Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013
Palavra Episcopal abril 2007
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Paulo Lockmann, Bispo da 1ª Região Eclesiástica 1. A morte expiatória A primeira parte do relato acima apresenta o tema da morte e sofrimento do Messias como expiatório; por isso, a expressão: "É necessário que o Filho do homem sofra muitas coisas..." (Mc 8.31). Tal idéia está presente na figura do servo sofredor de Isaías 53, e que foi vista pela Igreja Primitiva como anúncio do sofrimento que Jesus, como Messias, veio a padecer. A reação de Pedro, no texto citado, de preservar seu Mestre da morte, mostra a rejeição judaica à morte de cruz, e também o tipo de esperança messiânica existente em Israel nesse tempo, ou seja: |
Que o Messias haveria de ser rei como Davi, restabeleceria o domínio de Israel sobre as nações vizinhas, e a libertaria do jugo do opressor e estrangeiro. Isso prova que a mensagem de Isaías, do servo sofredor, ou de um Messias crucificado, não era bem aceita. E, penso, continua tendo resistência. Há igrejas e movimentos religiosos que negam o sofrimento, tentam construir uma teologia sem expiação, mas não há expiação sem sofrimento. E não há missão sem sofrimento. (2 Co 11.23).
2. A mensagem da cruz
A cruz é, sem dúvida, um elemento de perplexidade, de escândalo. Ela assume o centro da proclamação, e a ceia é uma forma de explicar o mistério da cruz. A mensagem da cruz assume um lugar de sentido vital para a cristologia da Igreja Primitiva, e, por que não dizer, contemporânea. Segundo os Evangelhos, não há Jesus sem cruz, não há Igreja sem cruz. Há um sério equívoco quando nossa pregação anuncia apenas a ressurreição, pois não há ressurreição sem morte, e a morte de Jesus, como deixaram bem claro os sinóticos, foi a mais rejeitada e sofrida. A cruz é uma forma de denúncia diante de um estado imperialista como o romano, diante de uma religião acomodada e opressora como o farisaísmo e o templo de Jerusalém, diante de todo e qualquer pecado. A cruz de Cristo, ademais de sentido expiatório, foi profética: todos os cristãos têm uma cruz a enfrentar e tomar. Não mais expiatória, mas profética, ministerial e missionária. (cf. Mc 8.34-38).
3. A morte de Jesus na cruz
Desde a antigüidade cristã, era preciso anunciar e explicar o fato da morte de Jesus numa cruz. O que representava um grande escândalo para os judeus, visto que a cruz era um sinal da dominação romana (cf. Lc 24.20-26). Como um condenado à morte de cruz poderia ser o Messias? Não seria ele um sinal de insubmissão ao imperialismo romano? Não seria um "maldito", segundo os critérios da Lei mosaica (cf. Gl 3.12-13)? Portanto, como ser seguidor de um crucificado nesse mundo dominado pelo poder imperial romano e pela lei mosaica?
Assim, o anúncio da morte na cruz é a célula básica de toda a narrativa evangélica, e o ponto de partida para a compreensão mais profunda do sentido da missão redentora e libertadora de Jesus (cf. Mc 10.45). O anúncio da morte de Jesus na cruz é o princípio da compreensão do sentido redentor da vida, morte e ressurreição de Jesus. (cf. Fp 2.6-11). Além de representar uma denúncia da morte do inocente, há uma identificação permanente na mensagem da cruz com a morte de todos que sofrem o efeito da violência. Não para resignação, mas para a resistência, a denúncia e a luta.
4. Ressurreição: uma visão bíblica.
"E que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. E apareceu a Cefas e, depois, aos doze". (1 Co 15.4-5).
Este é o testemunho escrito mais antigo sobre a ressurreição que a Igreja possui, pois sabemos serem os textos paulinos anteriores aos Evangelhos do Novo Testamento. Essa fórmula encontrada em Paulo era, de certa forma, uma afirmação de fé da comunidade primitiva, a qual é tomada do ambiente cultual dessa comunidade e usada por Paulo ao discorrer sobre a ressurreição em sua primeira Epístola aos Coríntios.
Vemos, nos escritos paulinos, assim como em todo o Novo Testamento, a vitalidade da mensagem da ressurreição; os acontecimentos pascais moldaram a própria teologia de Paulo.
Numa biografia de Jesus, se poderia considerar sua crucificação e morte como uma etapa que tenha sido superada pela ressurreição, como vitória da Vida sobre a Morte. Não obstante isso, Paulo não pensa assim sobre a pessoa de Cristo, pois, para ele, é importante ensinar que o Ressuscitado é o Crucificado, e o Crucificado é o Ressuscitado.
A ressurreição dá significado à morte de cruz, e em levar a sério a crucificação de Jesus e sua importância como quem se identifica até o extremo com os pecadores; enfim, com a gente sofrida de Israel, e, por extensão, com todos os homens e mulheres.
5. Ganhando Vida diante da Morte
O texto, ao apontar a tomada da cruz como elemento fundamental da mensagem cristã desde a Igreja Primitiva, mostra, também, uma inversão da lógica humana e, principalmente, de nosso mundo materialista; ou seja: quem, no Reino de Deus, dá sua vida, de fato, está ganhando-a; e quem a retém, de fato, está perdendo-a. Este foi o ensino de Jesus:"Quem quiser, pois, salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por causa de mim e do evangelho salvá-la-á. Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?" (Mc 8.35-36). Hoje, também, as pessoas estão querendo ganhar o mundo todo, mas estão perdendo a vida, e, com ela, os valores morais e éticos. Hoje, para possuir bens neste mundo, a maioria perde a paz, a alegria e o sono tranqüilo. Nós nos deparamos com uma constante inversão de valores: os projetos pessoais e materialistas querem se sobrepor à dinâmica do Espírito do Ressuscitado, que edifica o Reino de Justiça em oposição ao reino da morte e da violência.