Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013
O Quarto Rei Mago
Uma história de Henry Van Dyke
A Bíblia narra a história dos três reis magos que viajaram do Oriente a Belém para adorar a Jesus e lhe ofertar as dádivas de ouro, incenso e mirra. Mas será que eles foram os únicos a seguir a estrela de Belém? Bem, vamos imaginar que havia um quarto mago, que também viu a estrela e resolveu segui-la para adorar o Rei. Vamos lhe dar o nome de Artaban.
Médico, alto, moreno de olhos escuros: Artaban tinha a fisionomia de um sonhador e a mente de um sábio. Era um homem de muitas posses. Tinha vestes da mais fina seda e mantos da mais pura lã, e sua moradia era uma das mais exuberantes das montanhas da Pérsia.
Em uma noite, Artaban encontra-se com outros sábios persas. Eles investigam uma nova estrela que apareceu nos céus. Estão todos muito curiosos.
Artaban dirigiu-se aos presentes e disse, solenemente:
- Os sábios do passado nos disseram que os homens veriam nos céus, em tempo apontado pelo Eterno, a luz de uma nova estrela. Nesse dia um grande profeta nasceria, e Ele daria aos homens a vida eterna, incorruptível e imortal, e os mortos viveriam outra vez! Uma nova estrela brilha em nosso céu! Acredito que esse dia chegou!
Os meus três amigos e eu vimos essa grande luz brilhante há vários dias e vamos sair juntos para Jerusalém para ver e adorar o Prometido, o Rei de Israel. Vendi a minha casa e tudo o que possuo e comprei estas jóias, vejam! Uma safira, um rubi e uma pérola, todas para oferecer como tributo ao grande Rei. Venham comigo! Vamos todos juntos adorar o grande rei!
"- Artaban! Isso é um sonho em vão. Nenhum rei vai nascer de Israel! Quem acredita nisso é um sonhador!" E um a um, todos o deixaram. "- Adeus amigo!" Artaban pesquisando os céus viu de novo a estrela. "- É o sinal!" Disse ele. "- O Rei vai chegar e eu vou encontrá-lo."
Artaban preparou o seu melhor cavalo, chamado Vasda, e de madrugada saiu ás pressas,
pois, para encontrar no dia marcado com Gaspar, Melchior e Baltazar, que já estavam a
caminho, ele precisava cavalgar noite e dia. Já estava escurecendo e ainda faltavam mais ou menos três horas de viagem para chegar ao sítio de encontro e ele precisava estar lá antes de meia noite ou os três magos não poderiam demorar mais à sua espera!
"- Mas, o que é isto?"
Na estrada, perto de umas palmeiras, o seu cavalo Vasda, pressentindo alguma coisa
desconhecida, parou resfolegando, junto a um objeto escuro perto da última palmeira.
Artaban desmontou. A luz das estrelas revelou a forma de um homem caído na estrada. Um
pobre hebreu entre os muitos que moravam por perto. A sua pele estava seca e amarela e o
frio da morte já o envolvia. Artaban depois de examiná-lo, deu-o por morto e voltou-se com um coração triste pois nada podia fazer pelo pobre homem.
"- Mas o que foi isto?"
"- Que devo fazer? Se me demorar, os meus amigos procederão sem mim. Preciso seguir a
estrela! Não posso perder a oportunidade de ver o Príncipe da Paz só para parar e dar um
pouco de água a um pobre hebreu nas garras da morte!"
"- Deus da Verdade e da Pureza, dirige-me no teu caminho santo, o caminho da sabedoria que só tu conheces!"
E Artaban carregou o hebreu para a sombra de uma palmeira e tratou-o por muitos dias até
que êle se recuperou.
"- Quem és tu?" perguntou ele ao mago.
"- Sou Artaban e vou a Jerusalém à procura daquele que vai nascer: O Príncipe da Paz e
Salvador de todos os homens. Não posso me demorar mais, mas aqui está o restante do que
tenho: pão, vinho, e ervas curativas."
O hebreu erguendo as mãos aos céus lhe disse:
"- Que o Deus de Abraão, Isaac e Jacó o abençoe; nada tenho para lhe pagar, mas ouça-me:
Os nossos profetas dizem que o Messias deve nascer, não em Jerusalém mas em Belém de
Judá."
Assim, já era muito mais de meia noite e vários dias mais tarde quando Artaban montou de novo o seu cavalo Vasda e num galope rápido prosseguiu ao encontro de seus amigos. Aos primeiros raios do sol, checou ao lugar do encontro. Mas... onde estavam os três magos?
Artaban desmontou e ansioso, estudou todo o horizonte. Nem sinal da caravana de camelos
dos seus amigos! Então entre uma pilha de pedras achou um pergaminho e a mensagem:
"- Não pudemos esperar mais, vamos ao encontro do Rei de Israel. Siga-nos através do
deserto."
Artaban sentou-se e cobriu a cabeça em desespero!
"- Como posso atravessar o deserto sem ter o que comer e com um cavalo cansado? Tenho
mesmo que regressar à Babilónia, vender a minha safira e comprar camelos e provisões para a viagem. Só Deus, o misericordioso, sabe se vou encontrar o Rei de Israel ou não, porque me demorei tanto ao mostrar caridade,"
Artaban continuou a via pelo deserto e finalmente chegou em Belém, levando o seu rubi e a
sua pérola para oferecer ao Rei. Mas as ruas da pequena vila. pareciam desertas. Pela porta
aberta de uma casinha pobre, Artaban ouviu a voz de uma mulher cantando suavemente.
Entrou e encontrou uma jovem mãe acalentando o seu bebé.
Três dias passados Ela lhe falou sobre os três magos que estiveram na vila a que disseram
terem sido guiados por uma estrela ao lugar onde José de Nazaré, sua esposa Maria, e o seu
bebé Jesus estavam hospedados. Eles trouxeram prendas de ouro, incenso e mirra para o
menino. Depois, desapareceram tão rapidamente quanto apareceram. E a família de Nazaré
também saiu à noite, em segredo, talvez para o Egito.
O bebê nos seus braços olhou para o rosto de Artaban e sorriu estendendo os braçinhos para
ele.
"Não poderia essa criança, ser o Príncipe Prometido? Mas não! Aquele que procuro já não está
aqui e eu preciso encontrá-lo no Egito!"
A Jovem mãe colocou o bebê no leito e preparou um almoço para o estranho hospede que veio
à sua casa. Subitamente, ouviu-se uma grande comoção nas ruas: gritos de dor, o chorar de
mulheres, tocar de trombetas e o clamor:
"- Soldados! os soldados de Herodes estão matando as nossas crianças!"
A jovem mãe, branca de terror escondeu-se no canto mais escuro da casa, cobrindo o filho
com o seu manto para que ele não acordasse e chorasse.
Mas Artaban colocou-se em frente à porta da casa impedindo a entrada dos soldados. Um
capitão aproximou-se para afastá-lo. A face de Artaban estava calma como se estivesse
observando as estrelas. Fitou o soldado um instante e lhe disse:
"- Estou sozinho aqui, esperando para dar esta jóia ao prudente capitão que vai me deixar em paz."
E mostrou o rubi brilhando na palma da sua mão como uma grande gota de sangue.
Os olhos do capitão brilharam com o desejo de possuir tal jóia!
"- Marchem, Avante!" Gritou aos seus soldados. "- Não há criança aqui!"
E Artaban olhando os céus orou:
"- Deus da Verdade, perdoa o meu pecado! Eu disse uma coisa que não era, para salvar uma
criança. E duas das minhas dádivas já se foram. Dei aos homens o que havia reservado para
Deus. Poderei ainda ser digno de ver a face do Rei?"
E Artaban prosseguiu na sua procura entre as pirâmides do Egito, em Heliopólis, na nova
Babilónia às margens do Nilo... Numa humilde casa
conselho de um velho rabi que lhe falou das profecias e do sofrimento do Messias prometido e receitado pelos homens.
"- E lembre-se, meu filho: o Rei que procuras não o vais encontrar num palácio ou entre os
ricos e poderosos. Isto eu sei: os que O procuram devem fazê-lo entre os pobres e os
humildes, os que sofrem e são oprimidos."
E Artaban passou por lugares onde a fome era grande. Fez a sua morada em cidades onde os doentes morriam na miséria. Visitou os oprimidos nas prisões subterrâneas, os escravos nos mercados de escravos...
Em toda a população de um mundo cheio de angústia ele não achou ninguém para adorar,
mas muitos para ajudar! Ele alimentou os que tinham fome, cuidou dos doentes, e confortou os prisioneiros... E os anos passaram... 33 anos.
E os cabelos de Artaban já não eram pretos, eram brancos como a neve nas montanhas.
Velho, cansado e pronto para morrer era ainda um peregrino à procura do Rei de Israel e agora em Jerusalém onde havia estado muitas vezes na esperança de achar a família de Belém.
Os filhos de Israel estavam agora na cidade santa para a festa da Páscoa do Senhor e havia
uma agitação e excitamento singular. Vendo um grupo de pessoas da sua terra, Artaban lhes
perguntou o que se passava e para onde o povo se dirigia.
"- Para o Gólgota!" lhe responderam, "- ...pois não ouviste? Dois ladrões vão ser crucificados e com eles, um homem chamado Jesus de Nazaré, que dizem, fez coisas maravilhosas entre o povo. Mas os sacerdotes exigiram a Sua morte, porque disse ser o Filho de Deus. Pilatos O condenou a ser crucificado porque disseram ser Ele o Rei dos Judeus."
"Os caminhos de Deus são mais estranhos do que o pensamento dos homens," pensou
Artaban. "Agora é o tempo de oferecer a minha pérola para livrar da morte o meu Rei!"
Ao seguir a multidão em direção ao portal de Damasco, um grupo de soldados apareceu
arrastando uma jovem rapariga com vestes rasgadas e o rosto cheio de terror.
Ao ver o mago, a jovem reconheceu-o como da sua própria terra e libertando se dos guardas atirou-se aos pés de Artaban:
"- Tenha piedade!...", ela implorou,..."e pelo Deus da pureza, salva-me! Meu pai era mercador na Pérsia mas faleceu e agora vão me vender como escrava para pagar seus débitos! Salva-me!"
Artaban tremeu. Era o velho conflito da sua alma entre a fé, a esperança e o impulso do amor.
Duas vezes as dádivas consagradas foram dadas para a humanidade. E agora? Uma coisa ele sabia:
"- Salvar essa jovem indefesa era um gesto de amor. E não é o amor a luz da alma?"
Ele tirou a pérola de junto ao seu coração. Nunca ela pareceu tão luminosa! Colocou-a na mão da moça:
"- Este é o teu pagamento, o último dos tesouros que guardei para o Rei!"
Enquanto ele falava uma escuridão profunda envolveu a terra que tremeu consultivamente!
Casas caíram, os soldados fugiram mas Artaban e a moça protegeram-se de baixo do telhado sobre as muralhas do Pretório.
"- O que tenho a temer," pensou ele," ...e para quê viver? Não há mais esperança de encontrar o Rei, a procura terminou, eu falhei."
Mas mesmo esse pensamento lhe trouxe paz pois sabia que viveu de dia a dia da melhor
maneira que soube. Se tivesse que viver de novo a sua vida não poderia ser de outra maneira.
Mais um tremor de terra e uma telha desprendeu-se do telhado e feriu o velho mago na
cabeça. Repousou no chão e deitou a cabeça nos ombros da jovem com o sangue a escorrer
do ferimento.
Ao debruçar-se sobre ele, ela ouviu uma voz suave, como música vindo da distancia. Os lábios de Artaban moveram-se como em resposta e ela escutou o que o velho mago disse na sua própria língua:
"- Não meu Senhor! Quando te vi com fome e te dei de comer? ou com sede e te dei de beber? ou quando te vi enfermo ou na prisão e fui te ver? Por 33 anos eu te procurei, mas nunca vi a tua face, nem te servi, meu Rei!"
E uma voz suave veio, mas desta vez dos céus. A jovem também compreendeu as palavras.
"- Em verdade, em verdade vos digo que quando o fizeste a um destes meus irmãos a mim o fizeste!"
Uma alegria radiante iluminou a face calma de Artaban.
Um suspiro longo e aliviado saiu de seus lábios.
A viagem para ele havia terminado.
O quarto mago, Artaban, compreendeu que havia encontrado o seu Rei durante toda a sua
vida!
Henry van Dyke