Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013

O sagrado da política

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Em ano de eleições, nada melhor que uma reflexão sobre o contexto político-cultural do Brasil na atualidade na perspectiva de dois clássicos da teologia contemporânea, H. Richard Niebuhr e Karl Barth, para nos ajudar a situar as complexas relações entre cristianismos e culturas e a questão Igreja-Estado. O Rev. Ronaldo Sathler Rosa, professor de Teologia Pastoral, autor do livro O Sagrado da Política: A Dimensão Esquecida da Prática Cristã, conversa com a gente sobre o que o levou a escrever este livro e o porquê do título se, normalmente, o termo política está associado à corrupção. O professor que, também, dedica seu ministério ao cuidado pastoral fala sobre a relação da fé com a política e o que as igrejas podem fazer para a transformação da política: de “coisa suja” a coisa sagrada. Confira!

Professor, o que o levou a escrever esse novo livro?
Esse livro nasce da experiência prática do cuidado e aconselhamento pastoral. Ao acompanhar pessoas, casais e famílias que vivem em situações de desamparo e sofrimento, muitos pastores e pastoras se dão conta dos limites da atenção ao nível individual. Atendemos as pessoas com genuíno interesse em ajudar e com grande empatia, mostrando-lhes os recursos dos meios da Graça de Deus. As pessoas ganham, assim, melhor conhecimento de si mesmas, de suas lutas e se sentem encorajadas a continuar buscando melhores caminhos para suas vidas. È parte importante do trabalho pastoral. Entretanto, muitos problemas individuais têm sua causa não no indivíduo em si, ou mesmo em seus relacionamentos primários e, sim, em fatores culturais e políticos. O acompanhamento pastoral individual lida apenas com conseqüências e não com causas dos desconfortos e de instabilidades emocionais. Por exemplo: a deterioração de relacionamentos pode ser resultado de disfunções orgânicas, desconhecidas da pessoa e/ou cujo tratamento esteja fora das possibilidades financeiras da pessoa. Modos de cuidado pastoral efetivo, nesse caso e em outros, seriam ações vigorosas que visem políticas públicas que garantam assistência à saúde a todos. Outro exemplo: desemprego entre jovens por baixo nível de escolaridade tem como causas a falta de escolas em muitos lugares; ou a desnutrição; ou ainda a falta de condições das famílias para serem parceira ativas na educação de suas filhas e filhos. Carências como essas e outras reclamam ações de cuidado pastoral profético, de denúncia do descaso pelo ser humano, em linha com a tradição do Antigo Testamento e com o exemplo de Jesus.

Como é essa forma de cuidado pastoral?
Esse modo de cuidado pastoral expressa-se em ações pastorais das igrejas que se dirigem a instâncias e estruturas. Portanto, ultrapassa o nível individual: visa aos sistemas sociais e ao estabelecimento de políticas públicas em que a atenção à pessoa seja o centro e a meta. O cuidado pastoral em forma de ações públicas visando transformação de sistemas sociais e políticos objetiva a saúde integral do indivíduo. Extrapola a  “casa do indivíduo” e move-se para a “casa do  mundo” no qual respiramos o ar puro  ou o ar contaminado pelo egoísmo, pela ganância e pela agressão à vida. Essas ações postulam que as práticas sociais sejam permeadas e orientadas por valores cristãos: cuidar do Jardim do Éden, nossa Casa comum, criada por Deus, para que nela vivamos em clima de solidariedade, de respeito mútuo e cuidado da natureza, com justiça e em paz. Enfim, que todos sejamos verdadeiramente felizes.

O que o senhor entende por política?
Política, na dinâmica tradição das Escrituras, em meu entender, é cuidar da vida. A vida é sagrada, pois é Criação de Deus. Cuida-se da vida por meio de decisões da sociedade que escolhe leis e práticas que favoreçam a harmonia entre os humanos. Veja, por exemplo, as leis que aparecem em Êxodo 21 e capítulos seguintes; a legislação social em Levítico 6 e capítulos que se seguem que, ressalvados aspectos próprios da época, demonstram o cuidado dos autores bíblicos em garantir certo equilíbrio nas relações sociais.

Como o senhor vê a relação entre fé e política?
Aprendemos com as Escrituras que “a fé, se não tiver obras, por si só está morta” (Tiago 2. 17). A conhecida ênfase metodista de “espalhar a santidade bíblica sobre a terra” implica em que a mensagem cristã convida não apenas à conversão individual. A mensagem cristã é pertinente a todos os âmbitos de vida. Aliás, isso é ressaltado no Plano para a Vida e a Missão da Igreja Metodista. A prática política dos cidadãos e das cidadãs, e não apenas aquelas de políticos profissionais, é forma sublime de amor ao próximo e de cuidado para que todos tenham vida em abundância e espelhem a Bondade da Criação.


Professor, por que o senhor chama de “sagrado da política” se a imagens de políticos e da política é geralmente associada à corrupção?
O caráter sagrado da política advém do fato de que cuidar da vida é cuidar do que Deus criou. Embora o termo “sagrado” tenha longa história e várias conotações, penso, seguindo forte tradição do Cristianismo e da sabedoria da reflexão filosófica, que essa atividade é essencial para que a vida floresça. É lamentável que no imaginário social o exercício da política seja limitada a políticos profissionais e a partidos. Acho que aí está uma das razões da existência da corrupção: falta de mecanismos de controle e vigilância cidadã da sociedade sobre as ações dos políticos que deveriam representá-la. Política deixaria de ser associada com “coisa suja” e passaria a ser considerada “sagrada”: zela pelo sagrado da vida, dom divino.

O que as igrejas podem fazer para a transformação da política: de “coisa suja” a coisa sagrada?
Pensaria aqui em três coisas simples e fundamentais. Primeiro, educar os seus membros a respeito da relação entre fé e política e das suas responsabilidades como cidadãos e cidadãs tanto “do céu” como “da terra”; esse processo de educação político-pastoral envolve: estudo aprofundado da Bíblia, da história do Cristianismo; conhecimento das necessidades e desafios no entorno de sua localização geográfica; conhecimento dos direitos humanos fundamentais; conhecimento das competências dos poderes executivos, legislativos e judiciários, especialmente em níveis locais. Segundo, sair da “zona de conforto” do templo e envolver-se com associações e entidades afins que nos bairros, vilas ou cidades desenvolvem políticas comunitárias em favor de causas compatíveis com a missão da Igreja. Terceiro, não servir-se da política para atender meros interesses institucionais. 
 
O Sr. destaca logo no início de seu livro "as recentes denúncias de corrupção em órgãos do Estado, em práticas de políticos, amplamente denunciadas, pelos veículos de comunicação social, geram um 'Brasil doente' e uma apatia cada vez mais surpreendente". Isto quer dizer que há descrédito do Estado pela sociedade?

Sim, há pesquisas de campo e outros estudos que demonstram que há descrédito generalizado da sociedade em relação aos modelos atuais de Estado. Inclusive a denominada “crise financeira” de 2008/2009 levou estudiosos de ciências políticas e sociais a proporem a reconsideração do papel do Estado face à especulação financeira internacional.

Em seu livro o Sr. menciona muito sobre a relação Igreja Estado. Este é um tema muito presente em nossos dias, tanto que foi debate recente na Faculdade de Teologia sobre a questão do ensino religioso em escolas públicas. Em que sentido a comunidade cristã exerce responsabilidade frente ao Estado?

No livro revisito o pensamento do renomado pastor e teólogo Karl Barth que analisa, em perspectiva bíblica e pastoral, as semelhanças e diferenças entre Estado/Igreja e as contribuições que a Igreja pode oferecer para que o Estado cumpra seu papel no todo social. A legítima separação Estado/Igreja não deve ser transposta para a separação entre Política e Fé. Ao contrário, o fermento e a luz do Evangelho devem ser parâmetros para a ação política de homens e mulheres cristãos e das igrejas para fomentar uma organização social, inclusive o Estado, que garanta os direitos fundamentais de todos os humanos e a preservação da vida na terra.

Pr. José Geraldo Magalhães Júnior 

 

Entrevista concedida por Ronaldo Sathler-Rosa, autor do livro O Sagrado da Política: A Dimensão Esquecida da Prática Cristã, São Paulo, Fonte Editorial, 2010, disponível nos sites da Livraria Cultura e da Livraria Saraiva e em outras livrarias.
Acesse também:
www.cuidadopastoral.blogspot.com


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