Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013

Ministério no aprisco versus ministério no curral

As parábolas de Lucas e de Ezequiel

Introdução

As figuras do aprisco e do curral desafiam nossa reflexão e nos convidam a considerarmos o que diferencia o ministério entre um e o outro.

"Enquanto a figura do aprisco indica metaforicamente o encontro amoroso do pastor com suas ovelhas, o curral indica o local da ?ração? para o gado, ou seja, onde metaforicamente as pessoas ruminam o ?sal? ou a ?ração? que lhes são oferecidos sem, no entanto, vivenciaram os aspectos que compreendem o aprisco".[1]

Para isto, faremos uma leitura de dois textos bíblicos que nos auxiliarão em nossa reflexão nesta linha de pensamento. O primeiro texto é o de Lucas 15.4-7, onde é contada a parábola da ovelha perdida. O segundo texto é o de Ezequiel 34.1-10, onde são apresentadas características negativas na vida dos líderes, o que nos leva a pensar no exercício de um ministério na perspectiva do curral.

 

1.A parábola da ovelha perdida - Lucas 15.4-7

Restauração

A parábola da ovelha perdida tem como seu tema central a restauração da ovelha que se perdeu e que causa no pastor, nos amigos e vizinhos, alegria quando ela é encontrada. Ela assinala que Deus procura os pecadores e é sempre Ele quem toma a iniciativa para que recebam a nova vida em Cristo Jesus.

Para os religiosos daquela época, Deus receberia somente as ovelhas arrependidas, mas para Jesus, Deus procura as desgarradas, machucadas, violentadas, atingidas pelas feridas da vida e as restaura ao seu aprisco.

 

Ir ao encontro da que está perdida

Esta é a idéia presente na parábola da ovelha perdida. O pastor deixa as noventa e nove ovelhas que estão seguras e vai procurar a que se perdeu. Quando a encontra descobre que está machucada pela queda e carrega-a para casa (15.5). "Surpreendentemente, este pastor se regozija com o fardo de restauração que ainda está diante dele. Este tema é importantíssimo nesta primeira parábola".[2]

Além disto, o pastor revela que a ovelha era importante para ele. Ele percorre um longo caminho, quiçá fazendo sacrifícios e suportando as dificuldades em encontrar a ovelha perdida.

"Pensemos nos sacrifícios suportados pelo pastor andando nas pegadas da ovelha perdida e percorrendo montes e vales, sem desistir, até encontrá-la (Lc 15,4). Nessa parábola, a preciosidade da ovelha perdida é insinuada também pelo adjetivo possessivo. O pastor exclama: ?encontrei a minha ovelha? (Lc 15.4)".[3]

Carregar pelos braços

A ação no contexto do aprisco deve cuidar das que estão seguras e se alegrar com as que nunca se perderam, mas não pode deixar de focar as que se extraviaram e precisam de cuidado e restauração. Esta ação de restaurar tem todo um sentido afetivo por parte do pastor: ela toma a ovelha em seus braços e leva-a casa. Trata-se de uma atitude de cuidado, de respeito e de valorização da ovelha que, mesmo que tenha sido rebelde em se desviar do caminho pelo qual o pastor conduzia o rebanho, é tratada com consideração. A restauração é fruto desta soma de atitudes do pastor, especialmente da afetividade.

O profeta Isaías afirma o seguinte falando do relacionamento de Deus com seu povo: "como pastor, apascentará o seu rebanho; entre os braços, recolherá os cordeirinhos e os levará no seu regaço; as que amamentam, ele as guiará mansamente" (Isaías 40.1).

 

A alegria do pastor

Além da restauração estar enfatizada nesta parábola, a alegria pelo retorno da ovelha que se perdeu também é indicada, pois ela é contagiante: todos que recebem a notícia se alegram e celebram, pois "haverá mais alegria no céu por um só pecador que se arrepende, do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento", conforme o texto de Lucas 15.7.

 

A gratuidade na ação pastoral

A parábola apresenta quatro temas: a alegria do pastor, a alegria da restauração, o amor gracioso e o arrependimento.[4] Estes temas são norteadores de um ministério na perspectiva do aprisco. O ministério na perspectiva do aprisco tem o tom da gratuidade e não da troca ou do mercantilismo. Como já expressamos em outros textos, afirmamos

"que as pessoas que se oferecem para trabalhar nos ministérios da Igreja e que recebem para isto devem fazê-lo na perspectiva da doação, do serviço e nunca da recompensa, ou do salário, ou do subsídio".[5]

2.A parábola dos pseudo-pastores - Ezequiel 34.1-10

O profeta Ezequiel, cujo ministério se deu no período do exílio e junto aos desterrados, toca no tema do pastoreio das ovelhas. Ele anunciava a mensagem de que Jerusalém chegava ao fim em virtude da corrupção que havia tomado conta da vida dos líderes do povo e da crise que se alojara entre o povo, uma vez que seus líderes estavam desleixados em relação aos seus compromissos. Em outras palavras, os líderes deixaram de pastorear e conduzir o rebanho e se dedicaram aos seus próprios negócios, ou como diz Ezequiel, se apascentavam a si mesmos. O povo vivia sob o impacto do desterro e do distanciamento do Templo, que simbolizava a identidade e a religião que professavam e eram como ovelhas sem pastor. No entanto, Deus revela que Ele mesmo vai pastorear as suas ovelhas.

"Ezequiel é o profeta que desenvolve mais amplamente o tema de Iaweh-pastor. Dedica a ele todo o cap. 34, no qual contrapõe o comportamento de Deus ao dos falsos pastores que, em vez de apascentarem o povo de Deus, apascentam a si mesmos (vv. 2-10)".[6]

Aqui entra nossa metáfora do curral. O povo nesta época vivia sem o cuidado, a direção, a condução e o pastoreio de seus líderes ou pastores. O profeta denuncia isto quando apresenta o perfil dos falsos pastores.

As palavras do profeta são claras e específicas. Não há como não compreender a mensagem que Ezequiel apresenta e que caracteriza os pastores que na expressão bíblica são falsos pastores. Vejamos:

1. Apascentam-se a si mesmos, ou seja, estão preocupados com o seu bem estar em detrimento do bem estar das ovelhas. O que importa é a satisfação dos desejos e das necessidades pessoais e não as do rebanho.

2. Comem a gordura das ovelhas e se vestem com a lã. Em outras palavras, isto quer dizer exploração e violência cometidas contra o rebanho.

3. Não dão apoio às que estão enfraquecidas com a situação de desterro, pobreza e opressão a que estavam submetidas as ovelhas, ou o povo de Deus. Devemos lembrar que o povo está no exílio como escravo.

4. Não curam as doentes e nem restauram as que estão machucadas. Não há nenhuma ação por parte dos líderes do povo que produza restauração, cura e libertação. Os pastores se transformaram em lobos vorazes.

5. Não procuram as desgarradas e não vão atrás das que estão perdidas. A ação que mais caracteriza o trabalho pastoral que é conduzir as ovelhas por caminhos seguros não era praticada pelos pseudo-pastores da parábola de Ezequiel.

6. Por outro lado, eram dominadores, violentos, arrogantes, cujo "manejo" das ovelhas era feito com dureza e muito rigor. Uma boa forma de identificar um pastor dominador e dissimulado é reparar se ele olha com ternura para suas ovelhas. O olhar do pastor revela se de fato cumpre com sua função ou vocação na perspectiva da parábola de Lucas ou se na perspectiva da parábola de Ezequiel.

Assim, Ezequiel, o profeta do desterro, descreve a vida num curral.

 

Conclusão

Não dá para concluir um assunto de tamanha delicadeza e tamanho desafio. Dá sim para lamentar que em nosso meio se instalem modelos de pastoreio na perspectiva do curral, onde o que vale é a vontade do pastor e o seu bem estar.

Não dá para concluir, mas dá para lamentar que a Igreja vivencie esta tensão e que acabe por predominar um modelo de dominação, intimidação e dissimulação. Eu conheço pastor que não consegue olhar nos olhos de suas ovelhas e prefere olhar de soslaio, ou de forma esguelha. O pastoreio, desta forma, é realizado por "viés". O que significa dizer um ministério "meio furtivo, esconso, tortuoso de obter, fazer ou concluir algo".[7]

Não dá para concluir, mas que Deus tenha misericórdia de nós.

 

Bispo Josué Adam Lazier



[1] LAZIER, Josué Adam. Entre o Aprisco e o Curral. Postado no blog: www.josue.lazier.blog.uol.com.br em 13 de julho de 2009.

[2] BAILEY, Kenneth. As Parábolas de Lucas. São Paulo, SP: Editora Vida Nova, 1985, pg. 199.

[3] BOSETTI, Elena. Deus-Pastor na Bíblia - solidariedade de Deus com seu povo. São Paulo, SP: Edições Paulinas, 1986, p. 75.

[4] BAILEY, Kenneth. As Parábolas de Lucas. São Paulo, SP: Editora Vida Nova, 1985, pg. 203.

[5]LAZIER, Josué Adam. O Ministério na Perspectiva da Manjedoura. Postado no blog: www.josue.lazier.blog.uol.com.br em 23 de dezembro de 2008.

[6]BOSETTI, Elena. Deus-Pastor na Bíblia - solidariedade de Deus com seu povo. São Paulo, SP: Edições Paulinas, 1986, p. 30.

[7] HOUAISS. Dicionário eletrônico da Língua Portuguesa 1.0.


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