Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013
jihad na internet
Em Bruxelas
Do Le Monde. Publicado no site UOL, 18/06/2008
Dia de semana ensolarado no passeio de Gand, região oeste de Bruxelas. Açougues, mercearias, lojas de telefones celulares, de discos, tecidos: quase todos os comércios aqui têm proprietários do Magreb [região norte da África]. "É o pequeno Marrocos", sorri Tarik, um velho cabeleireiro de ar jovial. Um minuto depois ele se afasta sorrindo. Está disposto a responder a "todas as perguntas", mas não aquelas sobre o eventual crescimento do radicalismo muçulmano nessa área deserdada da capital da Europa -aqui, o índice de desemprego que atinge os jovens chega a 40% em certos bairros. Tarik ouviu falar de Malika El-Aroud, conhecida como Oum Hobeid? "Sim, não, não sei..."
Essa belga de origem marroquina saiu na primeira página do jornal "Herald Tribune" em 27 de maio, com uma reportagem tirada do "New York Times". O jornal a apresentou como "uma das principais jihadistas da Europa" e contou que ela vivia em um pequeno apartamento situado numa sobreloja em Bruxelas. Um jornal flamengo havia reproduzido a entrevista dois dias depois.
"Malika quem?" Na estação de metrô Etangs-Noirs, quatro adolescentes fazem à vontade o relato da "guerrilha" que realizaram dez dias antes contra "os 'skinheads' de Anderlecht" e "a polícia que protege esses porcos". O caso terminou com cerca de 200 detenções. Abdel não conhece Malika nem "Oum Hobeid", mas afirma que "aqui você encontra tudo o que quiser sobre Osama: livros, cassetes, DVDs. Você pode até ser recrutado, se quiser. Quer dizer, você não; é branco demais!"
A blogueira Malika El-Aroud é fotografada na sala de sua casa em Bruxelas, na Bélgica |
Gargalhadas sob o olhar reprovador de um "irmão maior" que passa, com boné de algodão bege, camisa comprida tradicional e sandálias de couro. "Eles dizem qualquer coisa", ele explica com a voz suave. O jovem fundamentalista sorri e se afasta, dizendo, enigmático: "Experimente ver em Minbar-SoS".
É efetivamente nesse site da Internet que Malika El-Aroud se exprime. Para entrar em contato com ela é preciso dar suas coordenadas eletrônicas e esperar a resposta. Mas agora ela se recusa a falar com a mídia. Exceto se pagarem 10 mil euros e aceitarem publicar integralmente suas declarações. Afirmações "para ler em segundo grau", ela explica no pé da página. Em todo caso, nossa inscrição, assim como a de uma colega da rede France 24, não corresponderia aos "critérios de seleção" do site, os quais não foram explicados. Na página inicial de Minbar-SoS encontramos em destaque a foto de Ayman Al-Zawahiri, número 2 da Al Qaeda, e informações em árabe sobre Guantánamo, a Chechênia, a Palestina. Minbar-SoS reivindica 1.400 membros, dos quais 164 ativos.
Aqueles em Bruxelas que conhecem Malika El-Aroud também se tornaram prudentes. Bassam Ayachi, um pregador fundamentalista franco-sírio, dirigente do Centro Islâmico Belga (CIB), parece inalcançável. O CIB ganhou o noticiário porque realizava casamentos religiosos sem casamento civil.
Foi lá que Malika El-Aroud teria se unido com o tunisiano Abdessatar Dahmane, aliás Abou Hobeid, um dos dois assassinos de Ahmad Chah Massoud, líder da resistência afegã aos soviéticos e depois aos taleban. O comandante Massoud foi assassinado dois dias antes de 11 de setembro de 2001 por Dahmane e um cúmplice. Munidos de documentos falsos, eles se fizeram passar por jornalistas. Foram abatidos pela guarda do "Leão do Panshir", um homem que Malika El-Aroud prefere chamar de "o diabo", "um mau muçulmano, inimigo de Osama bin Laden". "Estávamos em guerra e era legítimo matá-lo", ela declarou em 2002 a Marie-Rose Armesto, uma jornalista à qual fez confidências antes de atacá-la com injúrias.
Jean-François Bastin, convertido ao islã com o nome de Abdullah Abu Abdulazziz, fez o prefácio do livro "Les Soldats de Lumière" (Os soldados da luz, La Lanterne Editions), escrito em 2003 por Malika El-Aroud. Ali ela contou seu "percurso de combatente", dizendo ser "neta, esposa, irmã de mujahedin" e pretendendo, dizia, "recuperar a honra de seu marido e seus irmãos, que Bush chama de soldados ilegais". Hoje, "Abdullah Bastin", fundador em Bruxelas do Partido de Jovens Muçulmanos, não nega que conhece Malika El-Aroud, mas se esquiva quando lhe perguntamos como entrar em contato com ela.
A jihadista do ciberespaço tornou-se uma referência, uma fonte de inspiração para uma galáxia onde não se escondem as simpatias pela Al Qaeda. "Ela se tornou um verdadeiro ícone", estima Nadia Bouria, uma jornalista da rede privada belga RTL-Tvi, que acompanhou seu itinerário. Na origem dessa notoriedade existe, evidentemente, o papel exercido por Abdessatar Dahmane, seu marido, assim como sua estada de alguns meses no Afeganistão, antes da queda do regime dos taleban. Lá ela morou em uma "mansão dos eleitos", uma das construções postas por Osama bin Laden à disposição de seus melhores combatentes.
Protegida pelos companheiros de armas de seu marido, "exfiltrada" em dezembro de 2001 através da embaixada belga no Paquistão, ela era esperada de pé firme pela polícia e a justiça belgas. Julgada em 2003 em Bruxelas, foi absolvida, pois o tribunal considerou que não era possível provar com exatidão sua cumplicidade com grupos terroristas. Na seqüência, Malika El-Aroud pelo menos confirmou a opinião de seus juízes, que haviam salientado seu "evidente desprezo" pelo Ocidente. Aparecendo em várias entrevistas realizadas na Bélgica e na França, ela atribuiu o 11 de Setembro a "uma obra dos judeus" para desviar a atenção do mundo e "arrasar a Palestina". Em 2005, casada novamente com um tunisiano fundamentalista na Suíça, ela foi condenada com sursis por incitação ao ódio e apoio a uma organização criminosa. Foi lá que ela começou sua nova vida de "combatente da Web".
Voltando à Bélgica, Malika El-Aroud continua difundindo mensagens claras. "Meus artigos são bombas", ela afirmou ao "New York Times". Em março passado, lembrando as guerras do Iraque e do Afeganistão, lançou aos ocidentais: "O Vietnã não é nada em comparação com o que os espera em nosso país. Peçam desde já a suas mães e mulheres para encomendar seus caixões", acrescentou.
Oficialmente desempregada, essa mulher de 49 anos nascida em Tânger é "uma couraça", admite um especialista belga em antiterrorismo. "Uma possível ameaça", acrescenta o diretor do serviço judiciário da polícia federal. Claude Moniquet, diretor do Esisc, um centro de pesquisas sobre segurança, a considera "perfeitamente consciente do que faz".
As autoridades belgas, que se baseiam em leis inadequadas à evolução da mídia eletrônica, ainda hesitam em deter Malika El-Aroud enquanto ela não superar o limite do "proselitismo não-ativo". Elas temem sobretudo lhe conferir uma aura ainda maior. "Se as autoridades encontrassem um motivo para me prender, eu me tornaria uma mártir viva", preveniu aquela que também aprendeu a utilizar eficazmente a mídia. Interrogada pela justiça, que realizou em dezembro de 2007 uma investigação sobre um possível plano de fuga de um islâmico detido na Bélgica, ela se safou mais uma vez sem ser questionada.
Além do "caso El-Aroud", o envolvimento cada vez maior de mulheres na nebulosa Al Qaeda preocupa as autoridades. Gilles de Kerckhove, coordenador da luta antiterrorista no Conselho Europeu, encomendou a seu serviço um estudo específico sobre o assunto, que ficará pronto dentro de alguns meses. O antigo juiz antiterrorista Jean-Louis Bruguière, que viu diversas vezes aparecer o nome de Malika El-Aroud em seus dossiês, cita o papel crescente das mulheres, "tanto no plano logístico quanto no operacional". Ele salienta a influência determinante que algumas delas podem exercer sobre seu marido combatente. Para ele, "a incitação" a que se dedica Malika El-Aroud é claramente uma das ferramentas utilizadas pelos radicais para recrutar novos membros.
A Al Qaeda parece conferir hoje um papel especial às mulheres. Os dirigentes da nebulosa primeiro consideravam que a mulher era uma espécie de "inimigo interno", suspeito de fazer pactos com o inimigo, de enfraquecer o homem disposto a morrer, de se deixar seduzir por um discurso ocidental que lhe promete liberdade. Posteriormente, os teóricos do movimento terrorista desenvolveram um discurso específico. No "Manual de Recrutamento da Al Qaeda" (ed. Seuil, 2007), Mathieu Guidère e Nicole Morgan analisaram em detalhe a "epístola" às mulheres elaborada por Youssouf Al-Ayeri, companheiro de Bin Laden no Afeganistão e fundador das redes sauditas. Nessa mensagem difundida na Internet, o pensador se dirige às mulheres para convidá-las a não se opor ao sacrifício de seus filhos, ou a tornar-se elas mesmas guerreiras.
Mensagem entendida: recentemente, sites radicais da Web eram portadores de reivindicações emitidas por mulheres que afirmam querer se tornar mártires, a exemplo dos homens. Em troca, lhes prometiam que seriam "ainda mais belas e desejáveis para seus maridos" no além.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves