Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 21/12/2011
Natal: O conflito entre o menino Jesus e o Rei Herodes; uma questão de poder
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Uma reflexão natalina sobre Romanos 13
1. Nas celebrações do Natal em nossas igrejas, frequentemente as encenações dos eventos da noite gloriosa deixam claro que foi uma noite portentosa mas ao mesmo tempo dramática e também trágica. Particularmente se tomamos em consideração o envolvimento da figura do rei Herodes na carnificina contra os inocentes que tiveram a infelicidade de nascer na mesma ocasião que o filho de Maria. Nos eventos do nascimento de Jesus claramente vão se opor o poder de Deus manifesto na frágil criança nascida numa estrebaria e o poder do rei Herodes, um reles fantoche do império romano. As crianças como sempre são as maiores vítimas indefesas do crueldade daqueles para aqueles que se servem do poder ao invés de no poder servir especialmente aos setores mais vulneráveis de sua sociedade.
2. No contexto de nossas celebrações de mais um Natal, para refletirmos sobre este conflito entre o frágil menino de Belém e o fantoche monarca em Jerusalém, proponho que consideremos o texto clássico sobre a relação entre o poder de Deus e o poder dos governantes: Romanos 13.
3. Este texto tomado isoladamente tem sido fonte de muitas interpretações equivocadas que têm causado grande dano ao testemunho social dos cristãos. Entretanto, esta passagem tem que ser entendida segundo a interpretação bíblica mais abrangente sobre a relação tensa, freqüentemente de forma paradoxal, entre a fonte divina e o exercício humano do poder e autoridade.
a. Por um lado a Bíblia afirma que somente Deus é poder e fonte de qualquer outro poder, relativizando todas os demais poderes, quer sejam espirituais ou mundanos. Segundo o evangelho de João, quando Pilatos colocado diante da tarefa de considerar as acusações contra Jesus, diante do seu silêncio, disse que tinha autoridade para soltá-lo ou crucificá-lo, Jesus replicou “Nenhuma autoridade terias sobre mim, se de cima não te fosse dada”. Jesus antes já havia reconhecido a autoridade do Estado ao ensinar que os impostos devidos a César não deviam ser sonegados. Estas afirmações de Jesus fundamentam tanto a posição paulina de que somente Deus é fonte de autoridade e poder. Por isso, toda vez que o exercício humano do poder e da autoridade quer contrapor-se, opor-se, ou sobrepor-se à fonte divina do poder e da autoridade, se está diante do pecado de idolatria. Esta convicção que permeia toda a Bíblia, deixando claro que as autoridades humanas existem como instrumentos de Deus para a realização do bem-comum e o exercício da justiça, também relativiza toda e qualquer forma ou manifestação de poder humanamente exercido, pois não há fonte humana de poder independente do poder de Deus. Isto é, todo poder humano está subordinado ao poder de Deus.
b. Por outro lado encontramos uma forte desconfiança bíblica com toda e qualquer manifestação de poder que queira se tornar absoluta mesmo quando a Bíblia afirma a fonte divina de tal poder. É por isso que Deus permite que Moisés e Arão se voltem contra o Faraó do Egito; ou que Deus se irrite com com o povo de Israel diante do seu pedido de um rei como os demais povos; ou que Natã condene Davi por seu adultério e assassinato de Urias; ou que Roboão perca o direito de ser rei de todo o povo de Israel quando assume o trono de Davi; ou que os profetas do Antigo Testamento se voltem contra os reis e sacerdotes de Israel e Judá, as vezes de forma agressiva e violenta; ou dos magos que sem detença desobedecem a ordem de Herodes de informá-lo onde havia nascido o “rei dos judeus”; ou que João Batista condene a maldade, corrupção e injustiças de Herodes; ou que Jesus desafie Pilatos afirmando sua realeza; ou que Pedro declare diante das autoridades do Sinédrio “importa, antes, obedecer a Deus que aos homens.” ; ou que Paulo invocando sua condição de cidadão romano apele para César (Roma), não aceitando o “jeitinho” de Festo que, para conseguir o apoio dos perseguidores do Apóstolo, queria transferir o seu julgamento para Jerusalém.
4. Estas duas dimensões devem sempre ser mantidas em tensão, pois qualquer uma delas tomadas isoladamente torna-se fonte de equívocos graves:
a. Quando se absolutiza o exercício humano da autoridade e o poder, corre-se o risco de cair-se na idolatria, pois se estaria absolutizando algo cuja fonte e origem não se encontra em si próprio, mas unicamente em Deus, portanto o exercício de toda autoridade e poder humano é um exercício relativo e deve submeter-se aos propósitos divinos de promoção do bem-comum e da justiça.
b. Quando se nega a legitimidade do exercício humano da autoridade e do poder, corre-se o risco de cair na barbárie e violência destruidoras do bem-comum e do exercício da justiça. Do ponto de vista cristão, a legitimidade do exercício humano da autoridade e poder tem seus fundamentos na vontade do próprio Deus.
c. Do ponto de vista bíblico, é possível que um governante que não esteja exercendo a autoridade e poder em benefício do bem-comum e da justiça ser substituído por um novo governante sem contrariar a vontade de Deus. Esta foi a situação quando Samuel assume a liderança do povo de Israel em detrimento dos filhos rebeldes de Eli; também foi o caso de Davi que assumiu o trono de Israel afastando definitivamente a descendência de Saul, e foi este o destino do outro Herodes (Agripa I).
d. Nos dias atuais, nós metodistas, conforme o ensino de nosso Credo Social, consideramos que a legitimidade divina da autoridade e poder está no serviço que a autoridade que governa presta aos governados para o bem comum de todos os setores sociais, de maneira particular àqueles mais vulneráveis como as crianças.
5. Nesta perspectiva o Natal nos lembra que o rei-menino nascido na manjedoura de Belém é o soberano cuja autoridade está tanto sobre os governantes como sobre os governados para que com os anjos no primeiro Natal possamos cantar: “Sol bendito de justiça, luz divina, ao teu calor, nossa vida se restaura, ó bendito Redentor!” (HE, hino 15).
Paulo Ayres Mattos - Bispo Emérito da Igreja Metodista
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