Publicado por Sara de Paula em Colégio Episcopal - 05/06/2020

Oração, caminho de esperança | Carta pastoral do Colégio Episcopal da Igreja Metodista

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Imagem: Ruas de Recife na pandemia do Covid-19 | Andréa Rêgo Barros/PCR | Fotos Públicas
 

Oração, caminho de esperança
Carta pastoral do Colégio Episcopal da Igreja Metodista

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Tenho chorado até me secarem as lágrimas; o meu coração está quebrantado, tenho o espírito profundamente deprimido, por ver o que aconteceu ao meu povo; criancinhas e bebés desfalecem e morrem no meio das ruas. “Mãe, mãe, quero comer!”, gritam elas e ficam-se sem vida no seu colo. São vidas que partem como se fosse numa batalha. Alguma vez no mundo terá havido tristeza semelhante? Ó Jerusalém, com que poderei comparar a tua angústia? Como poderei eu confortar-te, Sião? Porque o teu mal é profundo como o fundo do mar. Quem poderá curar-te? (Lamentações de Jeremias 2.11-13)

Um cenário de adversidades

Desde o início da pandemia da Covid-19, o mundo tem testemunhado os efeitos devastadores da doença, mas também de toda a desigualdade econômica, social e cultural que ela deflagrou. Como estamos em um tempo de intensos debates políticos e ideológicos em todos os continentes, muito do foco que deveria estar no cuidado e tratamento das pessoas nas diferentes cidades e países acabou sendo desviado.

E quando a situação chegou ao Brasil, vivemos esses mesmos efeitos e outros até mais avassaladores, por causa de nosso histórico e momento. Mais de trinta mil pessoas brasileiras estão mortas pela Covid-19, segundo os dados do Ministério da Saúde neste começo de junho. Certamente que muitas outras pessoas, portadoras de outras enfermidades, também faleceram devido ao fato de que muitos hospitais estão lotados, particularmente em alguns Estados da União, como o Pará, o Rio de Janeiro e São Paulo, com maior destaque.

Nós, povo metodista, não estamos isentos de toda esta situação, inclusive de ver membros de nossas comunidades e famílias morrendo, como tantas outras vidas preciosas partindo desta terra, sem ao menos a possibilidade de despedida. Perdemos pessoas de fé, líderes comprometidos, homens e mulheres do corpo clérigo e também do corpo leigo da Igreja. Diversas famílias aflitas com suspeitas e diagnósticos. Gente internada em hospitais ou se cuidando em casa. Orações esperançosas por cura e por vacinas se misturam a gritos de dor pelas ausências irreparáveis.

Desdobramentos da crise

Olhando para nosso dia a dia, lamentamos com dor de alma que ao lado da Covid-19 vimos crescer os casos de violência doméstica contra crianças e mulheres, vimos o agravamento do racismo ou ao menos sua exposição crua nas redes sociais, vimos aumentarem as tensões entre grupos sociais e até mesmo a agressividade nas ruas.

A falta de conscientização da população sobre as medidas de cuidado, incluindo o evitar as aglomerações, aumenta a insegurança e propicia estresse e agressividade, como ocorreu com uma médica atacada pelos participantes de uma festa, recentemente noticiado nos meios de comunicação. Além disso, a falta de cuidado coloca em risco a saúde das pessoas que estão à frente de serviços essenciais, como de abastecimento e saúde.

Inspiração na Palavra de Deus

Diante deste quadro nos lembramos do profeta Jeremias. É preciso assumir a dor do luto, da perda. Uma dor como nunca antes sentida, porque o luto deixou de ser uma experiência de famílias ou de grupos para se tornar um clamor nacional, um clamor mundial. A amplificação desses sentimentos aumenta a ansiedade, a depressão, a melancolia, em muitos corações. Mais do que nunca, apesar do isolamento social, faz-se necessária uma solidariedade prática e emocional que dê sustento a cada um e a cada uma de nós.

Encarar a dor

Jeremias não escondeu sua dor. Ele a escancarou e procurou os motivos pelos quais o povo passava por aquela situação. Jeremias atribuiu a situação ao pecado do povo e especificou alguns deles em seu livro. Não cremos, à luz do entendimento da graça de Deus, que uma pandemia desta seja um castigo divino. Pensar assim é desqualificar o amor de Deus. As pessoas que perdemos e que conhecemos não eram perversas, desprovidas de misericórdia, incrédulas ou sem temor do Senhor. E das muitas que nós não conhecemos, certamente receberemos o mesmo testemunho de quem as amava. Se existe um juízo deste tipo, ele deveria recair, segundo o entendimento meritório, apenas sobre os pretensos culpados e culpadas do infortúnio e da maldade...

Mas não é assim. O coronavírus não escolhe suas vítimas por credo, etnia ou gênero. No entanto, ele faz maiores vítimas entre determinados grupos sociais dada a realidade da fragilidade econômica, do distanciamento de locais de tratamento, da pobreza, da falta de recursos, da ausência do poder público efetivo. Assim, vemos aumentar o número das pessoas que morrem nas periferias, nas aldeias, entre os grupos indígenas, nas comunidades... A velocidade com que a doença se propaga não conhece os limites das fronteiras e, apesar de muitos cuidados, gente atenta, preocupada, obediente, também sofre seus efeitos fatais.

Como Jeremias enquanto andava pela cidade, nós – diante dos noticiários – não podemos ignorar a dor de quem sofre. Não podemos minimizar as perdas ou ignorá-las. O luto precisa se tornar real.

Na Bíblia, uma das formas mais profundas se expressar dor é guardar silêncio. Diante das pessoas de todas as faixas etárias, de todas as classes sociais, de todas as histórias de vida que se vão, nós nos calamos. Não há palavras que sejam capazes de conter as sensações de descontrole da vida, de perdas tão essenciais, de lutos incompletos sem velórios e despedidas que nos ajudem a processar a situação de modo saudável. Calamos, porque a dor é muita.

Denunciar o erro

Mas diante do cenário político, econômico, social, aí Jeremias gritou. Conclamou as pessoas do poder a reconhecer que suas estratégias para conter o mal foram insuficientes, ineficazes ou limitadas. Chamou-as a observar a dor do povo e a desenvolver empatia, afeto, humildade. Despertou sacerdotes, reis e príncipes para sua tarefa de consolar, suportar e alimentar o povo. Reforçou que o pecado social traz consequências físicas, emocionais, espirituais e psicológicas e que, por isso, era preciso o arrependimento. Porque na tarefa pública, o profeta não pode calar.

Sendo bastante honestos e honestas diante da nossa realidade, amados irmãos e irmãs, vemos que os problemas enfrentados por Jeremias são, na justa análise, os mesmos que os nossos. Um problema de saúde pública como a doença ou algo como a invasão por um inimigo externo faz com que as lacunas e rachaduras da vida social que já existiam se tornem ainda mais aprofundadas. As lideranças, de qualquer natureza, não podem se omitir em seus papéis. Seu desempenho público aumenta a sensação de segurança ou de insegurança. Sua clareza ao falar faz com que o povo saiba em que direção seguir e o que aguardar. Sua postura conciliadora traz paz e permite aguardar com tranquilidade.

Que possamos nos colocar de pé diante da injustiça, mas protestar com a veemência profética, sem nos deixar amargurar pelo ressentimento, pela raiva, pela indignação que não opera a justiça divina. E que, na esfera em que exercemos nossa liderança, possamos, pelo exemplo imitador de Cristo Jesus, vencer o mal com o bem, ter a palavra da verdade, ministrar cura, libertação e acolhida e proclamar a salvação – que é de corpo, de alma, de espírito. Salvação que é social, que é comunitária, que é do Reino de Deus.

 

Tempo de posicionamento

Precisamos nos posicionar de modo distinto em meio a tudo isso. E não podemos deixar de mencionar o uso indevido de recursos públicos de um lado, a falta de estratégias efetivas de outro, bem como as disputas pessoais e políticas entre as diversas figuras de poder, que aumentam a insegurança não apenas da população, mas também dos mercados internacionais, podendo agravar ainda mais os aspectos econômicos presentes e futuros.

Jeremias, no capítulo 3, disse que queria trazer à memória aquilo que pudesse dar esperança. Ao olhar para as vidas que foram perdidas nestes últimos meses e o cenário difícil que ainda se coloca diante de nós, de acordo com os prognósticos, devemos nos lembrar que Deus colocou em nós uma força e uma resiliência, a força do Espírito, para resistirmos ao impulso do mal.

Que possamos nos alimentar da esperança de dias melhores, da alegria da partilha, da misericórdia que socorre ao necessitado e à necessitada.

Que a nossa dor não nos impeça de reconhecer as bênçãos e o cuidado de Deus, e que o limite de recursos não limite nossa ação solidária, de repartir o pão, ministrar o consolo, anunciar o amor de Deus.
 

Oração, caminho de esperança

Como Colégio Episcopal, nós nos reunimos toda semana desde o início desta pandemia. Semanalmente, todos e todas nós oramos juntos pela vitória contra todo tipo de mal. A cada semana nós apresentamos nomes, igrejas, comunidades, diante do trono de Deus. Desafiamos nossas igrejas locais a orar também, pelo menos uma vez por semana, organizando-se em um só propósito, de mobilizar os céus a nosso favor, clamando por misericórdia.

Oramos e seguiremos orando, ministrando junto ao corpo pastoral palavras de encorajamento e vida que sejam reproduzidas nos púlpitos, lives e mensagens, chegando ao coração do povo. E nos colocamos na torre de vigia para saber que resposta teremos do Senhor, Ele que reina sobre tudo e sobre todas as pessoas.

Inspiremo-nos no profeta Daniel (Daniel 9) e oremos, entendendo que o pecado de nosso mundo, de nossa nação e de nossas comunidades locais é também nosso e que, como intercessores e intercessoras, podemos nos mobilizar, ainda, contra as forças espirituais, que não ignoramos operar neste momento caótico de nossa história.

A confissão cura. A confissão muda posturas. A confissão atrai o Reino de Deus e a sua justiça. Colocando-nos, como Igreja, na posição de reparadores e reparadoras de brechas e não como aqueles e aquelas que aumentam o fosso das separações, faremos diferença neste mundo e neste tempo histórico, como uma Igreja que ama como Cristo nos ordenou.

Rogamos ao Senhor nosso Deus que ilumine, direcione e quebrante o coração das pessoas que detêm o poder. Oramos para que uma unção de discernimento e de capacidade de boas escolhas, de vida e saúde, se derrame sobre a população, e que não sejamos reféns de pautas pessoais ou de grupos de quaisquer interesses, enquanto povo brasileiro.

Oramos para que as pesquisas avancem e a cura venha. Oramos para que milagres proliferem no meio das enfermidades, quando o limite humano se coloca como definitivo.

Oramos, com gratidão, por cada profissional da área de saúde e dos serviços essenciais, que têm mantido a população abastecida, informada, segura, e com acesso aos serviços necessários, dando suporte e condições para a população praticar o isolamento social e a quarentena. Pedimos a Deus que lhes dê saúde e proteção.

Oramos pela justiça, pela paz, pelo direito ao cuidado básico que estão em nossos documentos nacionais, no sentido de que se cumpram. Oramos, como ordenou o apóstolo Paulo na carta a Timóteo, para que, ao ouvir Deus nossas orações, nosso povo tenha vida tranquila, em toda a piedade e respeito.

 

São Paulo, 05 de junho de 2020.
Colégio Episcopal da Igreja Metodista


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