Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013

Jubileu de Prata da Pastoral do Racismo: um depoimento

Rev. Loyola, viveu "pardo" por 19 anos, agora, é negro. 

Há aproximadamente 174 anos os primeiros metodistas pisaram na “terra de Santa Cruz”, posteriormente chamada de Brasil. É interessante lembrarmos que  a missão metodista  chega aqui ainda durante a escravização dos negros, por volta de 1870. Trezentos e setenta anos depois da chegada dos católicos, os protestantes não conseguiram ser tão diferentes face à problemática do escravismo no Brasil. No caso dos metodistas, mesmo considerando as clássicas declarações Wesleyanas contra a escravização dos negros  desde o século XVIII, de quase 140 anos de Igreja Metodista no Brasil, há apenas 25 anos iniciou-se de forma sistemática a reflexão e a organização de uma Pastoral  sobre o racismo.
O mal do racismo foi a “argamassa” no processo de construção identitária do povo brasileiro. O modelo de organização da sociedade brasileira foi sempre inspirado no dualismo; “Senhores e escravos”. Quinhentos anos de Brasil e somente 122 anos de abolição da escravatura. E não acho que foi alguma “princesa” que promoveu isso; houve vários fatores para o episódio de 1888, dentre eles, a luta dos próprios negros e infelizmente o interesse econômico do senhorio nacional e internacional.
Filho de mestiço e negra, nasci em 1964 sendo identificado como “pardo” por 19 anos. Como precisei tirar a segunda via do meu registro civil de  nascimento, ao receber o novo documento, eu já estava identificado como “negro”.  Pardo, negro-pardo ou negro?  Por um tempo em algum lugar na minha mente permanecia certa indefinição étnica. Há 15 anos me descobri negro. E só me descobri porque admiti a realidade do racismo em todos os setores da sociedade. Como qualquer negro consciente, tenho estado atento a todas as formas de discriminação e racismo, muitas vezes transvestido de “discurso teológico e eclesiástico”.
Quero me associar a todos que celebram esses 25 anos de luta contra o racismo no contexto metodista brasileiro. Fico feliz com esse tempo de ação de graças, mas a Igreja Metodista ainda precisa avançar muito nas questões raciais. A propósito, qual é a quantidade de negros/as na membresia da Igreja Metodista? No Colégio Episcopal? Nas lideranças distritais? No corpo docente e discente de nossas instituições de ensino e no corpo pastoral? Onde estão os afrodescendentes na estrutura geral da Igreja Metodista brasileira? Em 2008 fui indicado pela COREAM (Coordenação Regional de Ação Missionária) para coordenar o ministério regional de Combate ao Preconceito Racial na 5ª Região Eclesiástica. É importante sublinhar que com todas as limitações que a Igreja Metodista tem na implementação de uma política missionária e eclesial que, contemple os desafios atuais, ela tem sido uma igreja de vanguarda em várias frentes; Pastoral da Terra, do Racismo, Ministério Pastoral Feminino, Pastoral Carcerária, Pastoral Indígena e outros.
Considero um grande desafio para as igrejas, escolas e os movimentos negros cristãos e não cristão no Brasil, a tarefa de recontar a história da África e sua cultura, pois a história do negro no Brasil não começa em 1503 com a chegada das primeiras “peças” (escravos). A ignorância é a causa de todo o tipo de discriminação. Ainda há uma forte tendência para a demonização da “culinária” da “ arte” e da “cultura” negra. Ainda há muitos sermões inspirados numa demonologia elaborada a partir da teologia racista do século XIX. É preciso lembrar que o próprio Jesus fora demonizado pelos religiosos do seu tempo, o cristianismo originário também foi; o próprio cristianismo de viés católico demonizou os índios quando da colonização; com os afros descendentes no Brasil não é diferente.
Na esperança de que novos teólogos e teólogas, homens e mulheres, crianças e jovens de nossas igrejas locais, releiam a Bíblia na perspectiva da Graça de Deus que não colonializa e, tampouco reafirma a discriminação e o preconceito  de credo, etnia, sexo e classe social, me despeço com as palavras do apóstolo Paulo:
“Doravante ninguém mais me moleste. Pois eu trago no meu corpo as marcas de Jesus” Gl.6.17.

José Roberto Alves Loiola
Presbítero e Pastor Metodista no Distrito Federal
Coordenador do Ministério Regional de Combate ao Preconceito Racial da 5ª RE
Professor na Faculdade Evangélica de Brasília
Mestrando em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo


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