Publicado por Sara de Paula em Escola Dominical - 05/06/2019
O que está acontecendo com a criação?
O que está acontecendo com a criação?
A cada dia os noticiários anunciam alterações climáticas e suas consequências por todo mundo: poluição das águas, incêndios florestais, ondas insuportáveis de calor, vendavais, terremotos e outros fenômenos que acontecem por toda parte. Tudo isso nos faz perguntar: o que está acontecendo com a criação? Mas, será esta a pergunta correta? Não se- ria melhor perguntar “o que fazemos com a criação?” Sim, esta é a melhor pergunta, pois grande parte do que acontece, hoje, diz respeito ao que, durante muito tempo, homens e mulheres fizeram e têm feito.
Humanidade e criação
Ao final da criação da natureza e da humanidade, Deus contempla a sua obra e conclui que tudo o que havia feito, não era apenas bom, era muito bom (Gênesis 1.31). Tal opinião, possivelmente advinha de uma percepção de que, humanidade e criação, a partir de uma relação dialógica, pudessem não só interagir, mas se contemplar e se completar. Conclusões e percepções inadequadas do papel da humanidade na dinâmica da relação com a criação acabaram por gerar uma série de equívocos que hoje se traduzem em intenso desequilíbrio ecológico.
À humanidade, criada à imagem e semelhança de Deus, coube a tarefa de cuidar da natureza, administrá-la e guardá-la. Gênesis 2.15 nos aponta tal função: “Javé Deus tomou o homem e o colocou no jardim de Éden, para que o cultivasse e guardasse” (Edição Pastoral). Entretanto, a história ecológica escrita pela humanidade não demonstra o cuidado pela natureza, antes reflete uma relação desregrada e desleal.
Imagem e semelhança, de quem?
Por que será que o ser humano, feito à imagem e semelhança de Deus não se relaciona de forma harmoniosa com a criação, como Deus faz? A questão é justamente a inadequada interpretação do que é ser imagem e semelhança a de Deus. As más fases da história humana se deram e se dão pelos senti- mentos de onipotência e cobiça que invadem o coração humano, enchendo- o, como se diz por aí, do desejo de ser igual a Deus... Penso que esta é uma definição inadequada.
O Deus da vida e da história é o Deus que se move por uma tamanha paixão pelo outro, agindo e realizando a promoção e a preservação da vida. Logo, o sentimento que invade a humanidade não é o de ser semelhante a Deus, já que Deus usa o seu poder para “empoderar” e não para oprimir; usa o seu amor para libertar e não para enclausurar; sonha, para o mundo e a humanidade, uma vida em comunidade não em sociedades devastadas e divididas.
À pergunta “o que está acontecendo com a criação?” cabe a resposta: ela perece por conta da humanidade que por deixar cada vez mais de ser imagem e semelhança de Deus e enxerga-se como um ser superior à criação, relaciona-se com ela de forma inadequada e destrutiva.
Quem é responsável?
Diante de tal conclusão, uma outra pergunta surge: o que acontecerá com a criação? Ao tentar respondê-la, recordo-me de uma historinha, muito conhecida, que fala sobre dois jovens que queriam testar a sabedoria de uma anciã da aldeia. Um dia, um deles pegou um passarinho e o escondeu na mão, em seguida falou para a sua companheira: “vamos até aquela sábia mulher e perguntemos se o passarinho que está na minha mão está vivo ou morto. Se ela responder que está vivo, eu o mato com as mãos, mas se ela responder que o passarinho está morto, eu o solto”. Assim fizeram. Chegaram até a sábia mulher e perguntaram-na a respeito do pássaro. A mulher, à tal pergunta respondeu: “a res- posta está em suas mãos”.
A resposta da sábia mulher se aplica à nossa indagação sobre o que acontecerá com a criação: “a resposta está nas nossas mãos!”. Como estão as nossas mãos? Como está o nosso coração para que oriente a ação das nossas mãos? De forma poética o bispo Isaac Aço nos fez pensar:
Há mãos que sustentam e mãos que abalam
mãos que limitam e mãos que ampliam;
mãos que se abrem e mãos que se fecham;
mãos que afagam e mãos que se rasgam;
mãos que ferem e que cuidam das feridas;
mãos que destroem e mãos que edificam;
mãos que batem e mãos que recebem as pancadas por outros.
Há mãos que escrevem para promover
e há mãos que escrevem para ferir;
há mãos que operam e curam e mãos que geram amargura;
há mãos que se apertam por amizade
e mãos que se empurram por ódio;
Onde está a diferença? Não está nas mãos, mas no coração.
Há mãos e... mãos!
As tuas, quais são? De que são? Pra que são?
A responsabilidade cristã
Muitas mãos e corações engajam-se hoje em inúmeras campanhas de preservação e promoção da natureza. É tempo de lutar e educar, é tempo de se transformar, ou melhor, de reciclar! A Igreja não pode ficar fora dessa dinâmica. Dos púlpitos às classes de escola dominical passando pelos grupos de discipulado existentes em todas as nossas igrejas é preciso dar espaço, incluir a questão ecológica no que diz respeito à preservação do meio ambiente, já que isso significa a preservação da vida. Uma Igreja comprometida com a proclamação do evangelho integral não pode se esquivar de engajar-se de forma séria, planejada e compro- metida com as questões ecológicas tão relevantes nesses tempos. “Quais são as mãos da igreja? De que são? E pra que são?”.
Sei que as mãos da Igreja são mãos que acolhem, educam e direcionam. Muitas vozes clamam por uma nova moralidade no que diz respeito à relação da humanidade com a criação. Não sei se é a construção de uma nova moralidade o caminho para tal equilíbrio entre seres humanos e meio ambiente. Creio que, tal- vez, se a humanidade se reencontrar como imagem e semelhança de Deus, e desenvolver sua relação ecológica como tal, muitas coisas boas e novas podem acontecer. Nisto a igreja pode e deve ajudar, mas, para tanto, ela mesma precisa se encontrar e se reinventar como imagem e semelhança de Deus. À igreja, a mim e a você descortina-se o desafio de inspirar-se no Deus apaixonado e, diante das situações, transformar-se de apática a simpática para que uma nova história de vida e preservação da Cri- ação seja escrita.
Andréia Fernandes é pastora metodista, coordenadora do Departamento Nacional de Escola Dominical da Igreja Metodista.
Revista Mosaico Apoio Pastoral - Ano 15 - no 39 - Faculdade de teologia da Igreja Metodista – Umesp - junho/setembro de 2007