Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013

Palavra Episcopal março 2009

Páscoa:
Tempo de lombos cingidos, sandálias nos pés e cajado na mão.

 

Geoval Jacinto da Silva, Bispo Honorário da Igreja Metodista

Cristãos em todas as partes do mundo estão celebrando o período litúrgico conhecido como o "ciclo pascal". Este período do calendário cristão tem início na quarta-feira de cinzas e vai até o domingo de Pentecostes (50 dias após o domingo da Ressurreição). Neste período estão inclusos: a quarta-feira de cinzas, o domingo de ramos, a paixão, a ressurreição e o pentecostes. Cada etapa tem um sentido litúrgico e deve ser celebrada com sua ênfase própria.
Nesta pastoral destaco o período que vai da quarta-feira de cinzas até a paixão, isto é: 

A prisão, o julgamento e a crucificação do Senhor Jesus Cristo. Vamos resgatar elementos litúrgicos e pastorais para uma Igreja que busca sua revitalização e apresenta-se ao mundo como uma comunidade de serviço para "Testemunhar a Graça e fazer Discípulos e Discípulas".
O ciclo da páscoa resgata a memória de sua origem que está ligada às "festas do povo de Israel". Suas lembranças abrem caminho para a celebração na Igreja Cristã de eventos decisivos que um dia se cumpriram por intermédio da vinda, ministério, morte e ressurreição do Senhor Jesus Cristo. Entre tantas outras festas celebradas, ganha destaque por seu significado de lembranças que marcam de esperança a festa da Páscoa. O termo Páscoa, que no hebraico é passach, etimologicamente indica o nome da festa.
A celebração dava aos participantes a lembrança inesquecível da saída do Egito. Saída marcada por diversas situações de dificuldades, incluindo sacrifícios das crianças primogênitas. Esta saída, marcada pela morte dos primogênitos, por certo,  era uma lembrança que jamais poderia calar na mente e no coração do povo (Ex 13.11). A celebração deveria ser marcada de forma que os participantes guardassem na memória que sempre continuariam em processo de caminhada e com a esperança de que cada dia era um novo dia a ser conquistado debaixo da graça e da misericórdia de Deus. Portanto, por se tratar de um tempo de lembrança de um passado não muito distante, a refeição deveria ser tomada como se o povo estivesse em prontidão e em processo de expectativa: a refeição pascal devia ser tomada à pressa, com "lombos cingidos, sandálias nos pés e cajado na mão" (Ex 12.11). Embora a festa estivesse boa não era para nunca esquecer os acontecimentos históricos que marcaram a vida do povo e nem a promessa dada um dia a Abraão de que seria o "pai de uma grande nação". Ser uma grande nação implicava no compromisso de ser motivo de bênção para outros povos. "Sê tu uma bênção" (Gn 12. 2 e Gl 3.8).
Qual é o sentido das festas do povo de Israel para a Igreja hoje? Mantê-las vivas seria negar a presença do Cordeiro Real na vida da Igreja. Depois de sua ressurreição e efusão do Espírito Santo na vida dos discípulos e na vida da Igreja, as festas ganham um novo sentido teológico e pastoral possibilitando assim à Igreja cumprir sua tarefa missionária sempre com alegria, como afirma o salmista: "servi ao Senhor com alegria" (Sl 100).
Qual o sentido do "lombo cingido, sandálias nos pés e cajado na mão" para a Igreja quando celebramos o tempo de Páscoa?
A história da Igreja tem mostrado que em muitos momentos ela se distanciou do seu sentido de peregrina e escatológica e se envolveu em diversas questões que não contribuem para o fortalecimento da presença do amor, da paz e da misericórdia na vida do ser humano como valores do Reino de Deus para o qual a Igreja foi constituída como promotora destes valores tão importantes para a vida do ser humano, em especial nos dias em que estamos vivendo. Assumir o sentido do "lombo cingido, sandálias nos pés e cajado na mão" é assumir a atitude de estar sempre em marcha em direção ao Reino. Caminhar nesta forma de expectativa e esperança também nos leva a entender que Páscoa é a grande oportunidade que Deus nos concede para recordarmos que estamos neste mundo de passagem.
A Páscoa surge como um tempo de atos de piedade e misericórdia, leitura e reflexão na Palavra de Deus, orações, arrependimento e prontidão para ouvirmos o Espírito de Deus e humildemente e com esperança celebrarmos a Ressurreição do Senhor Jesus. Ressurreição que acontece a cada dia na vida de homens e mulheres que estão com o desejo de viver em novidade de vida. A Igreja que está com o "lombo cingido, sandálias nos pés e cajado na mão," e com os olhos voltados para Jesus como afirma o livro de Hebreus: "olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus, o qual em troca da alegria que lhe estava proposta suportou a cruz, não fazendo caso dos maus tratos, e está assentado à destra do trono de Deus" (Hb 12.2), será portanto, uma Igreja pronta e disposta a "Testemunhar a Graça e fazer discípulos e Discípulas",
Entendo discipulado como define a Igreja Metodista:

Discipulado é o modo de vida, o estilo que caracteriza a vida daqueles que estão comprometidos com o Reino de Deus, que fazem da Nova Justiça, ou seja, dos valores éticos e da justiça do Reino uma prioridade na sua vida e que se dedicam integralmente ao serviço cristão, ao evangelismo e ao testemunho, em cumprimento à vontade de Deus Pai.
Esse modo de vida é descrito, principalmente, no Sermão da Montanha (cf. Mt 5, 6 e 7).
Discipulado é uma maneira de ser em que as pessoas se relacionam, entram em comunhão, acolhem umas as outras, compartilham o que são, sentem e carecem; oram umas pelas outras, louvam e adoram ao Senhor juntas, estudam a Palavra à luz da Graça, da experiência e da razão da comunidade da fé. Nesse sentido, vivem e cumprem o que a Palavra nos diz:

• Levar os fardos uns dos outros - Gálatas 6. 1-2;
• Acolher-se mutuamente conforme Cristo nos acolheu - Romanos 15.7;
• Apoiar, ser o suporte uns dos outros - Colossenses 3.13;
• Perdoar-se mutuamente - Efésios 4.32;
• Expressar o amor mutuamente - Efésios 5. 1-2;
• O mais forte é convidado a suportar e ser o suporte do mais frágil - Romanos 15.1;

Cristo e sua comunidade apostólica experimentaram esse estilo de vida. Wesley vivenciou essa mesma realidade da vida cristã em suas comunidades primitivas. Dessa forma, o processo de santificação tornou-se de alcance pessoal e social. É na vivência da comunidade que a dinâmica do Discipulado é desenvolvida. Ele não é algo isolado, mas integrado aos propósitos básicos missionários da Igreja, comunidade viva do Corpo de Cristo.

Páscoa é tempo de contrição, de comprometer-se com a Palavra de Deus, de tornar-se e fazer discípulos e discípulas, de preparação para possibilitar um tempo de ressurreição que envolva a totalidade de nossas ações no cotidiano e renove a esperança de uma nova vida que não sinalize o mundo presente, mas aponte sempre para um futuro promissor. Com orações desejamos a todos os irmãos e irmãs que este tempo de Páscoa aponte sempre para um tempo de ressurreição. Que sejamos as testemunhas da vida nova que "jorra dos braços da cruz".

Geoval Jacinto da Silva
Bispo Honorário da Igreja Metodista


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