Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013
Israel deve ser estado laico
De Amitai Etzioni*
Será oportuno que Israel seja um Estado judaico? Fazer tal pergunta equivale a se perguntar se é mesmo necessário que o papa seja católico. Ainda assim, os defensores dos direitos individuais andaram insistindo nesta indagação, inspirando-se em argumentos que já foram experimentados em certos países onde parte da opinião pretende colocar a identidade nacional na surdina, de modo que as minorias se sintam mais à vontade em seu convívio na sociedade e evitem engendrar terroristas. Argumentos desta natureza se recusam a levar em consideração a contribuição benéfica da comunidade nacional, dos seus valores fundamentais e da sua identidade, ou seja, o cimento que impede o esfacelamento de uma nação.
Em Israel, o raciocínio em favor das minorias e dos direitos individuais se articula em torno de dois argumentos. O mais evidente, por assim dizer, defende que uma ocupação prolongada da Cisjordânia condenaria Israel quer a permanecer uma potência colonial, quer renunciar à sua identidade judaica em proveito de um Estado binacional. Somente um retorno às fronteiras de 1967 (ligeiramente retificadas) poderia debelar os desastres da ocupação e seus efeitos corrosivos sobre a alma de Israel, preservando, além do mais, uma base demográfica essencial para um Estado judaico e democrático.
A segunda parte da argumentação põe em jogo questões mais delicadas, que dizem respeito da mesma forma a outras nações: uma vez contido nas suas fronteiras de 1967, Israel deveria abrir-se para o multiculturalismo. Isto é, renunciar aos seus valores judaicos para tornar-se um Estado culturalmente neutro, capaz de garantir a integração de mais de um milhão de cidadãos árabes (ou seja, cerca de um quinto da população israelense).
Isso permitiria que judeus laicos tirassem proveito da oportunidade para se alforriar daquilo que é considerado por muitos como um regime rabínico opressivo.
(Atualmente, em Israel, ninguém pode casar-se, divorciar nem ser enterrado sem recorrer a uma autoridade religiosa, judaica, muçulmana ou outra).
Contudo, essas considerações parecem menosprezar o fato de que todas as nações do mundo, por mais vastas que sejam, como os Estados Unidos ou a China, têm pelo menos alguma coisa em comum: valores, uma história, uma identidade compartilhada. Se fossem transformadas em Estados neutros, elas seriam espoliadas da dimensão positiva que nos proporcionam as comunidades. Esta dimensão não deve ser subestimada: um cidadão pode muito bem estar pronto para morrer pela sua pátria, indignar-se pessoalmente ao ouvir alguém denegri-la ou, muito simplesmente, ter um sentimento de orgulho ao ver os seus compatriotas vencerem uma competição internacional ou conquistarem uma medalha nos Jogos Olímpicos.
Os defensores dos direitos individuais alegam que, de qualquer maneira, os valores comuns dos israelenses judeus se dissolveram, e que até mesmo as outras nações dispõem de noções apenas vagas da sua cultura comum: no Reino Unido, a noção de "britishness" ("britanicidade") se resumiria a um gosto imoderado pela cerveja morna e pelo críquete.
Mas é importante constatar, entretanto, que as nações desprovidas de valores federativos fortes estão expostas a secessões -como no Canadá ou na Espanha- e enfrentam dificuldades para implantar uma política nacional que exige sacrifícios pelo bem comum.
Aliás, toda nação digna deste nome possui de fato uma determinada orientação cultural. Você pode caçoar quando ouve falar da Europa como de um continente cristão, mas é fato que o descanso dominical nela vigora como regra (e não o sabá judaico nem a sexta-feira dos muçulmanos), as férias acompanham o calendário das festas cristãs, e até mesmo os manuais escolares, assim como diversos ritos públicos veiculam valores cristãos.
Ao procurar apagar essas culturas nacionais, corre-se o risco de um empobrecimento. É justamente o temor de que uma tão grande deterioração ocorra que está atraindo a simpatia de tantos eleitores europeus por partidos políticos hostis à imigração, e que alimenta sentimentos antipalestinos em Israel. A única posição aceitável consiste, portanto, em respeitar a diversidade no âmbito da unidade: cada nação definiria quais são as regras que devem ser compartilhadas por todos, e dentro de quais limites cada comunidade está livre para seguir suas próprias tradições.
Assim, no Reino Unido, em vez de se promover a fusão de todos os grupos étnicos, conforme chegou a ser sugerido recentemente, seria preferível aceitá-los tal como eles são, na medida em que eles não ameaçam os valores nem as instituições nacionais comuns.
Em Israel, isso implicaria não só em respeitar o direito dos judeus e dos árabes a praticarem livremente a sua religião, como também o direito de não se praticar nenhuma. Além do mais, os pregadores de ódio e os apóstolos da violência não deveriam beneficiar de nenhuma complacência. Seria também imperativo suprimir as medidas discriminatórias contra os árabes israelenses e os judeus laicos em matéria de subsídios e de privilégios alocados pelo Estado, como é o caso na atribuição de bolsas de estudos.
A sociologia nos ensina que as sociedades são organismos complexos, animados por necessidades e valores diversos, entre os quais não se deve privilegiar alguns deles, a não ser em detrimento de todos os outros. Não é possível poupar as suscetibilidades de cada uma das minorias sem se arriscar a comprometer o essencial: a comunidade nacional.
Todo esforço visando a assimilar completamente as minorias (o que só pode ser feito menosprezando a cultura própria de cada uma delas) ou a liquidar o etos nacional (em detrimento da cultura comum) de nada servirá senão para exacerbar os conflitos e as tensões. O interesse geral exige antes que se consiga alcançar uma justa dosagem entre os aportes positivos da diversidade e os valores fundamentais que nós temos por obrigação de compartilhar, todos nós sem exceção.
*Amitai Etzioni é sociólogo, professor da universidade George Washington (Washington, DC)
Tradução: Jean-Yves de Neufville