Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013

luto

A você que sofreu o impacto de uma morte

"Jamais pensei que o cristão estivesse livre do sofrimento porque o nosso Senhor sofreu. Cheguei à conclusão de que ele sofreu não para nos livrar do sofrimento, mas para nos ensinar a viver com ele, pois sabia que não há vida sem dorAlan Paton

 

Aconteceu. E você vive toda as emoções da dor, do sofrimento, da separação e da saudade. Não existem palavras no vocabulário humano para descrever a profundidade desta experiência complexa.

Há uma ciência, no entanto, que busca pesquisar e compreender o impacto da morte. É chamada de Tanatologia (tanato é a palavra grega para morte), e pode nos ajudar a ampliar a visão cristã de como viver nossa vida diante da realidade da morte.

Você está de luto. Antigamente o luto se expressava em janelas cerradas, laço no umbral da porta, as mulheres vestindo roupas pretas, meses depois o roxo, lilás ou xadrezinho preto e branco. Mas foram-se mudando os hábitos e tradições. E a expansão do Evangelho, com a certeza da salvação eterna em Cristo e a alegria da ressurreição, desfez muitos desses costumes que exteriorizavam o luto. Há quem ache que a fé em Cristo e o amor de Deus devem consolar o cristão de tal maneira que consiga superar a sua tristeza interior em pouco tempo. A verdade é que cada pessoa enlutada tem uma experiência e reação diferente à sua dor. É preciso respeitar a realidade de cada um, lembrando que Cristo nos ensinou a não julgar para não sermos julgados. A perda sempre deixa uma ferida no coração.

Afirma um pensador cristão: "A asserção que a dor de uma separação é uma experiência humana que se prolonga através da vida por causa da necessidade do apego e a inevitável realidade das perdas é teológica, ao mesmo tempo que psicologicamente verdadeira. Nosso apego a pessoas e coisas neste mundo é uma continuidade do amor de Deus por tudo que ele criou". Este amor consola, ao mesmo tempo em que aceita e valida o processo pelo qual se passa no luto.

Este processo é chamado na Tanatologia de "trabalho de luto" e exige a participação ativa do enlutado. Precisamos lembrar que a morte encerrou o nosso relacionamento direto com a pessoa querida, mas não terminou o nosso relacionamento através da memória, das lembranças. Isto pode, inclusive, se expressar em sonhos, em pressentimentos de que a pessoa querida está junto a nós. Mas não há nada de sobrenatural nisso. É a vida reajustando-se ao impacto sofrido. O espiritismo dá a esses fatos interpretações que ferem o ensino bíblico e o conceito científico, buscando um falso consolo no contato com o "espírito" ­que partiu.

Portanto, teremos de "trabalhar" em nossa mente e coração todas estas memórias que produzem sentimentos e emoções, questionamentos e dúvidas. Experimentamos o pânico, culpa, raiva, revolta, solidão, tristeza, angústia, dificuldades de concentração; e ainda sintomas como cansaço, exaustão, dores no corpo, alterações na respiração. Neste período a sexualidade é também atingida. Nossos corpos, mentes e espíritos precisam da compreensão e aceitação destes sintomas e de tempo para recuperar forcas e se equilibrar novamente.

Neste período é recomendável continuar as tarefas e responsabilidades normais tanto quanto possível. e é sábio não tomar qualquer decisão maior que depois possa levar ao arrependimento. Por exemplo: uma viúva querer escapar das lembranças que o ambiente em que vive traz do marido falecido, vendendo, de imediato, a sua casa e mudando-se, com possíveis perdas financeiras irrecuperáveis. Ou um viúvo logo contrair outro casamento. As decisões maduras e eficazes precisam do retorno do equilíbrio.

Nós voltamos a este equilíbrio à medida que integramos a realidade da dor da perda à nossa vida, não esquecendo a pessoa amada, mas encontrando o espaço certo para sua lembrança e significado em nossa vida. Eventualmente, ao atravessar esta experiência, você se descobrirá como uma nova pessoa, mais sensível ao sofrimento alheio e com uma nova dimensão de vida.

Porque este "trabalho de luto" exigirá muito de você, seja paciente e carinhoso consigo mesmo, cuidando bem de sua saúde, alimentação e descanso, procurando a comunidade da fé e buscando estar com pessoas que o valorizem e façam bem. O diálogo sobre seus sentimentos e experiências com as pessoas mais íntimas e compreensivas poderá ser muito terapêutico.

Se você que está de luto tem filhos menores, não esconda deles suas emoções. Eles amadurecem quando incluídos em sua tristeza. Nada de lamúrias constantes diante deles, nem a exigência de que tenham um comportamento adulto, pois a criança expressa de outra maneira a tristeza que também está atravessando. O perigo é que a criança (ou jovem ou adulto), que tem uma visão um tanto irreal dos acontecimentos, ache que algum ato ou pensamento seu tenha ocasionado a morte do seu querido. Daí a necessidade do diálogo que possa resolver esse falso sentimento de culpa.

Finalmente, lembre-se de que no início do luto a dor vai parecer controlar e dominar o todo de sua vida. Mas, lembremos de Cristo que nos disse: "Bem-aventurados os que choram (os que "trabalham seu luto"), porque serão consolados". Virá um momento neste processo em que a dor e a saudade, embora ainda conosco, deixarão de ser determinantes de tudo. Teremos, então, integrado o impacto da morte ao nosso viver, crescido e amadurecido com ele, e renovado forças para a nossa nova etapa na vida.

Edith Long Schisler

Equipe Multiprofissional do Centro Vivencial para Pessoas Ido­sas, AMAS ? Igreja Metodista em Florianópolis, SC.

Edith Long Schisler é educadora em Tanatologia, com certificado do Instituto Nacional de Educação para a Morte, nos EUA.


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