Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013

O Cenário da Ressurreição

   Naquela tarde, muitos olhares se voltavam para a cruz. Algumas mulheres choravam. Soldados repartiam as vestes do condenado, tirando a sorte.Pessoas que passavam pelo local, incluindo alguns sacerdotes, zombavam do crucificado. Estes são os personagens principais desse cenário de dor.

Mas, depois da morte, entram em cena, timidamente, mais dois personagens. Assim como a vida, o curto período da morte de Jesus trará lições preciosas, por intermédio de duas pessoas que, sem o saber, preparam o cenário de glória da ressurreição: José de Arimatéia e Nicodemos.

Obra do pintor surrealista Salvador Dali (1904-1989)

 

José de Arimatéia: o discípulo secreto

"Depois disto, José de Arimatéia, que era discípulo de Jesus,

ainda que ocultamente pelo receio que tinha dos judeus,

rogou a Pilatos lhe permitisse tirar o corpo de Jesus". João 19.38

"Está consumado!" Com essa frase, Jesus Cristo deu por encerrada sua missão na terra e morreu, abandonado por seus discípulos.Todos fugiram, com medo de terem o mesmo fim. Ao lado da cruz, apenas João, o "discípulo amado", junto com um pequeno grupo de mulheres que incluía sua mãe e a amiga Maria Madalena. Ou será que havia mais alguém?É possível que, a alguns passos de distância, uma figura discreta, chamada José de Arimatéia, estivesse acompanhando os últimos momentos do Mestre.Depois que Jesus morreu, foi esse homem quem pediu ao governador Pôncio Pilatos para retirar o corpo da cruz, a fim de lhe preparar um funeral digno.

José de Arimatéia também tinha muito a perder. Homem rico e influente, ele é descrito pelo evangelista Marcos como um "ilustre membro do Sinédrio", o conselho religioso formado por religiosos e destacados membros da comunidade. Já o livro de João revela que ele era "discípulo de Jesus". Segundo este evangelista, muitos líderes dos judeus não confessavam a sua fé, com medo de serem expulsos das sinagogas (João 12.42).

Da covardia à coragem

Por isso, na visão do evangelista João, é possível que, até aquele dia, José de Arimatéia tinha seguido Jesus em segredo. Contudo, no momento mais crítico, quando tudo parecia indicar o fracasso do Mestre, o tímido discípulo teve uma atitude de surpreendente ousadia. O teólogo Vilson Scholz, professor da Universidade Luterana do Brasil e consultor de tradução da Sociedade Bíblica do Brasil, lembra que Jesus havia sido condenado como um perturbador da ordem pública. "Requerer o corpo dava a entender que a pessoa era da mesma família ou bando", explica.Além do mais, diz o professor, a crucificação era a "mors turpissima, a morte mais vergonhosa, que deveria ser afastada até mesmo de seus pensamentos de um romano. Logo, pedir o corpo de um crucificado era um ato corajoso. Para alguns teólogos, José de Arimatéia pode ser considerado um dos primeiros cristãos - e exemplo de coragem para os seguidores que, mais tarde, seriam perseguidos pelos romanos.

Se José de Arimatéia não tivesse pedido o corpo de Jesus a Pilatos, ele poderia ter ficado na cruz, entregue à ação do tempo e das aves de rapina - a maior humilhação que um judeu poderia sofrer. Assim, depois de reclamar o corpo, José ainda cedeu um sepulcro novo, escavado na rocha, que havia comprado para si mesmo, segundo o relato de Mateus. O professor Vilson explica que, no tempo de Jesus, muitos judeus ricos "aposentados" iam morar em Jerusalém, para serem sepultados na cidade santa.José de Arimatéia pode ter sido um desses.

Nicodemos: O mestre que aprendeu uma lição

Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode um homem

nascer, sendo velho? Porventura pode tornar a entrar no

ventre de sua mãe, e nascer? João 3.4

Cai a noite na cidade de Jerusalém e a escuridão encobre os passos apressados de um homem em direção à casa onde Jesus está hospedado. É Nicodemos, um membro do poderoso Sinédrio. Os discípulos certamente levaram um susto quando se depararam com a importante autoridade. Afinal, dias antes, Jesus havia expulsado vendedores e cambistas do Templo de Jerusalém, numa afronta direta às lideranças judaicas. Mas Nicodemos queria apenas conversar. Surpreendentemente, chega chamando Jesus de Rabi, "mestre", e afirma reconhecer sua origem divina: "pois ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não estiver com ele". (João 3.2)

Jesus parece não se entusiasmar com a saudação lisonjeira e responde com uma frase desafiadora que desconcerta o interlocutor:"(...) se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus". (João 3.3) Como? Nicodemos mostra-se confuso e Jesus começa a explicar que o novo nascimento a que ele se refere é de ordem espiritual.

Príncipe dos Judeus

"Tu és mestre em Israel, e não entendes estas coisas?"- pergunta Jesus a um Nicodemos ainda atônito. Além do título de "mestre", o livro de João atribui a Nicodemos a posição de "príncipe dos judeus" (ou "um dos principais dos judeus", em outras traduções). Por isso, é que os teólogos consideram que Nicodemos era um membro do Sinédrio, embora o texto não afirme com clareza. Segundo Vilson Scholz, professor da Universidade Luterana do Brasil, o Sinédrio era constituído por setenta membros, entre os quais havia vários fariseus, que eram os peritos na lei judaica. Pela forma como Jesus trata Nicodemos, explica Scholz, ele apresenta o perfil de um escriba da escola farisaica.

Sendo um escriba ou professor de religião, era de se esperar que Nicodemos demonstrasse maior compreensão das palavras de Jesus. Mas o objetivo do autor do livro não é mostrar os conhecimentos teológicos do fariseu. "Quando Nicodemos faz perguntas aparentemente estúpidas, o evangelista as registra porque é na resposta de Jesus que ele está interessado", explica Scholz. Em linguagem teatral, neste diálogo Nicodemos seria a "escada", ou seja, o coadjuvante que serve como suporte para que o ator principal brilhe em cena.

O apoio final

O livro de João não diz se Nicodemos tornou-se cristão. Mas nas duas referências posteriores a este diálogo, ele surge em situações de defesa ao Mestre, chegando a enfrentar situações constrangedoras. Quando os sacerdotes planejam prender Jesus, ele ousa intervir: "A nossa lei, porventura, julga um homem sem primeiro ouvi-lo e ter conhecimento do que ele faz?", questiona. Em resposta, é ridicularizado pelos companheiros: "És tu também da Galiléia? Examina e vê que da Galiléia não surge profeta". (João 7.51-52)

 Após a crucificação, o homem influente que se encontra com o profeta subversivo na escuridão da noite, expõe-se, mais uma vez, ao levar uma mistura de cerca de cem libras de mirra e aloé, substâncias aromáticas usadas na preparação do corpo para o enterro. Calcula-se que seriam uns 35 quilos.

"É um bocado de perfume! Em João 12.3, Maria unge Jesus com uma libra de perfume", compara Scholz. Essa quantidade de aromas, explica o professor, deveria valer uma pequena fortuna, digna do funeral de um rei e não o de um criminoso morto na cruz.

 

Pietá, de Jacob Jordaens (1593-1678)

 Suzel Tunes

DIFERENTES OLHARES. As lições que aprendemos a partir do enterro de Jesus CLIQUE AQUI!


Posts relacionados