Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013

Palavra Episcopal agosto 2008

 

Paulo de Tarso de Oliveira Lockmann - Bispo na 1ª RE

"Dize-nos quando sucederão estas coisas e que sinal haverá da tua vinda e da consumação do século." (Mt 24.3b).

Os capítulos 24 e 25 de Mateus são parte do que se convencionou chamar de o apocalipse sinótico[1], cujos paralelos são Marcos 13 e Lucas 21. O apocalipse não é somente o último livro da Bíblia, mas uma forma de escrever um gênero literário que existe desde o Antigo Testamento.

O nome vem do verbo apokalipsô - revelo[2]. Assim, apocalipse é um escrito, fruto de revelação; esta é uma definição simples, embora tecnicamente o tema seja mais complexo.

No versículo citado, a pergunta dos discípulos já supõe um apocalipse, pois, em essência, eles pedem uma revelação a Jesus.

Por que, afinal, o bispo resolveu escrever acerca deste tema? A razão é que há muito tempo irmãos pedem para que eu escreva sobre o assunto "Juízo de Deus", "final dos tempos". O que vou escrever é uma breve aplicação do tema, pois nosso espaço não permite mais do que isso.

A questão é de difícil colocação, pois há quem manipule o tema para afirmar convicções pessoais; começa com a Bíblia e sai dela divagando ou inventando linguagem simbólica.

Jesus preveniu que alguns haveriam de usar o tema apocalipse-escatologia para enganar. Antes de iniciar seu ensino, Ele disse: "Vede que ninguém vos engane." (Mt 24.5).

Assim, o Juízo de Deus, na linguagem de Jesus nos Evangelhos, se dá diante de um processo histórico, onde o alvo é resgatar a justiça, o amor e a paz existentes no Jardim do Éden, Deus restabelecendo o ideal da criação, reconciliando o mundo criado entre si e com Ele. Evidente que há os que resistem aos intentos de Deus. Mas Deus cumprirá todos os seus planos, assim já diz um dos nossos belos hinos (HE 414, 1.ª):

Os seus intentos cumpre Deus / No decorrer dos anos.

Ele executa o seu querer / De acordo com seus planos.

Eia! Aproxima-se o final!...

O princípio das dores (Mt. 5-14).

Nossa realidade já está impregnada das sentenças proféticas e apocalípticas de Jesus.

"Muitos virão em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo." (Mt 13.6). Nossa história é pródiga em produzir pessoas que pretendem ser "o messias", o salvador da pátria. Quando pensamos neste texto, nos vêm à mente figuras de líderes religiosos; mas não são só eles que se insinuam como messias. Políticos, como Hitler, na Alemanha e Franco, na Espanha, pretendiam ser salvadores do povo. Em virtude disso, praticaram todo tipo de maldade e violência - fruto da arrogância de quem se imaginava o "Cristo",sem o ser. Grupos religiosos e líderes religiosos seguem, hoje, o mesmo caminho: eu sou o messias, nós somos a única "Igreja", e, nesse nome, praticam a exclusão, e desandam a agredir outros.

A Igreja tem sido, algumas vezes, autora desse messianismo, mas, mais freqüentemente, vítima. Recordemos entre nós: há só um Messias - Jesus. Quase sempre tais messias começam humildes, abençoados, mas a excelência do poder de Deus em suas vidas sobe à cabeça e passam a se julgarem bons reformadores da Igreja, e não há mais limites para a arrogância. Esquecem que "Deus é o Juiz; a um abate, a outro exalta." (Sl 75.7).

Hoje, estamos mergulhados em guerras: "... ouvireis falar de guerras e rumores de guerra... (Mt 24.6b). Sabemos que, historicamente, a humanidade tem convivido com muitos mais ciclos de guerra do que de paz. Nestes dias, quando há guerra no Iraque, e em muitos outros lugares, sentimos o coração apertado, diante da cena de tanta morte. Especialmente nós, que vivemos nas grandes áreas urbanas do Brasil, onde diariamente morrem mais vítimas inocentes do que no Iraque.

Esta dor de um mundo mergulhado em violência, algumas promovidas por líderes religiosos, cristãos e islâmicos - de um lado George Bush, de outro Bin Laden - e, na retaguarda deles, teólogos justificando a barbárie contra a criação de Deus. No texto de Mateus, a guerra é citada como sinal que se opõe a Deus: a guerra é produtora de morte, é contra o Deus da vida, a guerra gera fome e destruição; Deus quer gerar entre nós fartura e vida plena para todos (cf. Mt 24.7). Este tempo de guerras trará tribulação (cf. Mt 24.9); os que anunciam o nome de Jesus e seu Evangelho serão odiados (cf. Mt 24.9), pois os interesses do mundo estarão longe de Deus. O sucesso econômico, seu domínio, justifica a morte e a violência, como de fato já ocorre.

Isto nos aponta, ao fim, à Escatologia, que não pode ser perdida de vista no horizonte teológico-missionário da Igreja. Sob pena de decidirmos que é normal toda esta barbárie que estamos vendo. O apocalipse nos aponta que precisamos resistir, orar, pregar que este não é o mundo que Deus deseja para nós.

Duas revelações Jesus enseja contra este horizonte apocalíptico das dores: 1) "Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo." (Mt 24.13); 2) "E será pregado este evangelho do reino por todo o mundo, para testemunho a todas as nações. Então, virá o fim." (Mt 24.14).

Perseverar nos caminhos de Jesus, como exigência do Evangelho.

Precisamos ser cristãos/ãs que se espelhem só em Jesus. Resistirmos aos salvadores da pátria, aos falsos messias, que só desejam usar o povo em benefício próprio. Afinal, nossos olhos estão postos em Jesus: queremos amar como Ele amou, andar como Ele andou, olhar como Ele olhou (cf. Mc 10.21). Esta é nossa fé, e nela perseveramos. Resistimos ao clima do momento, da falta de fidelidade e santidade na vida dos cristãos, da transitoriedade da experiência religiosa, e da banalização da transcendência.

Por isso é cada vez mais intensa a migração de crentes entre as igrejas; não existe mais fidelidade denominacional, convicções doutrinárias; o que vale é como eu vou ser abençoado, como vou resolver meus problemas. Está decretado o fim da escatologia, pois poucos se interessam com o destino eterno da alma humana. Com isso, até o conceito de salvação foi alterado: salvação é o emprego melhor, a cura da enfermidade. Conversão, então, está definitivamente, recontextualizado no meio evangélico: se você vai à igreja regularmente, dá o dízimo, a oferta de sacrifício, está salvo, é um "crente".

Posso estar fazendo uma caricatura da realidade, mas que a situação é de preocupar, isso todos sabemos.

O certo é que o Evangelho é claro, não dá para esconder: Jesus voltará e julgará os vivos e os mortos. Isto também firmamos no credo apostólico. Como estamos preparando a Igreja para esse grande dia?

Pelo que Jesus diz, todos os povos da terra se lamentarão. Por que farão isso? Porque ouviram a mensagem e não a levaram a sério. Alguns até ridicularizaram e, ao invés de pregar a fé em Cristo e na sua vinda, pregaram incredulidade.

Veremos o Filho do Homem vindo com poder e glória. Que grande dia! Precisamos ter isso em conta, pois é parte central da mensagem de Jesus e de sua Igreja desde o início (cf. Mt 24-25).

Cito as seguintes referências bibliográficas:

Schweizer, Eduard. Das Evangelium nach Matthäus. Gottingen: Vandenhocck. &. Ruprecht. 1981. p. 312.

Robinson, Theodore H.. Gospel of Mathew. Londres: Hodder & Stoughton Ltd. 1960. p. 208.

Charpentier, Etieme. Leitura do Evangelho de Mateus. São Paulo: Edições Paulinas. 1982. p. 90-91.

João Wesley. Sermões de Wesley. São Paulo: Imprensa Metodista. 1954. p. 133

[1] Evangelhos sinóticos são os evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, porque coincidem muito de sua visão conjunta da narrativa do ministério de Jesus.

[2] A. Van Den Born. Dicionário Enciclopédico da Bíblia. Petrópolis: Vozes. 1977. p. 92.


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