Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013
Palavra Episcopal: bispa Marisa relata o divino e humano na Quaresma
Do banal à vida
Em Quaresma e Semana Santa – Evangelho de Marcos – Cap 08 a 10
Então tomou uma garota e a colocou no colo. Isto depois de um dia longo. Caminhada puxada de Betsaida até Cafarnaum. Os últimos dias estiveram marcados por sentimentos ambíguos. Ele sabia que o tempo estava se exaurindo. Jerusalém seria o próximo grande desafio a ser enfrentado. Certamente seria preso, julgado, condenado e padeceria de morte cruel. Por outro lado, inauguraria o tempo mais sublime para toda a humanidade: a vitória definitiva sobre toda e qualquer ameaça à vida. Esta sim, era a grande motivação de seguir para Jerusalém, houvesse o que houvesse.
1. O banal se manifesta
Ele vivia o tempo em que a bifurcação do caminho estava cada vez mais clara. Aproximava-se cada vez mais o tempo de escolher entre seguir em missão ou retroceder e... caso persistisse em obediência a Deus, traria mais ira dos poderes da terra e das trevas sobre si. Caso negociasse os princípios do seu Pai, então teria mais tempo e vida aqui nesta terra. Assim se dava a luta entre a carne e o Espírito.
Enquanto isto os discípulos só conseguiam ver o óbvio. Não enxergavam o Tempo da Quaresma – ou seja, o tempo da proximidade do fim, pelo qual passava Jesus, divino-homem. Tempos de muito mistério se misturavam com o de trivialidades. Assim Deus se revela ao mundo: só percebe o incomum aquele/a que se dispõe a ouvir a voz do Filho.
2. O divino se manifesta
De muitas maneiras Jesus ensinava aos seus discípulos. Mas os olhos deles estavam embotados pelo comum. Não conseguiam ir além dos preceitos e rudimentos do “século” (como dissera Paulo aos Romanos, 12:1e2). Exemplos disto:
a. Jesus pergunta a Pedro: “quem você diz que eu sou?...” E Pedro responde: “És o Cristo, o Filho do Deus vivo”. E Jesus diz: “quem gastar [a vida] com a missão do meu Pai, então alcançará vida eterna”. Mas logo depois Pedro diz a Jesus: “O Senhor não irá a Jerusalém”. Pedro sabia que Jesus não seria bem recebido em Jerusalém, e tenta livrá-lo deste perigo. Jesus estava pronto a entregar-se em Jerusalém para salvar toda humanidade. Por isto Jesus diz a Pedro: “Afasta-te de mim, Satanás.” Tentar desviar Jesus da cruz é caminho de quem está a favor do diabo e do seu séquito.
Pedro não queria confronto com ninguém. Ele queria mesmo era que Jesus reinasse aqui nesta terra e estabelecesse um Reino de poder. Este é o típico CAMINHO LARGO. Não foi à toa que Jesus chama a Pedro de Satanás, e pede que se afaste Dele. Ele viera para seguir pelo caminho dos ensinamentos do seu Pai. E o preço disto seria a rejeição de muitos/as, a ponto de condená-lo à morte. É sempre assim – quem manda neste mundo (ou pensa que manda) costuma concluir que pode tirar a vida de quem se coloque em seu caminho. Jesus não temia os poderes deste mundo, sabia em quem cria e que Este era poderoso para guardar o tesouro dele até o dia final. Prá enfrentar esta muralha Jesus busca força do alto. Chama Pedro, Tiago e João para orarem com Ele no monte. Ali clama por Deus e é visitado. O alimento para a fidelidade é a intimidade com Deus. E Pedro, mais uma vez, não entende a mensagem celeste. Ele quer que aquela visitação de Deus permaneça para sempre. De novo Deus tem que intervir e dizer: “Pedro, se você quer mesmo ver a minha Glória, então ouça o que o meu Filho diz... Ele é o Todo-Poderoso, que não me negará ainda que tenha que padecer. Vá e faça o mesmo”.
b. Quando descem do monte, Jesus liberta um jovem das garras de satanás. Entretanto os discípulos se envolvem numa outra discussão: “quem de nós será o maior no Reino de Jesus?”. Que discussão comum e tola.... Só Jesus prá ter paciência com tal cegueira humana!
c. Mais uma vez Jesus chama os discípulos para o tempo de quaresma. Ele toma uma criança no colo e afirma: “quem receber a esta criança, a mim me recebe. E quem me recebe, recebe ao Pai.
3. Divino e humano se encontram na Quaresma
Jesus convida os discípulos a repensarem a vida, a se autoanalisarem e a perceberem os seus pecados. E que destes se arrependessem. É disto que Jesus fala ao colocar esta criança no colo. Considere:
a. Que valor tinha a criança para aquele mundo judeu? Alguém pensaria que recebendo uma criança estaria recebendo o Filho de Deus?
b. Receber uma criança seria o mesmo que rever os conceitos e preconceitos. Para Jesus a criança é vida dada por Deus e deve ser vista e tratada como tal. Para isto é necessário conversão aos princípios de Deus para que os conceitos de maior e menor sejam revistos a partir daquilo que Deus considera grande.
c. Receber uma criança é olhar para o mundo com os olhos de Deus. A aparência não conta mais que o conteúdo. A justiça é mais que o domínio.
d. Enfim, receber uma criança é dispor-se a colocar-se como aprendiz, para ouvir de Deus o que realmente importa. É submeter-se e servir a Deus, que é amor/ação.
Conclusão
Em Deus, o divino se revela em meio ao banal. E é o único poder que pode dar novo sentido ao que já parece estabelecido, imutável e cruel. Por isto mesmo só nos cabe uma atitude: decidirmo-nos pela cruz de Cristo e caminhar. Sempre revivendo a quaresma, na certeza de que a ressurreição é o evento final. Em Deus a morte se reveste de vida. Deus é maior que a morte e, ainda que a humanidade nos faça passar pela morte, ainda assim o que nos está destinado é a ressurreição.
Que Deus nos ajude a tomar as crianças no colo e aprender com elas. Que elas nos inspirem a crer que Deus, que a tudo vê, jamais se esquece dos/as pequeninos/as. E a todos/as estes/as está destinado o canto de vitória: “Quando lá do céu descendo para os seus Jesus voltar...”. Que o Senhor nos livre de construir tendas nos nossos montes da transfiguração, enquanto o pecado assola o vale logo ao pé do monte.
Que o Senhor nos ajude,
Marisa de Freitas Ferreira,
pastora no exercício do episcopado
Bispa Remne – Região Missionária do Nordeste