e objetividade. As respostas impulsivas servem mais a quem atende do que à criança.

A criança não "morre" se esperar um pouco, portanto, não há necessidade de largar tudo e sair correndo para acudi-la (distinção entre o essencial e o supérfluo), a não ser em caso de emergência.

Educar não é deixar a criança fazer só o que quer. Hoje, muitos pais fazem tudo para agradar seus filhos, mesmo que os deseduquem. A criança é regida pela vontade de brincar, de fazer. A cada movimento, está descobrindo coisas e aprendendo valores. A vontade dos adultos em agradar a uma criança é natural. Os pais precisam refletir se o que estão fazendo é educativo ou não.

A disciplina como necessidade

Afinal, o que é disciplina? Conforme o Dicionário Aurélio, a palavra disciplina possui oito significado, entre eles: "1- observância de preceitos ou normas, 2- ensino, instrução, educação, 3- relações de subordinação do aluno ao mestre ou ao instrutor". Portanto, educar é instruir, disciplinar, ensinar, é um "processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral do ser humano, visando à sua melhor integração individual e social".

Atualmente, a palavra disciplina gera um pouco de desconforto nas pessoas, em função de seu sentido pejorativo, pois remete a severidade ou até a um regime rigoroso de educação. É necessário, portanto, compreender que é através da orientação recebida que, aos poucos, a personalidade da criança vai sendo formada - sua forma de pensar, sentir, reagir e de relacionar-se bem como a percepção de novos valores  e expectativas. É a disciplina que garante a formação de um adulto consciente de suas responsabilidades, que reconhece seus limites e dos outros, formando um cidadão responsável. Com orientação segura, podemos formar um ser humano mais equilibrado e que, certamente, saberá, quando adulto, agir com harmonia no contato com os outros, contribuindo com seu comportamento para que a sociedade venha a ser melhor. É suficiente pensar nos adultos de hoje e ver se os mesmos foram, enquanto crianças, acompanhados com orientação e disciplina. Portanto, disciplinar as crianças é um "mal" necessário (porque é complexo fazê-lo). Educar as crianças é Bênção de Deus, é Graça Divina.

Lugar de educação

Mas, de quem é o papel de educar as crianças?

A educação das crianças é um papel primeiramente de responsabilidade da família, principalmente dos pais. Diz um ditado que a educação vem do berço, isto é, começa em casa. Muito freqüentemente, os pais, por diversos motivos, têm deixado a educação por conta da escola formal, da Igreja e de muitos outros (terceiros). Porém, é necessário resgatar esse papel parental. Se os pais trabalham fora ou não possuem condições de dedicar muito tempo ao filho, precisam aproveitar o momento de que dispõem para estar realmente com o filho: brincar com ele, sentar no chão para realizar alguma atividade juntos, conversar sobre o dia de ambos. Importante não é só a quantidade de horas que você passa com seu filho, mas a qualidade desse tempo. Um exemplo que podemos lembrar é o próprio fundador do movimento metodista, João Wesley, que é fruto da educação e dedicação familiar.

Como Igreja de Cristo, também somos responsáveis pela parceria da educação das crianças. No ato do Batismo, a Igreja compromete-se a ajudar os pais e testemunhas, sendo "testemunhas fiéis, a fim de que, não somente ela, mas todas as crianças que participam do nosso convívio, cresçam no conhecimento e na graça de nosso Senhor Jesus Cristo, e, posteriormente, confirmem a sua fé nele" (Ritual, 2005). A Igreja possui a tarefa de educar a criança a ter fé e a desenvolver uma convivência com Deus, a partir das atitudes e ensinamentos da comunidade local. A partir dessa experiência, a criança pode amadurecer sua fé até o momento de uma decisão consciente e plena de Cristo como único Salvador e Senhor de sua vida.

O objetivo principal da escola é oferecer um ensinamento organizado do letramento, iniciar a criança no mundo das letras. Porém, hoje, muitas ampliaram para o contexto cultural das artes, das línguas, oportunizando às crianças situações antes não vivenciadas e a possibilidade de experiências com a diversidade, viabilizando a aprendizagem com o diferente. Devemos lembrar-nos de que muitas crianças passam o dia inteiro nas escolas ou creches, afastando-as "das ruas".

Como educar? Como disciplinar? Como impor limites?

Vale a pena um diálogo para estabelecer as regras. É importante cumpri-las. Ambiente onde não se deixa espaço para o diálogo e a mútua compreensão dificultam ainda mais a relação. Muitos pais, buscando ser "amigos dos filhos" e não sabendo como agir para não caírem no liberalismo extremo ou no autoritarismo, perdem o canal de diálogo com os mesmos.

*Ninguém pode respeitar seus semelhantes, se não aprender quais são os seus limites - nem sempre se pode fazer tudo que se deseja na vida

*Ensinar a criança a aceitar "não, não pode não" desde pequenino, quando for o caso

*Somos felizes respeitando e tendo regras básicas na vida (amando o outro e não apenas a nós mesmos)

*A criança pequena não sabe o que é certo e o que é errado, portanto, a ética é uma tarefa fundamental e espetacular dos pais (e adultos)

 

DAR LIMITES É...

 

DAR LIMITES NÃO É...

üEnsinar que os direitos são iguais para todos.

üEnsinar que existem outras pessoas no mundo.

üFazer a criança compreender que seus direitos acabam onde começam os dos outros.

üDizer sim sempre que possível e não sempre que necessário.

üSó dizer não as crianças quando houver uma razão concreta.

üMostrar que muitas coisas podem ser feitas e outras não podem ser feitas.

üFazer a criança ver o mundo com uma conotação social (con-viver) e não apenas psicológica (o meu desejo e prazer são as únicas coisas que contam).

üEnsinar a tolerar pequenas frustrações no presente (futuro - superação dos problemas com equilíbrio e maturidade).

üDesenvolver a capacidade de adiar a satisfação.

üEvitar que a criança cresça achando que todos no mundo têm que satisfazer seus mínimos desejos.

üSaber discernir entre o que é uma necessidade e o que é apenas desejo.

üCompreender que direito à privacidade não significa falta de cuidado e acompanhamento.

üEnsinar que a cada direito corresponde um dever.

üDar o exemplo.

üBater nos filhos para que eles se comportem.

üFazer só o que vocês, pai ou mãe, querem ou estão com vontade de fazer.

üSer autoritário.

üDeixar de explicar o porquê das coisas (impor a lei do mais forte).

üGritar com as crianças para ser atendido.

üDeixar de atender às necessidades reais (fome, sede, segurança, afeto, interesse) dos filhos, porque você está cansado.

üInvadir a privacidade a que todo ser humano tem direito.

üProvocar traumas emocionais (falta de amor e carinho, seguida de injustiça, violência física, humilhações e desrespeito à criança).

 

Sete erros dos educadores

                "Todos erram: a maioria usa os erros para se destruir;

a minoria, para se construir. Estes sãos os sábios."

1-Corrigir ou humilhar publicamente

Um educador deve valorizar mais a pessoa que erra do que o erro da pessoa, estimulando sempre a reflexão. Os educadores não devem intervir publicamente quando alguém foi ofendido ou ferido em público, agindo com prudência para não intensificar a situação.

2-Expressar autoridade com agressividade

A violência causa temor e faz perder o amor. Dessa maneira, formamos pessoas que também reagirão com violência. O diálogo é uma ferramenta educacional insubstituível. A autoridade é conquistada com inteligência e amor.

3-Ser excessivamente crítico: obstruir a infância da criança

Não compare uma criança com seus colegas, cada pessoa é um ser único. A comparação só é educativa quando é estimulante e não depreciativa. Prepare os jovens para a vida, dando liberdade para ter suas próprias experiências, inclusive com riscos, fracassos e sofrimentos.

4-Punir quando estiver irado e colocar limites sem dar explicações

As crianças erram, mas o importante é o que fazer com os erros. Jamais puna quando irado, evitando a punição física. A punição deve ser simbólica e acompanhada de explicação, podendo negociar para que os punidos escolham a punição. Punir com castigos e privações só educa (se não for em excesso) se estimular a arte de pensar.

5-Ser impaciente e desistir de educar

Por trás de cada criança arredia ou agressiva, há um ser que precisa de afeto. Todos querem trabalhar com crianças dóceis, porém são os que nos frustram que testam nossa qualidade de educadores. Paciência é o segredo, a educação do afeto é a meta. Basta investir nas crianças.

6-Não cumprir com a palavra

A confiança é um edifício difícil de ser construído, fácil de ser demolido e muito difícil de ser reconstruído. Não dissimule suas reações, seja honesto. Se não puder, diga não sem medo. E se errar, volte atrás e peça desculpas. Lembre-se de que a frustração é importante para o processo de formação da personalidade: quem não aprende a lidar com perdas e frustrações nunca irá amadurecer.

7-Destruir a esperança e os sonhos

Sem esperança não há estrada, sem sonhos não há motivação para caminhar. Não importa o tamanho dos nossos obstáculos, mas o tamanho da motivação que temos para superá-los. Não podemos concordar com a passividade do eu.

 

* Sandra Andrade de Castro - Psicóloga pela Universidade Federal de Minas Gerais, atuando no Instituto São Rafael/MG, professora de psicologia no Instituto Metodista Teológico João Ramos Jr. desde 1994, autora do livreto Quando anseio por um filho publicado pela Editora Cedro em 2006.

Bibliografia

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_____. Ritual da Igreja Metodista. São Paulo, Editora Cedro, 2005 (2ª ed).

ROSA, Merval. Psicologia evolutiva Petrópolis: Vozes, 1991.

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TIBA, Içami. Quem ama, educa! São Paulo: Editora Gente, 2002.

TORRES, Hideíde Brito. Criança e fé metodista: texto base para a reflexão. In: Anais da Conferência Regional de Crianças, Primeira Região Eclesiástica, 2005

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ZAGURY, Tânia. Limites sem trauma. Rio de Janeiro: Record, 2002.

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