Publicado por Sara de Paula em Destaques Nacionais - 22/03/2021
Nota pública de repúdio à violação de espaços religiosos no Brasil
Nota pública de repúdio à violação de espaços religiosos no Brasil
E quando o estrangeiro peregrinar convosco na vossa terra, não o oprimireis.
Levítico 19:33
Ao Exmo. Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)
Ao Exmo. Sr. Ministro da Justiça
À Vossa Eminência o Arcebispo Presidente da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Ao Exmo. Sr. Presidente da Frente Parlamentar Evangélica no Congresso Nacional
Ao Exmo. Sr. Governador do Estado de Roraima
Ao Exmo. Sr. Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima (TJRR)
À Exma. Sra. Procuradora-Geral do Estado de Roraima
À Vossa Eminência o Bispo da Diocese de Roraima
Ao Exmo. Sr. Presidente das Assembleias de Deus do Estado de Roraima
Ao Exmo. Sr. Diretor da Seção Judiciária de Roraima na Justiça Federal (TRF1)
Ao Exmo. Sr. Procurador-Chefe do Ministério Público Federal em Roraima (MPF)
Ao Exmo. Sr. Prefeito da Cidade de Pacaraima
Por meio da presente nota pública, as organizações da sociedade civil infra-assinadas, vêm manifestar seu total apoio à NOTA PÚBLICA POR JUSTIÇA E DIGNIDADE, CONTRA A VIOLÊNCIA, e repúdio às operações efetuadas pela Polícia Federal e Polícia Civil do estado, ocorridas na cidade de Pacaraima - RR, no dia 17 de março deste ano, e vem expressar, ainda, mais uma preocupação: a violação, manifestamente ilegal, do domicílio de agentes religiosos, bem como de seus locais de culto.
As operações se deram na Casa São José, casa de acolhida gerida pelas Irmãs de São José e Pastoral do Migrante da Diocese de Roraima, local que contava com aproximadamente 70 pessoas, dentre elas algumas mulheres, gestantes e 40 crianças migrantes, bem como na casa onde funciona a Igreja Assembleia de Deus Águas Vivas, local que abrigava cerca de 18 venezuelanos.
O ingresso das autoridades estatais nestes espaços se deu de forma brusca, mediante o porte de armamento de fogo, desproporcional em um contexto de ajuda humanitária, em que se encontravam mulheres e crianças, causando um cenário de terror em uma população já marcada por abusos e vulnerabilidades. Ainda, a entrada nos abrigos se deu sem mandado judicial, culminando na condução coercitiva dos responsáveis pelos locais, vale lembrar, uma freira católica e um pastor evangélico, que ainda tiveram seus aparelhos celulares retidos, outra grave violação.
Vale ressaltar, de forma categórica, que as referidas operações se deram em locais de ação humanitária desenvolvida por igrejas e organizações baseadas na fé que têm sido parceiras fundamentais da Operação Acolhida desde o início, e atingiram pessoas que estavam prestando trabalhos pastorais, conforme os mandamentos e a missão das Igrejas. O teólogo anglicano John Stott nos lembra que, já no Antigo Testamento, a Bíblia possui "uma forte tradição de cuidado pelo pobre", que inclui o acolhimento e o apoio ao levita, ao estrangeiro e às viúvas. Já no Novo Testamento, esta perspectiva, de que o cuidado e o apoio ao estrangeiro se constitui em função essencial da igreja, e manifestação prática da fé professada pelos cristãos, se encontra no Evangelho de Mateus, quando Jesus Cristo afirma que ao acolher ao estrangeiro, estamos acolhendo a Ele mesmo:
Pois eu estava com fome, e vocês me deram de comer; eu estava com sede, e me deram de beber; eu era estrangeiro, e me receberam em sua casa; eu estava sem roupa, e me vestiram; eu estava doente, e cuidaram de mim; eu estava na prisão, e vocês foram me visitar. (Mateus 25: 35-36).
Estes fatos tornam toda a ação ainda mais preocupante, visto que nenhuma autoridade policial pode adentrar e violar espaço religioso e suas práticas religiosas, lesionando bens invioláveis perante a Constituição: o domicílio dos depoentes, bem como seus locais de manifestação religiosa e suas práticas de fé.
Foi alegado flagrante de suposto crime previsto no art. 268 do Código Penal, qual seja “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”, afirmando-se que havia aglomeração nos abrigos. Sabe-se bem que as operações policiais efetuadas não tinham como interesse a simples inspeção sanitária, mas visavam uma ação coordenada com o objetivo de invadir os locais de acolhimento, desativando-os e encaminhando seus assistidos para a deportação.
Para bem compreender a situação, tenhamos presente que os agentes e as casas de acolhida não trouxeram ou introduziram as pessoas no País, mas agiram humanitariamente em socorro a seres humanos em situação de alta vulnerabilidade e evidente necessidade de acolhida e apoio. Acolher e socorrer a quem foge da fome, da miséria, da grave violação de direitos é um ato de humanidade, e mais ainda, um ato de amor pelo próximo.
Nos causa espanto que, em pleno século 21, a Polícia Federal desrespeite aquele que é considerado o primeiro direito fundamental, criado desde a Paz de Vestfália, em 1648: o direito à liberdade religiosa. Se medida judicial não corrigir tal arbitrariedade, as consequências deste desrespeito e autoritarismo podem ser gravíssimas para a democracia e a liberdade religiosa no Brasil. Trata-se de um ato de agressão ilegal, deliberado e sem justificativa jurídica possível. Além disso, é um ato de violação de locais religiosos utilizados pelas duas maiores denominações cristãs do país, a saber: a Igreja Católica Apostólica Romana e a Igreja Assembléia de Deus. Ora, se duas igrejas cristãs, de tal porte, podem ter seu território violado sem mandado judicial que o justifique, cabe a reflexão: que direito está assegurado à proteção dos demais espaços religiosos de grupos menores e religiões minoritárias?
Viemos, portanto, requerer:
Que as autoridades às quais se destina esta nota condenem toda ação arbitrária que venha a violar a liberdade religiosa e os espaços de manifestação religiosa e suas práticas de fé;
Que condenem as ações que visam criminalizar ou ameaçar a legítima atuação de membros de organizações religiosas nos serviços de acolhida humanitária e assistência a migrantes, independentemente do status migratório;
Que se julguem procedentes os pedidos de indenização requeridos pela Defensoria Pública da União e pelo Ministério Público Federal nos autos da Ação Civil Pública nº 1001365-82.2021.4.01.4200, da 2ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária de Roraima.
Assinam,
Alagados Community Tour - ACTOUR - Salvador/Bahia
Aliança Cristã Evangélica Brasileira
Associação de Moradores do Bairro da Serrinha - AMORBASE
Associação dos Produtores Rurais da Comunidade de Santana - APRUSC
Associação Beneficente Filadélfia - ABENFI
Associação Caminho do Céu Casa de Apoio e Resgate de Vidas - Acarvi
Associação Comunitária Cultural Educacional e Agrícola do Vale do Curu
Associação Comunitária Nova Amanhecer
Associação de Moradores do Conjunto Santa Luzia - Salvador/BA
Associação dos Lavradores do povoado Sítio Serraria Gleba - Serraria
Associação Missionária Action Brasil
Associação Nacional de Voluntários
Associação Santo Dias
Biblioteca Comunitária Clementina de Jesus
Campanha Como Nascido Entre Nós Brasil, Tearfund Brasil.
Cáritas Brasileira
Casa de Oração Mariazinha - Salvador/BA
Catedral Anglicana do Bom Samaritano - Recife/PE
Centro da Mulher imigrante e refugiada - Cemir
Centro de Migrações e Direitos Humanos - CMDH
Centro Educacional Missionário Esperança, Amor e Resgate - CEMEAR - Anori/AM
Centro Transcultural de Missões
Cia. De Arte Cristã
Comunidade Waikiru
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs - CONIC
Escola Comunitária Luiza Mahin
Espaço Cultural Alagados
Federação das Entidades e Projetos Assistenciais da CIBI - Convenção das Igrejas Batistas Independentes
Fórum Grita Baixada
Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito - Núcleo RJ
Grupo TransformAÇÃO
Igreja Batista da Vila Ivonete
Igreja Batista Independente em Pacaraima
Igreja Batista Novidade de Vida
Igreja Metodista
Igreja Sal da Terra
Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial - Baixada Fluminense/RJ
Instituto Bempescado
Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social do Ceará - IDESQ
Instituto Delfos
Instituto de Desenvolvimento Sócio Cultural e Econômico de Favelas - DESCE Favela
Instituto de Mulheres Negras Luiza Mahin
Instituto Edificando
Instituto Solidários da Amazônia
Instituto Vidas
Missão Evangélica de Assistência aos Pescadores - MEAP
Missão Global da Fé
Missão Semeadores da Vida - AM
Nossa Igreja Brasileira - Igreja Batista
Paróquia Anglicana da Santíssima Trindade no Méier
Plataforma Intersecções
Rede Cristã de Advocacia Popular - RECAP
Rede de Protagonistas em Ação de Itapagipe - Salvador/BA
Rede Fale
Retalhos de Esperança Internacional
Serviço Pastoral dos Migrantes - SPM
Tearfund Brasil
Visão Mundial
Publicada originalmente no site da Visão Mundial