Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013

Ministério pastoral em busca de novos caminhos

   Falar a linguagem de seu tempo sem perder de vista o compromisso de serem fiéis aos ensinamentos das Escrituras e à vocação própria: esse é o constante desafio a pastores e pastoras.

As experiências do passado distante e de tempos mais recentes deixaram suas marcas no cristianismo. As lições que ensejaram são fatores importantes no processo contemporâneo de pensar a relação do Evangelho com o "mundo da vida" - para, então, conhecer esse mundo a fim de expressar essa relação de testemunho em modos de ação e categorias que correspondam ao tempo presente. Essas atualizações devem responder, também, não sem escrutínio, às novas configurações políticas e suas conseqüências na vida individual, familiar e social. Cabe a cada geração criar novas pedagogias pastorais que tornem o ministério pastoral da Igreja força importante para ir ao encontro das necessidades espirituais de pessoas, famílias e comunidades. Que seja resposta, também, às mudanças em andamento na sociedade.Cabe a nós descobrir os elementos essenciais da fé que preservem a integridade da mensagem do Evangelho e o respeito à pessoa humana em meio às mutações, instabilidades e modismos de nossos tempos.

Nas linhas que se seguem, submetemos algumas indicações que, a nosso ver, podem realimentar o ministério pastoral e pavimentar caminhos significativos para a ação movida pela fé cristã no contexto atual. Intentam, também, corresponder ao atual momento político-cultural, sem perder suas raízes e motivações na Palavra de Deus. Além disso, pretendem indicar atitude de diálogo com a sociedade onde a Igreja está, inevitavelmente, inserida. Afinal, a mensagem cristã oferece, além do anúncio da salvação pessoal por meio de Jesus Cristo, critérios de valores que iluminam caminhos para que a humanidade desfrute paz, alegria e vida em abundância. Trata-se, então, de buscar modalidades de ministério pastoral pautadas por atitude aberta, corajosa, sem excluir o exame crítico de idéias e práticas que germinam no século. Pretendem indicar um padrão de serviços pastorais de frente para a vida. Enunciamos abaixo sete considerações que, em nosso entender, representam correspondentes pautas de ação para viabilizar o encontro pastoral com o mundo contemporâneo.

1 Indivíduos e famílias parecem viver numa "sociedade sem pais". Há sinais de destruição de vínculos humanos. Há descrença generalizada nos políticos e na política partidária. Há desencanto por causa da corrupção. As próprias condições atuais de perda de raízes, as migrações em busca de melhores oportunidades de trabalho e de educação geram desequilíbrios, ansiedades, angústias e temor. Muitas pessoas e famílias sentem-se impotentes para conviver com as turbulências próprias da existência e com as presentes contingências humanas. Por isso, o exercício do cuidado pastoral em suas formas mais tradicionais como a pregação, a educação na fé, a convivência solidária e, em suas formas mais especializadas, como o aconselhamento pastoral, a diaconia, entre outras, junto a indivíduos e famílias, continua a ocupar lugar central. Exige, é claro, constante revisão e preparo de seus agentes. Mas, a atenção pastoral a famílias e pessoas deve incluir o encorajamento aos membros de nossas igrejas para envolver-se em programas e atividades do bairro ou cidade que visem à solução de problemas que, em muitos casos, são geradores de dificuldades e sofrimento na vida pessoal. A ausência de atenção a essa dimensão maior dos problemas humanos tem sido a grande lacuna da prática do cuidado pastoral, fortemente focalizada no indivíduo e suas relações interpessoais. Essa não deve excluir aquela!

 2 - Observa-se hoje que as razões principais que levam as pessoas a procurar ajuda pastoral são questões do cotidiano.  

 A preocupação com o dia-a-dia é maior do que a busca por melhor explicação das doutrinas estabelecidas pela Igreja.Além disso, o corpo doutrinal de grande parte dos membros das igrejas na atualidade é muito elástico. Isso se deve, em parte, ao surgimento recente de novas igrejas e à assimilação, às vezes imperceptível, de "doutrinas" via rádio e televisão. As "doutrinas" são escolhidas ao sabor de necessidades e perspectivas que as pessoas vão adquirindo com o evolver dos anos. Além disso, a super valorização da experiência pessoal é tendência, em detrimento das doutrinas. As questões do dia-a-dia que movem os sentimentos das pessoas, tais como violência, separações, desemprego, doença, desesperança entre outras emergem como prementes e merecedoras de maior atenção para o exercício atualizado do ministério pastoral. Os meios tradicionais da Graça e os recursos advindos do conhecimento dessas situações e de suas causas são indispensáveis.

3 - A "nova" moralidade, acentuadamente individualista, não apenas no que tange à área da sexualidade, merece atenção e exame de suas alegações. Uma possível explicação para a defesa, por amplos segmentos da população brasileira, de uma moralidade emergente, seria fruto da impunidade, da falta de confiança nos políticos e na persistência da corrupção. Essas "doenças da alma brasileira" abalam convicções pessoais. Tornam relativas, se não extinguem, preocupações com a prática do bem, com o auto-respeito e o respeito pelo outro, que se evidenciaria na conduta pessoal, financeira e profissional, em particular, de muitos políticos, dirigentes esportivos e outros.

4 - A atenção à tendência à participação em comunidades menores, sem longa trajetória institucional, embora ligadas às tradições do cristianismo, deve ser considerada.

 A solidariedade encontrada nas pequenas comunidades, ou em suas reuniões em recintos domésticos, contrasta com a indiferença encontrada, muitas vezes, nas grandes igrejas.  

 Mas, ao mesmo tempo, provavelmente por busca de autenticação social (status) ou por força da mídia, muitos freqüentam as mega-igrejas. Ou, talvez, em virtude da atual onda de "espetacularização" da religião, cujas reuniões em muito se assemelham a "programas de auditório". Parece que tanto as mega-igrejas como os pequenos grupos são "novos lares" para as pessoas que buscam solidariedade, amizade e sentido espiritual para suas vidas na atualidade. Nesse particular o risco é comprometer-se a unidade do Corpo de Cristo e os vínculos essenciais com a Igreja.

5 - A questão da solidariedade. O termo, em virtude de seu uso, às vezes em excesso, precisa ser depurado de sentidos apenas pontuais e compreendido de maneira mais ampla. A solidariedade é prática e conceito que nos coloca a nós humanos como parte de uma teia de relações: inclui o planeta, o cosmos, a natureza e todas as suas ramificações. Pela solidariedade nos irmanamos ao entorno que circunda nossa existência e que continuará a nos cercar após nossa morte. Essa consciência mostra a importância da compreensão da natureza, das múltiplas relações envolvidas emnosso viver e de nosso semelhante como parte dessas relações vitais. A solidariedade abre caminhos para que pessoas e igrejas se encontrem e concentrem seus esforços na busca de soluções para as agudas questões ligadas à existência. Trata-se de encontrar Deus, o Transcendente, no imanente da vida diária, abrindo, assim, caminhos menos ásperos para a longa peregrinação humana. As ações de solidariedade, entretanto, se fragilizam se desenvolvidas meramente em níveis interpessoais. A prática da solidariedade deve abrir-se à partilha da fé que move nossa esperança, nossas atitudes e nossa participação na vida pública. Não necessariamente em partidos políticos convencionais, na denúncia de situações abusivas do poder, assim como a colaboração com iniciativas que pleiteiam uma vida mais humana e um planeta mais limpo. Há uma outra possibilidade específica, aparentemente inócua e simplista, a ser ativada pela participação conjunta das igrejas e: ações organizadas contra o consumo de bens e produtos de empresas que usem crianças como empregadas, que mantenham trabalhadores e trabalhadoras em regime de escravidão, ou que contribuam para a contaminação do meio-ambiente. Por exemplo: a Igreja Metodista na Alemanha decidiu, em Concílio, não usar mais copos de plástico em suas reuniões; a Igreja Metodista dos Estados Unidos, há tempos atrás, fez um belo boicote de produtos comercializados em que as empresas exploravam mão-de-obra barata em outros países.

6 - A nova aproximação entre religião e ciências deve ser considerada no diálogo do cristianismo com a sociedade. O reconhecimento de suas competências e campos específicos de suas contribuições para o bem-estar humano permite, hoje, ressalvadas exceções, em novo patamar de relacionamento. Ou seja, é possível estabelecer relação correta entre o que cremos e o que sabemos. Por outro lado, o mundo não se constitui apenas de fatos, matéria prima das ciências.

   O mundo é constituído, também, de conhecimento, opiniões, convicções, padrões de comportamento e de crença.

 Igualmente, nossa percepção do mundo e a busca por dar sentido à existência e à história baseiam-se em legados das gerações que nos precederam. Por sua vez, essas heranças fundamentam-se nas dinâmicas tradições do cristianismo, na cultura, nos costumes e em outras construções sociais. A verdade da religião é um "a priori em relação a uma visão científica do mundo"; a fé "nasce num ponto da existência humana que é anterior ao ponto de partida da reflexão científica". A "imagem de mundo" construída pelas ciências não pode avocar a si o julgamento da fé; as ciências, devidamente enquadradas, não se contrapõem à fé. No caso de conflito é necessária a autocrítica. Além de tudo, "prozac e drogas semelhantes" não são capazes de acalmar a "noite tenebrosa da alma".

 7 - A atual supremacia da competição e da comercialização disseminada na aldeia globalizada se instalou, igualmente, no interior de igrejas alinhadas com o cristianismo.  

É fator ponderável que ergue barreiras para a credibilidade da Igreja, na recepção pelo mundo contemporâneo da mensagem cristã. Ademais, a competição aninha sentimentos de superioridade, de arrogância e conseqüente rigidez doutrinária, acobertada por "argumentos" de "pureza da fé", de "defesa dos autênticos valores cristãos". Acompanham-na atitudes de desapreço e até mesmo de exclusão de outras igrejas e grupos de pessoas que não partilham as mesmas ênfases teológicas.

Concluindo, o fascínio que a vocação pastoral exerce sobre muitos de nós e sua abrangência muito além dos limites institucionais tradicionais é o que nos leva a submeter essas anotações a colegas, a leitoras e leitores interessados na missão da Igreja na atualidade. Outros caminhos vão se abrindo à medida que interagimos em resposta aos desafios desses "sombrios" tempos atuais. O diálogo com a sociedade é, também, expressão de nosso compromisso com o Evangelho que nos convoca: "Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte; nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos os que se encontram na casa" (Mateus 5.14-15).

 

Rev.Ronaldo Sathler-Rosa

Professor da Faculdade de Teologia e da Pós-Graduação em Ciências da Religião da UMESP. Adaptado de "A nova cidadania do cristianismo: da tutela à imersão", artigo de Ronaldo Sathler-Rosa, publicado em Estudos de Religião, 32, 2007.


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