Publicado por José Geraldo Magalhães em Expositor Cristão, Destaques Nacionais, Geral - 30/04/2014
Metodistas: intérpretes da conexidade
Pr. Helmut Renders
A palavra conexidade parece estranha, mas resume algo muito bíblico. Podemos distingui-la em três aspectos. No primeiro, temos a forma como as comunidades fundadas pelo apóstolo Paulo se relacionaram. Paulo liderou uma equipe de colaboradores, que assim como ele, foi itinerante. Este é o modelo do nosso sistema episcopal e dos concílios.
No segundo aspecto, vemos que as comunidades paulinas foram organizadas internamente segundo o modelo de dons e ministérios. Novamente, temos um jeito de relacionar pessoas e uni-las não pelo sangue, família, etnia, classe social ou gênero, mas, pela reconciliação em Cristo e pelo espírito do serviço mútuo.
Com as palavras de Gálatas 3.28: “Não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus”. Isso é, em outras palavras, o objetivo da conexidade: um entrelaçamento que supera aquilo que tantas vezes o mundo separa (também Ef 2.13-17 e At 2.15-16).
Além disso, houve uma terceira dimensão de superação: a conexidade além das fronteiras do próprio grupo. Novamente, é Paulo seu grande promotor. Apesar de tantas tensões (Gl 2.1-11, especialmente “11”), Paulo procura estreitar os laços com a missão do grupo de Pedro e de Jerusalém e não desiste deles (2 Co 8, e 9; Rm 14). Assim, dá continuidade na mesma tradição de Jesus que apresenta samaritanos como exemplos, enquanto seus discípulos não viam nada de bom neles (Lc 9.49-56; 10.30-37; 17.11-19).
Intérpretes da conexidade
No decorrer da história, as comunidades metodistas interpretaram estas três dimensões de formas diferentes. Na Inglaterra do século 18, a conexidade destaca-se pela sua dinâmica de acolher na comunidade qualquer pessoa independente do seu passado ou condição. Em busca de alianças, o metodismo procurou, por um lado, ser amigo de todos/as e inimigo de ninguém e, por outro lado, criar um organismo transformador e solidário.
As pessoas se uniram para identificar erros e para motivar a construção de vida nova: deixando o mal e fazendo o bem. Sabemos que Wesley foi inspirado para isso especialmente em Hebreus 10.23-24: “Retenhamos firmes a confissão da nossa esperança; porque fiel é o que prometeu. E consideremo-nos uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras”. Evangelização, evangelho em ação (ação social) e educação andavam juntos.
Nos Estados Unidos, esta tripla dimensão da conexidade foi desafiada pelo horror da escravidão. Uma parte da Igreja Metodista, a igreja mãe do metodismo brasileiro, tentou reconciliar escravidão e fé e feriu severamente todas as dimensões da conexidade: não acolheu todas as pessoas de forma incondicional no mesmo espaço, separou-se na comunhão com outros metodistas e hostilizou também outros grupos abolicionistas.
Enquanto a defesa da escravidão tecnicamente terminou, porém, somente por uma sangrenta guerra civil, a recuperação dos três aspectos da conexidade, como era para esperar e recear, demorou muito mais. De fato, sobreviveram daqui para frente os três aspectos da conexidade em grupos distintos: enquanto o grupo avivalista focava no interior, na experiência religiosa e na fundação de igrejas, cuidava o grupo do evangelho social da reconstrução do mundo, dos direitos humanos e de uma ordem mundial da paz.
No limite dessa experiência – o fim da escravidão e departamentalização da conexidade em grupos distintos – surgiu o metodismo brasileiro. Por um lado, representa o “trio de ouro” composto pelos três missionários pioneiros Kennedy (evangelista, fundador de igrejas), Tarboux (pregador e primeiro bispo) e Tucker (agente da Sociedade Bíblica Americana e fundador do Instituto Central do Povo) um projeto de reaproximar as três dimensões da conexidade. Por outro lado, criaram as ditaduras de Vargas e de 1964 profundas divisões que dificultaram a integração das três dimensões da conexidade.
Mais uma vez, não se sabia mais manter unida a renovação do indivíduo, a reforma da igreja e a transformação da sociedade. Os temores dessa época ainda assombram o país.
Em meio e ao final dessa época, surgiram no Brasil o Plano Para a Vida e Missão e o projeto Dons e Ministérios. Eles parecem-nos novamente tentativas de aproximar o elemento da conexidade externa, colaboração com outras igrejas e a sociedade na promoção do bem comum, com o elemento da conexidade interna, uma organização fraternal e igualitária focada na transformação real de pessoas, dos seus comportamentos e das suas atitudes.
O desafio era a condição pós-moderna, que pegou todos/as de surpresa seduzindo a igreja a restringir-se ao cuidado e à cura do interior das pessoas. A grandeza da tradição da tripla conexidade e o horizonte da esperança da sua realização parcial, pareciam ser coisas de outra época.
Desafio da conexidade
Nunca foi fácil unir as três dimensões da conexidade nem imaginar as três como relacionadas. Mesmo assim, os/as metodistas investiram nesta forma de ser igreja por três vezes. Parece-nos que as diversas gerações compreenderam a conexidade como um elemento bíblico chave para descrever a missão do metodismo.
Muito além de uma forma organizacional, articula o grande sonho de renovação pessoal, da reforma da igreja e da transformação da sociedade como um conjunto da existência cristã. Que ousadia... mas, será que para a nossa época serviria algo menor? Para que Deus chama os/as metodistas? “Para reformar a nação, especialmente a igreja, e espalhar santidade bíblica sobre toda a terra”, como dizia John Wesley.
Que nessa nova época, uma nova geração de metodistas interprete a herança das três dimensões da conexidade para o bem do povo brasileiro e para a glória de Deus.
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