Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013
Lei geral das religiões
Lei geral das religiões gera divergências entre evangélicos
Destaque de capa da revista Igreja de janeiro de 2010
O Projeto de Lei da Câmara número 160 de 2009, em tramitação no Senado, está gerando divergência entre líderes e parlamentares evangélicos. Também chamada de Lei Geral das Religiões, o projeto busca dotar todas as entidades religiosas das prerrogativas atribuídas à Igreja Católica por meio do acordo jurídico celebrado entre o Governo Federal e a Santa Sé em outubro deste ano. O senador Inácio Arruda, relator da matéria na Comissão de Educação do Senado, é favorável ao projeto, por considerar que ele estabelece uma condição de igualdade entre os credos. No entanto, alguns líderes evangélicos já se posicionam contra a nova lei, considerando-a tão inconstitucional quanto o acordo com o Vaticano. É o caso do advogado Gilberto Garcia, que considera a Lei Geral das Religiões uma ameaça ao princípio da laicidade do Estado.
Veja abaixo a chamada Lei Geral das Religiões na íntegra e uma entrevista com a educadora Roseli Fischmann, da Universidade Metodista. Ela fala sobre a instituição de ensino religioso nas escolas públicas, prevista pelo acordo Brasil-Vaticano e também por esse novo projeto de lei.
PROJETO DE LEI Nº160 , DE 2009(Do Sr. George Hilton)Dispõe sobre as Garantias e Direitos Fundamentais ao Livre Exercício da Crença e dos Cultos Religiosos, estabelecidos nos incisos VI, VII e VIII do artigo 5º, e no § 1º do artigo 210 da Constituição da República Federativa do BrasilArt. 1º. Esta lei estabelece mecanismos que asseguram o livre exercício religioso, a proteção aos locais de cultos e suas liturgias e a inviolabilidade de crença no país, regulamentando os incisos VI, VII e VIII do artigo 5º e o § 1º do artigo 210 daConstituição da República Federativa do Brasil.Art. 2º. É reconhecido às instituições religiosas o direito de desempenhar suas atividades religiosas, garantindo o exercício público de suas atividades, observado o ordenamento jurídico brasileiro.Art. 3º. É reconhecida pelo Estado Brasileiro a personalidade jurídica das Instituições Religiosas desde que não contrarie as exigências constitucionais e as leis brasileiras§ 1º. As denominações religiosas podem livremente criar, modificar ou extinguir suasinstituições inclusive as mencionadas no caput deste artigo.§ 2º. A personalidade jurídica das Instituições Religiosas é reconhecida pela República Federativa do Brasil mediante a inscrição no respectivo registro do ato de criação, nos termos da legislação brasileira, vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro do ato de criação, devendo também ser averbadas todas as alterações por que passar o ato.Art. 4º. As atividades desenvolvidas pelas pessoas jurídicas reconhecidas nos termos do Artigo 3º, que persigam fins de assistência e solidariedade social, gozarão de todos os direitos, imunidades, isenções e benefícios atribuídos às entidades com fins de natureza semelhante previstos no ordenamento jurídico brasileiro, desde que observados os requisitos e obrigações exigidos pela legislação brasileira.Art. 5º. O patrimônio histórico, artístico e cultural, material e imaterial das Instituições Religiosas reconhecidas pela República Federativa do Brasil, assim como os documentos custodiados nos seus arquivos e bibliotecas, constitui parte relevante do patrimônio cultural brasileiro, e continuarão a cooperar para salvaguardar, valorizar e promover a fruição dos bens, móveis e imóveis, de propriedade das instituições religiosas que sejam considerados pelo Brasil como parte de seu patrimônio cultural e artístico.§ 1º. A finalidade própria dos bens eclesiásticos mencionados no caput deste artigo deve ser salvaguardada pelo ordenamento jurídico brasileiro, sem prejuízo de outras finalidades que possam surgir da sua natureza cultural.§ 2º. As Instituições Religiosas comprometem-se a facilitar o acesso a ele para todos os que o queiram conhecer e estudar, salvaguardadas as suas finalidades religiosas e as exigências de sua proteção e da tutela dos arquivos de reconhecido valor cultural.Art. 6º - A República Federativa do Brasil assegura, nos termos do seu ordenamento jurídico, as medidas necessárias para garantir a proteção dos lugares de culto das Instituições Religiosas e de suas liturgias, símbolos, imagens e objetos cultuais, tanto no interior dos templos como nas celebrações externas, contra toda forma de violação, desrespeito e uso ilegítimo.§ 1º. Nenhum edifício, dependência ou objeto afeto aos cultos religiosos, observada a função social da propriedade e a legislação, pode ser demolido, ocupado, penhorado, transportado, sujeito a obras ou destinado pelo Estado e entidades públicas a outro fim, salvo por utilidade pública, ou por interesse social, nos termos da Legislação brasileira.§ 2º. É livre a manifestação religiosa em logradouros públicos, com ou semacompanhamento musical, desde que não contrariem a ordem e a tranqüilidade pública.Art. 7º. A República Federativa do Brasil se empenhará na destinação de espaços para fins religiosos, que deverão ser previstos nos instrumentos de planejamento urbano a ser estabelecido no respectivo Plano DiretorArt. 8º. As Organizações religiosas e suas instituições poderão, observadas as exigências da lei, prestar assistência espiritual aos fiéis internados em estabelecimentos de saúde, de assistência social, de educação ou similar, ou detidos em estabelecimento prisional ou similarArt. 9º. Cada credo religioso, representado por capelães militares no âmbito das Forças Armadase Auxiliares, constituirá organização própria, assemelhada ao Ordinariato Militar do Brasil, com a finalidade de dirigir, coordenar e supervisionar a assistência religiosa aos seus fiéis, por meio de convênio com a Republica Federativa do Brasil.Parágrafo Único: A Republica Federativa do Brasil, assegurará a igualdade de condições, honras e tratamento a todos os credos religiosos referidos no artigo, indistintamente.Art. 10º. As Instituições Religiosas poderão colocar suas instituições de ensino, em todos os níveis, a serviço da sociedade, em conformidade com seus fins e com as exigências do ordenamento jurídico brasileiro.§ 1º. O reconhecimento de títulos e qualificações em nível de Graduação e Pós-Graduação estará sujeito, respectivamente, às exigências da legislação educacional§ 2º. As denominações religiosas poderão constituir e administrar Seminários e outros órgãos e organismos semelhantes de formação e cultural.§ 3º. O reconhecimento dos efeitos civis dos estudos, graus e títulos obtidos nos seminários, institutos e fundações antes mencionados é regulado pelo ordenamento jurídico brasileiro, em condição de paridade com estudos de idêntica natureza.Art.11. O ensino religioso, de matrícula facultativa é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma deproselitismo.Art. 12. O casamento celebrado em conformidade com as leis canônicas ou com asnormas das denominações religiosas reconhecidas pela República Federativa do Brasil, que atenderem também às exigências estabelecidas pelo direito brasileiro para contrair o casamento, produz os efeitos civis, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração.Art. 13. É garantido o segredo do ofício sacerdotal reconhecido em cada InstituiçãoReligiosa, inclusive o da confissão sacramental.Art. 14. Às pessoas jurídicas eclesiásticas e religiosas, assim como ao patrimônio, renda e serviços relacionados com as suas finalidades essenciais, é reconhecida a garantia de imunidade tributária referente aos impostos, em conformidade com a Constituição brasileira.Parágrafo Único. Para fins tributários, as pessoas jurídicas ligadas às InstituiçõesReligiosas que exerçam atividade social e educacional sem finalidade lucrativa receberão o mesmo tratamento e benefícios outorgados às entidades filantrópicas reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, inclusive, em termos de requisitos e obrigações exigidos para fins de imunidade e isenções; estes últimos benefícios fiscais serão concedidos a partir de requerimentos específicos juntos à União, ou aos Estados, ou aos Municípios ou ao Distrito Federal.Art. 15. O vínculo entre os ministros ordenados ou fiéis consagrados mediante votos e as Instituições Religiosas e equiparados é de caráter religioso e, não gera, por si mesmo, vínculo empregatício, a não ser que seja provado o desvirtuamento da finalidade religiosa, observado o disposto na legislação trabalhista brasileira.Parágrafo Único. As tarefas e atividades de índole apostólica, pastoral, litúrgica, catequética, evangelística, missionária, prosélita, assistencial, de promoção humana e semelhante poderão ser realizadas a título voluntário, observado o disposto na legislação brasileira.Art. 16. Os responsáveis pelas Instituições Religiosas, no exercício de seu ministério e funções religiosas, poderão convidar sacerdotes, membros de institutos religiosos e leigos, que não tenham nacionalidade brasileira, para servir no território de sua jurisdição religiosa, e pedir às autoridades brasileiras, em nome deles, a concessão do visto para exercer atividade ministerial no Brasil.Parágrafo Único. Em conseqüência do pedido formal do responsável pela InstituiçãoReligiosa, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, poderá ser concedido o visto permanente ou temporário, conforme o caso, pelos motivos acima expostos.Art. 17. Os órgãos do governo brasileiro, no âmbito de suas respectivas competências e as Instituições Religiosas poderão celebrar convênios sobre matérias de suas atribuições tendo em vista colaboração de interesse publicoArt. 18. A violação à liberdade de crença e a proteção aos locais de culto e suas liturgias sujeita o infrator às sanções previstas no Código Penal, além de respectiva responsabilização civil pelos danos provocados.Art. 19. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.JUSTIFICAÇÃODesde o início da vigência da Constituição Federal de 1988, o Brasil tem experimentado os direitos e garantias previstas na Carta Magna com respeito às religiões, aos cultos religiosos e à assistência religiosa, assegurada a laicidade do Estado brasileiro. Passados mais de 20 anos, podemos observar ao longo desse tempo fatos, discussões e decisões judiciais, inclusive alguns de natureza polêmica, que amadureceram algumas idéias e teses necessárias à regulamentação constitucional nessa área, especialmente nos incisos VI, VII e VIII do artigo 5º, e no § 1º do artigo 210 da Constituição em vigor.Corrobora para esta necessidade de regulamentação, o Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé, relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, assinado na Cidade-Estado do Vaticano, em 13 de novembro de 2008. O referido acordo traz uma série de garantias em benefício da Igreja Católica Apostólica Romana, com a maioria dos quais concordamos plenamente.E é justamente por entender que o Princípio da Igualdade constitucional das religiões em nosso País, pelo qual todas as confissões de fé, independente da quantidade de membros ou seguidores ou do poderio econômico e patrimonial devem ser iguais perante a Lei, que apresentamos esta proposta que não somente beneficiará a Igreja Romana, mas também dará as mesmas oportunidades às demais religiões, seja de matriz africana, islâmica, protestante, evangélica, budista, hinduísta, entre tantas outras que encontram na tolerância da pátria brasileira um espaço para divulgar sua fé e crença em favor de milhões de pessoas que por elas são beneficiadas.Não bastasse esse foco de visão religiosa, muitas das instituições religiosas têm eficientes e reconhecidos trabalhos na área da educação, da assistência social, do tratamento de dependentes químicos e até da saúde do ponto de vista médico.Desse modo, é que, no mesmo lastro daquele Acordo assinado pelo Presidente Luis Inácio Lula da Silva, no Vaticano, em 2008, que apresentamos este Projeto de Lei, o qual, para sacramentar e entender tanto a laicidade do Estado brasileiro quanto o Princípio da Igualdade, pode ser chamado de Lei Geral das Religiões.Por isso, temos a plena certeza de que podemos contar com o apoio de todos os Nobres Pares pela aprovação deste ProjetoSala das Sessões, de julho de 2009.Deputado George Hilton
"Escola pública não é lugar de religião"
Acordo aprovado no Senado, que estabelece obrigatoriedade do ensino religioso na rede pública, fere a Constituição Federal, diz a educadora Roseli Fischmann
Revista Nova Escola
Amanda Polato (novaescola@atleitor.com.br) - outubro/novembro de 2009
ao ensino religioso em escolas
públicas, será instalada uma mixórdia
que abre a possibilidade
de interpretações discordantes"
"Se essa lei for sancionada pelo presidente, nossa constituição será violada", afirma a professora Roseli Fischmann, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Metodista, de São Bernardo do Campo, na região metropolitana da capital paulista. Perita da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para a Coalizão de Cidades contra o Racismo e a Discriminação, responsável pelo capítulo sobre pluralidade cultural dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), coordenadora do grupo de pesquisa Discriminação, Preconceito e Estigma, vinculado à USP, e do Núcleo de Educação em Direitos Humanos, da Universidade Metodista e autora do livro Ensino Religioso em Escolas Públicas: Impactos sobre o Estado Laico, Roseli critica o acordo e fala, nesta entrevista a NOVA ESCOLA GESTÃO ESCOLAR, sobre as diversas e sempre irregulares maneiras de manifestação religiosa no cotidiano escolar.
O acordo assinado pelo presidente Lula com o Vaticano em 2008, que estipula a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas públicas, foi aprovado pelo Senado. E agora?
ROSELI FISCHMANN É importante ressaltar que o documento assinado pelo presidente da República prevê vários privilégios para a Igreja Católica: benefícios adicionais em termos de verbas públicas e ações com impacto sobre a cidadania, como a supressão de direitos trabalhistas para sacerdotes ou religiosos católicos, e a inclusão de espaços para templos católicos em planejamentos urbanos. Nesta entrevista, nos interessa o artigo sobre a obrigatoriedade "do ensino religioso católico e de outras confissões religiosas", como está no texto. Mesmo fazendo menção a outras crenças, o acordo manifesta uma clara preferência por uma religião, o que obriga as escolas a adotar uma determinada confissão, e isso é inconstitucional. O Ministério das Relações Exteriores defende a iniciativa dizendo que não há problema, já que ela apenas reúne aquilo que já existe. Mas isso não é verdade.
Esse artigo poderia ter sido corrigido pelos parlamentares?
ROSELI Eles poderiam ter rejeitado o acordo. Quaisquer propostas de ressalvas precisariam ser revistas pelo Executivo e, como o documento tem caráter internacional e bilateral, nada poderia ser mudado sem a concordância do Vaticano. Ou seja, ficamos amarrados, o que caracteriza uma perigosa interferência no processo legislativo.
Com o acordo em vigor, o que pode acontecer nas escolas?
ROSELI Em relação ao ensino religioso em escolas públicas, será instalada uma mixórdia que abre a possibilidade de interpretações discordantes. Ainda que mencionado o caráter facultativo para o aluno, está criada uma obrigatoriedade do ensino católico, o que não existe nem na Constituição nem na LDB. E a nossa Constituição está sendo violada.
Por que misturar escola com religião é ilegal?
ROSELI No artigo 19 da Constituição, há dois incisos claros. O primeiro afirma ser vedado à União, aos estados, aos municípios e ao Distrito Federal "estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público". O outro proíbe "criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si". Ambos são os responsáveis pela definição do Estado laico, deixando-o imparcial e evitando privilegiar uma ou outra religião, para que não haja diferenças entre os brasileiros. Ora, se o Estado é laico, a escola pública - que é parte desse Estado - também deve sê-lo.
E as leis educacionais?
ROSELI Na própria Constituição, o artigo 210, parágrafo 1º, determina o ensino religioso "facultativo para o aluno, nos horários normais das escolas públicas de Ensino Fundamental", o que pode se considerar como parte da tal ressalva da "colaboração ao interesse público", citada na resposta acima. Já o artigo 33 da LDB diz que "os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso". Ou seja, essa entidade civil, a ser determinada, ou até criada, deve colaborar com a Secretaria de Educação em cada estado ou município. Isso é problemático porque quem quiser que a sua própria religião seja ensinada será obrigado a associar-se a essa entidade, ou não será sequer considerado no diálogo com o Estado, tendo assim violada sua liberdade de associação- um direito garantido pela Constituição.
A lei deixa margem a dúvidas?
ROSELI Alguns termos deixam sim. O que se considera "horário normal da escola"? O tempo que a instituição passa aberta ou aquele em que a criança efetivamente estuda? Uma coisa é certa: a lei é explícita ao declarar que o ensino religioso é facultativo. Porém o que se vê são escolas públicas desrespeitando a opção das famílias e professando, irregularmente, uma fé no ambiente educacional.
Como essa questão é tratada em outros países?
ROSELI Nos Estados Unidos, simplesmente não há ensino religioso em escolas públicas, de nenhum nível. A Revolução Francesa ensinou a relevância da laicidade e hoje o país debate para preservar o Estado laico. Portugal está saindo gradativamente de um acordo que o ditador Antonio Salazar assinou com a Santa Sé em 1940 e aboliu o ensino religioso das escolas públicas.
Como a religião está presente no cotidiano da escola pública brasileira?
ROSELI Ela aparece, sempre de forma irregular, das mais diversas maneiras: o crucifixo na parede, imagens de santos ou de Maria nos diversos ambientes, no ato de rezar antes da merenda e das aulas, na comemoração de datas religiosas. Alguns professores chegam a usar textos bíblicos como material pedagógico para o ensino da Língua Portuguesa ou para trabalhar conteúdos de outras disciplinas. É um equívoco chamar essa abordagem de "transversal" porque quem faz isso enxerta conteúdo de uma disciplina facultativa numa obrigatória.
Atitudes como essas podem ser consideradas desrespeitosas mesmo quando a maioria dos alunos é adepta da mesma religião?
ROSELI Não importa se a escola tem só um estudante de fé diferente (ou ateu) ou se 100% dos alunos e funcionários compartilham a mesma crença. A escola é um espaço público e deve estar preparada para receber quaisquer pessoas com o respeito devido.
Termos religiosos, como "graças a Deus" e "nossa" (que vem de Nossa Senhora), são usados até por quem afirma não professar nenhuma fé. Não é isso que, de alguma forma, ocorre nas escolas?
ROSELI Há expressões que são culturais e as pessoas não param para pensar se estão dizendo algo com sentido religioso. Isso é observável também em outras línguas, como o gee, do inglês, pela inicial do nome da divindade (god). Dificilmente um ateu deixará de ser ateu porque disse "nossa". Porém o que se vê nas escolas públicas brasileiras é muito diferente. O que se faz lá fere a lei.
Com o aumento do número de evangélicos, as práticas dessa religião também aparecem nas escolas públicas?
ROSELI A grande presença no interior das escolas brasileiras ainda é a de práticas católicas. De outros grupos, o que existe muitas vezes é a manifestação de valores e atitudes, voltadas para garantir respeito à sua identidade religiosa, para se defender de tentativas de imposição, notadamente dos católicos.
Muitas escolas tratam de temas religiosos com os jovens alegando que isso ajuda a combater a violência.
ROSELI A religião não impede a violência. A ideia de que ela sempre faz bem é equivocada. Basta lembrar que grande parte das guerras teve origem em conflitos religiosos. Na escola, a violência deve ser combatida com o ensino ao respeito e ao reconhecimento da dignidade intrínseca a todos, não com o pensamento de que apenas as pessoas que acreditam na mesma divindade merecem consideração.
Por que é importante separar a religião do cotidiano escolar?
ROSELI A escola pública não pode se transformar em centro de doutrinação ao sabor da cabeça de um ou de outro. O espaço público é de todos. Além disso, o respeito à diversidade é um conteúdo pedagógico. É importante aprender a conviver com as diferenças e a valorizá-las e não criar um ambiente de homogeneização, em que aquela pessoa que não se enquadra é deixada à parte ou vista com desconfiança e preconceito.
Como deve agir o gestor escolar para evitar irregularidades?
ROSELI O diretor da escola pública tem uma missão importante: fazer daquele espaço um lugar efetivamente para todos. Para tanto, o ensino religioso só deve existir se houver um requerimento dos pais solicitando-o. Caso contrário, não pode nem estar na grade. E, para que os filhos sejam matriculados na disciplina, é preciso que a família dê uma autorização por escrito. Os alunos não podem, em hipótese alguma, ser obrigados a frequentar essas aulas. As horas dedicadas à religião não devem ser computadas no histórico escolar para que os não-matriculados não tenham registrada uma carga horária menor do que os outros. O ideal é que o ensino religioso, quando houver, seja oferecido no contraturno. Nesse caso, cabe à escola disponibilizar outra atividade não religiosa no mesmo horário para configurar o caráter facultativo e a igualdade entre todos os alunos.
O que os pais podem fazer caso sintam que a escola está desrespeitando a liberdade religiosa?
ROSELI Tanto o Conselho Tutelar quanto o Ministério Público têm como função garantir o cumprimento das leis, inclusive as educacionais, e qualquer um desses órgãos pode ser acionado por quem achar que está tendo seus direitos violados.
As escolas confessionais e as particulares podem professar a sua fé?
ROSELI Sim. Os pais têm o direito de escolher a formação que querem dar aos filhos. A primeira LDB, de 1961, reconheceu (após muita polêmica) que deveria haver escolas particulares e, com elas, as confessionais, o que persiste até hoje. Na época, pensou-se no que fazer quando a família não tem condições financeiras para colocar a criança nessas instituições. Foram criadas então as bolsas de estudo, que são a origem do sistema de filantropia nas escolas. Porém essas escolas precisam seguir os PCNs e ensinar Língua Portuguesa, Matemática, Ciências e as outras disciplinas. Assim a criança vai aprender o que diz a fé, pela qual seus pais a colocaram ali, sem deixar de conhecer o que defende a Ciência.
Quais as implicações na formação integral da criança quando ela tem seu credo - ou a opção por não seguir nenhuma crença - desrespeitado?
ROSELI Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a família tem primazia na escolha da Educação que deve dar aos filhos, inclusive quanto à doutrina religiosa a seguir. Se em casa as crianças aprendem a cultuar de uma forma e na escola de outra, nasce um conflito de valores que pode comprometer a aprendizagem. Não é possível haver a imposição religiosa no ambiente educativo.
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Bibliografia
Estado Laico, Roseli Fischmann, 50 págs., Memorial da América Latina,
editorial@memorial.sp.gov.br,
tel. (11) 3823-4600, sob encomenda
Ensino Religioso em Escolas Públicas: Impactos sobre o Estado Laico, Roseli Fischmann (org.), 230 págs., Ed. Factash, www.factasheditora.com.br,
tel. (11) 3259-1915 (esgotado)