Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013

O tribunal divino

Oscar Wilde


Havia Silêncio no Tribunal Divino e o Homem apresentou-se nu diante de Deus.

E Deus abriu o Livro da Vida do Homem.

E Deus disse ao Homem:

- Tua vida tem sido má, foste cruel para aqueles que necessitaram de socorro, para os que careciam de ajuda foste impiedoso e duro de coração. O pobre te chamou e não o atendeste, e os ouvidos conservaram-se fechados às súplicas dos meus aflitos. Em teu proveito te aposaste da herança dos órfãos e soltaste raposas nas vinhas dos teus vizinhos. Sonegaste o pão às crianças e deste-o aos cães para que o comessem. Os Meus leprosos, que viviam nos pauis, em paz e louvando-Me, tu os perseguiste pelas estradas, e sobre a Minha terra, com a qual Te modelei, derramaste sangue inocente.

E o Homem respondeu, dizendo:

- Isto eu fiz.

E, outra vez, Deus abriu o Livro da Vida do Homem.

E Deus disse ao Homem:

- Tua vida tem sido má, a perfeição que demonstrei tem-la negado e não notaste o bem que ocultei. As paredes dos teus aposentos foram decoradas com ídolos e do leito das tuas abominações erguias-te ao som das flautas. Construíste sete altares aos pecados que suportei, comeste o que não se deve comer e a púrpura de tuas vestes era bordada com três marcas ignominiosas. Teus ídolos não eram de ouro nem de prata permanentes, mas de carne perecível. Impregnaste-lhes os pés com açafrão, estendeste tapetes diante deles. Com antimônio coloriste-lhes as pálpebras e com a mirra untaste-lhes os corpos. Perante eles porsternasse até o chão e os tronos dos teus ídolos foram expostos ao ar livre. Exibiste ao sol a tua loucura e à lua a tua ignomínia.

E o Homem respondeu, dizendo:

- Isto, também, eu fiz.

E, pela terceira vez, Deus abriu o Livro da Vida do Homem.

- Má tem sido a tua vida, com o mal tens pago o bem e com a injúria a bondade. Feriste as mãos que te deram o alimento e renegaste os seios que te amamentaram. O que te pediu de beber partiu sedento e o criminoso que te escondeu na sua tenda, à noite, traíste-o antes da aurora. Preparaste uma emboscada ao inimigo que te havia perdoado, o amigo que ia contigo vendeste-o por dinheiro e aos que te trouxeram o amor pagaste com a injúria.

E o Homem respondeu, dizendo:

- Isto, fi-lo também.

E Deus fechou o Livro da Vida do Homem, e disse:

- Naturalmente eu te enviarei para o inferno. Sim, é para o inferno que te enviarei.

E o Homem gritou:

- Não podes!

E Deus perguntou-lhe:

- Porque não posso te enviar para o inferno? Qual é a razão?

- Porque sempre vivi no inferno - respondeu o Homem.

E fez-se silêncio no tribunal Divino. E depois de alguns instantes, Deus disse ao Homem:

- Uma vez que não posso te enviar para o inferno, logicamente eu te enviarei para o céu. Sim, é para o céu que te enviarei.

E o Homem protestou:

- Não podes!

E Deus perguntou-lhe:

- Por que não posso te enviar para o céu? Qual é a razão?

- Porque jamais, em nenhum lugar, fui capaz de admiti-lo - retrucou o Homem.

E fez-se silêncio no tribunal Divino.


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