Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013

Ouvindo a voz de Deus

Ouvindo a voz de Deus

Numa tarde de segunda-feira, enquanto lia o artigo "Deus é Pobre!" da seção "Ação mais que social" da edição 314 da revista Ultimato, me lembrei que em outubro fez onze anos que tive uma experiência muito forte em minha caminhada de fé e ministério pastoral.

Tudo aconteceu no dia 31 de outubro de 1997, quando estávamos reunidos na Igreja Metodista em Vieira Fazenda (Jacarezinho), em uma vigília de oração que tinha como tema "A Reforma".Já era cerca de 23h30 e o Ministério de Louvor estava nos conduzindo a um momento de adoração. Eu estava próximo à porta do templo quando um membro da igreja que morava na parte alta do Jacarezinho (naquela ocasião aquela parte era conhecida como Azul) chegou e pediu que tivéssemos um momento de oração em prol de um rapaz que estava amarrado em um poste na Fazenda (local abaixo do Azul e muito violento) e que morreria à meia-noite.

No momento em que aquele irmão fez seu pedido de oração eu simplesmente disse a ele que iríamos orar. Minha resposta foi seca e sem nenhum comprometimento com o próximo. Todavia, após alguns segundos ouvi uma voz muito clara que me dizia: "Se fosse meu servo João Wesley, o que ele faria?". Então olhei para frente e vi minha esposa ministrando o louvor, vi meu rebanho envolvido naquela ministração, a grande maioria com suas mãos levantadas em adoração, inclusive eu... mas aquelas palavras que ouvi foram tão profundas e possuíram um peso tão grande sobre minha inércia que saí de um estágio de contemplação para entrar em outro estágio: o da angústia. Foi quando ouvi aquela mesma voz pela segunda vez: "Você que fala tanto do meu servo, o que vai fazer?"

A angústia crescia em meu peito e uma pergunta me consumia: O que devo fazer? Simplesmente não sabia! Quando olhei de novo para frente observei que um dos mais recentes convertidos e que havia saído da marginalidade estava ali bem perto de mim. Sem muito tempo para pensar, pois precisava ter uma resposta para aquela voz, fui até ele e perguntei se ele poderia me levar até o Lambari (chefe do tráfico naquela ocasião). O irmão não entendeu muito bem e perguntou se era naquele momento. Ao falar que sim, chamei um dos evangelistas e participei a ele o que eu iria fazer, mas que ele não falasse com ninguém. Ele orou e quando eu estava saindo ainda pude ver meus três filhos que também adoravam ao Senhor. Confesso que fui tomado por um sentimento misto de temor e necessidade de ajudar alguém que tinha apenas uns vinte minutos de vida.

Fomos da Praça da Concórdia até a Praça XV (dois extremos da comunidade) em poucos minutos, na verdade mais correndo do que andando. Por ser uma sexta-feira, noite de calor, aquele lugar estava completamente cheio de usuários de drogas e de "soldados" do tráfico para manter a segurança do local; eu nunca tinha visto aqueles "soldados" tão bem armados. Chegando lá, pedimos para falar com o Lambari, mas fomos informados que ele não estava no morro. Então perguntei com quem poderia falar na ausência dele e graças a Deus o responsável, o Batata, estava naquele lugar contando os "pacos de dinheiro". Identifiquei-me como pastor metodista e pedi para falar com ele, sendo prontamente atendido. Fui direto ao assunto e pedi que ele mandasse soltar o dito rapaz e então ele me perguntou se o rapaz era meu conhecido, a minha resposta foi que não, mas que aquela vida tinha um valor grande para Deus e por isso eu estava ali.

Após um pequeno diálogo ele me deu uma palavra desanimadora: disse que o rapaz estava na Fazenda e quem estava sobre o controle daquela área era o Robinho (esse era o bandido mais temido da comunidade por causa da fama de sua crueldade) e me perguntou se eu iria até lá. Após consultar o relógio observei que tínhamos dez minutos e, então, disse que iria.

 

Mosaico em um muro da favela do RJ

 Tivemos que andar ainda mais rápido e para ganharmos tempo resolvemos nos arriscar e cortar caminho pelos becos, passamos próximo ao Posto Policial e, quando estávamos chegando a uma pequena boca de fumo que também funcionava como posto de sentinela avançada, tivemos dificuldade de subir o beco, pois estava tudo escuro e eles nos confundiram com policiais. Logo assim que conseguirmos nos identificar fomos autorizados a subir e tive que relatar toda a história outra vez.

Quando pedi para falar com o Robinho não fui autorizado, mas prontamente o rapaz foi até ele para contar a nossa história. Passados alguns minutos que pareciam uma eternidade, aquele jovem veio ao nosso encontro e nos disse: "Pode ficar tranqüilo, o rapaz está sendo salvo". Como aquelas palavras alegraram o meu coração! Agradeci àquele grupo que nos atendeu tão educada e prontamente e descemos o morro e agora eu tinha uma resposta para aquela voz: "Fiz o que acredito que Wesley também faria!"

A alegria que tomava o meu interior tinha dois motivos. O primeiro era pela vida daquele rapaz que eu não tive a oportunidade de conhecer, mas que era o meu próximo. O segundo motivo era a certeza daquela voz ter sido a voz do Senhor e eu ter sido um instrumento dEle para o bem de outro.

Na terça-feira feira que se seguiu a tudo isso, ou seja, no dia 3 de novembro, fiquei sabendo por intermédio de um rapaz que eu conhecia e que trabalhava no tráfico da área da Fazenda que o Batata ligou para o celular do Robinho e determinou que ele libertasse o rapaz porque "um pastor foi pedir por ele".

Posteriormente algumas pessoas me perguntaram se eu não tive medo, e com sinceridade disse que inicialmente tive, mas depois comecei a entender que se aquele questionamento era da parte de Deus eu não deveria temer, pois Ele seria o meu "escudo". A partir daí comecei a me envolver em uma série de situações que pareciam loucura, mas sempre quando tinha a certeza que estava sendo impulsionado pelo Espírito de Deus.

 

Clóvis Barbutti Lessa

Pastor da Igreja Metodista em Jardim Redentor

Distrito de São João de Meriti/1ªRE


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