Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013

Impressões de um católico sobre Concílio Metodista

Por: Magali do Nascimento Cunha

Na semana passada participei de um seminário ecumênico em que o tema de destaque em todas as conversas - no programa e nos momentos informais - acabou sendo a decisão de nossa Igreja Metodista de se desligar de qualquer associação oficial da qual a Igreja Católica Romana faça parte. Tive que responder a muitas perguntas. O mesmo aconteceu com outros/as metodistas presentes.

Um dos conferencistas era o Padre José Oscar Beozzo, secretário-executivo do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e à Educação Popular. O tema da apresentação dele era "Questões atuais do ecumenismo e do diálogo inter-religioso na América Latina". Ele foi o representante da Igreja Católica Romana (CNBB) no último Concílio Geral da Igreja Metodista e participou integralmente de todas as sessões.

Claro que ele não poderia deixar de dizer alguma coisa sobre o Concílio Geral Afinal, havia o tema de sua fala + o tema de destaque em todas as conversas + a informação socializada de que ele esteve presente e viveu tudo o que foi vivido em Aracruz.

Gostei muito da fala dele. Avalio como uma atitude de humildade da qual nós, metodistas brasileiros, precisamos muito nestes tempos em que vivemos. Ele dividiu a reflexão em quatro momentos, o que passo a compartilhar com quem ler esta mensagem.

Primeiro: Aprendizado no Concílio

Ele relatou tudo o que aprendeu, sendo participante do concílio, onde esteve pela primeira vez. Falou de como foi bem acolhido, como se sentiu em casa - mesmo sendo o único padre católico-romano entre mais de 200 metodistas - disse: "não vi nenhum problema em relação à minha pessoa".

Ele destacou também a transparência dos/as dirigentes da igreja, aliada à confiança que foi depositada nele e nos demais representantes de outras igrejas e organismos que receberam todo o material distribuído em concílio. Documentos, os mais diversos, chegaram às suas mãos, sem discriminação.

O padre Beozzo revelou que aprendeu muito pelo concílio ser um concílio de oração. Ele percebeu que a oração esteve presente ao longo de todo o evento. Na avaliação dele, geralmente, o mais comum é se ter momentos específicos de oração mas, palavras dele, "o coração aquecido metodista" se manifestou com uma presença constante da oração em diversos momentos - parava-se sessões para orar. Houve também o momento do jejum durante a eleição dos bispos e da bispa e um cantinho de oração permanente. O padre Beozzo aprendeu que há coragem nesta prática.

Outro elemento que lhe serviu de aprendizado foi o fato de que a caminhada da Igreja não é monopolizada por seu Colégio Episcopal ("o que é muito comum na Igreja Católica", disse Beozzo). Ele destacou: "a voz dos batizados, dos membros do corpo - homens, mulheres, pastores, pastoras, leigos, leigas - era ouvida". O ministério feminino tem um lugar significativo na Igreja Metodista, na visão do padre católico, que acrescentou: "por isso a Igreja Metodista saiu na frente na abertura para o ministério feminino no Brasil e é a única das chamadas igrejas históricas a ter uma bispa. Ela foi reeleita no último escrutínio - mas foi reeleita!".

Impressionou ainda o padre Beozzo o fato de a Igreja Metodista ter uma "câmara jurídica" (a Comissão Geral de Justiça), com gente com formação em Direito para a qual se pode recorrer e apelar.

Segundo: Pedido de perdão

No segundo momento de sua fala, o padre Beozzo expressou um pedido de perdão por sua Igreja aos irmãos e irmãs metodistas presentes. Ele disse que se a Igreja Metodista quer se distanciar da Igreja Católica Romana é porque muitas coisas que esta igreja faz e fala provocam o afastamento das igrejas irmãs. Ele destacou que a Igreja Católica Romana, ao contrário do que muita gente pensa e fala, ficou muito tempo de fora da caminhada ecumênica na América Latina.

Desde a Conferência do Panamá em 1916, houve esforços de aproximação da parte dos evangélicos mas a Igreja Católica esteve ausente e recusou contato. Estar tanto tempo fora da caminhada, é elemento negativo no processo, diferente dos metodistas, que sempre estiveram entre os primeiros a se engajarem.

Beozzo declarou que sua igreja tem muito o que aprender com a caminhada ecumênica. Somente com João XXIII e o Vaticano II é que a busca de unidade aflorou, o que é uma decisão muito recente. Apenas em 1965 a Igreja Católica no Brasil afirmou que ecumenismo seria uma das seis prioridades de ação no país.

Por isso, ele apresentou três motivos especiais para pedir perdão aos metodistas:

1 - Soberba. A Igreja Católica Romana ainda é a maior igreja do mundo, agrupando 52% de todos os cristãos do planeta. Para Beozzo, é como "um elefante num jardim" - acaba esmagando as menores - não as ouve antes de tomar decisões que afetam todos os cristãos. É uma atitude de soberba.

2 - Posições Teológicas. Católicos Romanos ainda dizem que há apenas uma igreja e que Jesus Cristo não fundou várias igrejas. Uma das afirmações históricas, decorrentes do Vaticano II, é: "A Igreja de Cristo subsiste nas igrejas".O problema, segundo Beozzo, é que a Declaração Dominus Iesus trocou a expressão "subsiste nas" por "e as". Por isso, afirmou, a Dominus Iesus é atrapalha a caminhada ecumênica cristã pois ela deveria ter tratado apenas da questão do diálogo inter-religioso e acabou retomando afirmações anteriores ao Vaticano II.

3 - Eucaristia. O último documento sobre Eucaristia volta atrás nas ênfases do Vaticano II, pois afirma que não se partilha a comunhão do corpo e do sangue com as igrejas com quem não se tem comunhão.

Estes são três elementos destacados, segundo o padre Beozzo, dentre outros que têm causado sofrimento e dificuldades a outras igrejas, não só à Metodista. Por isso ele pediu perdão em viva voz.

Terceiro: impressões sobre a discussão do tema "ecumenismo"

No terceiro momento de sua apresentação, José Oscar Beozzo pediu licença a nós, metodistas presentes, para partilhar algumas idéias decorrentes do impacto que lhe causou as falas no momento da discussão em plenário sobre o tema "ecumenismo".

1 - ele constatou que existem dificuldades na Igreja em relação ao tema e não se pode "tampar o sol com a peneira", atribuindo-lhe caráter político ou jurídico tão só;

2 - houve um problema de método na apresentação do tema. Não houve diálogo. Não houve momento pedagógico de se suspender o debate, por vezes por demais acalorado, para se ouvir quem não teve chance de falar, conversar em grupos, por exemplo. Para Beozzo ficou claro que os discursos já estavam prontos e eram simplesmente apresentados, sem qualquer expectativa de alteração ou abertura para ouvir.

3 - Ficou nítida para o participante católico a existência de um problema pastoral. Houve momentos em que se ouviu "bispo, me ajude. O que fazer?" ou "estão saindo pessoas da igreja!".

Para o padre Beozzo não é só o caso de estar saindo gente da igreja que deveria dirigir a discussão mas a pergunta: o que está fazendo gente sofrer nas igrejas? Esta pergunta não foi feita. Dizia-se muito das divisões, das saídas, mas, o padre Beozzo não ouviu ninguém perguntar "por que?", por que as pessoas sofrem a ponto de sair? Por que as pessoas saem das comunidades? O problema pastoral se revela pela falta da pergunta e da resposta ao porquê. E isto se intensificava com as falas de pastores anotadas por José Oscar Beozzo: "Bispo, o que eu faço com esta situação?" Beozzo anotou a seguinte crítica em algumas falas: "vocês, que estão nas universidades, fora das comunidades locais, não vêem as dificuldades com o ecumenismo.

Quem vê é quem está na base, na comunidade local". Por que esta afirmação foi feita? Mais um indício do problema pastoral, para o representante católico no concílio. "No chão pastoral", afirmou, "há que se ter aproximação pastoral e não doutrinal tão só".

4 - As reclamações sobre a Igreja Católica Romana que apareceram nas falas dos conciliares metodistas foram de três tipos:

a) repetiu-se o que aparece na mídia católica como a verdade sobre o catolicismo no Brasil. Isto confirmou que mais vale o que o padre Marcelo Rossi fala do que o que a CNBB fala. Isto, para padre Beozzo é um problema porque as redes de TV católicas não têm postura ecumênica e quando as pessoas só conhecem o que estas redes divulgam, fica muito difícil de lidar com a questão. Quem tem abertura para o diálogo e caminhada ecumênica, raramente tem destaque na mídia católica;

b) houve a reclamação de mau trato das lideranças católicas na base para com os evangélicos: "chamam a gente de seita!". Beozzo reconhece a crítica como real, mas é preciso reconhecer também, para ele, que isso é fruto da falta de contato, de freqüência de encontro, de diálogo nas localidades;

c) houve reclamações de ordem doutrinal, como citações do Documento Dominus Iesus. A reclamação deve ser acolhida, diz Beozzo, mas não se resolve sem uma parada para pensar e dialogar com quem tem a mesma reclamação entre os católicos.

Quarto: O que fazer?

O padre José Oscar Beozzo terminou sua exposição indicando algumas questões práticas para a consideração dos presentes no seminário, que estendo à consideração de quem lê esta mensagem.

1 - o quanto revisamos nossos materiais de estudo com nossas bases para que tenham a dimensão ecumênica ressaltada?

2 - o quanto temos investido na formação ecumênica?

3 - quanto dos seminários teológicos inserem nas disciplinas do currículo a dimensão ecumênica?

4 - Não podemos desconhecer as quatro grandes tradições cristãs, do ponto de vista teológico, pastoral e litúrgico: a tradição oriental, a católica romana, a protestante e a pentecostal. Isto é urgente.

5 - Voltar nossa atenção principalmente à Bíblia e não só ao que dizem os patriarcas de cada confissão como Aquino, Lutero ou Wesley, dentre outros. Beozzo diz que ouviu mais sobre Wesley nas falas do concílio e pouco sobre a Bíblia. Não seria necessário voltar à Bíblia, que é o que nos une?

6 - É preciso trabalhar mais a espiritualidade ecumênica. Precisamos de espaço para realimentarmos nosso compromisso ecumênico. Nos momentos de oração a gente se encontra...

7 - Exercitar o convite para participação nos momentos litúrgicos, celebrativos e romper preconceitos. Ter uma acolhida fraterna nas celebrações... conhecer como celebram as diferentes tradições, por meio de visita fraterna.

8 - Na América Latina o compromisso ecumênico se renova nas lutas concretas por justiça e paz e a oração vai junto. Reafirmar e viver mais intensamente isto.

Então...

Eu me emocionei muito com a fala do padre Beozzo. Aprendi com sua humildade e sua espiritualidade e com sua postura aberta e desarmada. Suas impressões, algumas críticas, me ensinam muito. Concordo muito com a visão de que temos um problema pastoral. É verdade!

Quando vamos enfrentá-lo? Acredito que não é com votação ou legislação que trabalharemos a cura de feridas abertas que têm a ver com a questão ecumênica e ao mesmo tempo não!
Expliquei ao padre Beozzo, que diferente da fala de senso comum que ele anotou, estou na universidade e estou radicalmente integrada à base, à comunidade local - nunca deixei de sê-lo como leiga; até o ano passado eu era professora da escola dominical e agora sou aluna da classe de adultos. Estou na igreja local, e, por isso vejo, sim, as dificuldades com o ecumenismo.

Dificuldades que nascem da intolerância e da falta de amor que muitas vezes são ensinadas e propagadas por meio de estudos, pregações e canções da moda.

Aprendi muito com o padre Beozzo, ao ouvi-lo falar na semana passada. Preciso aprender mais com pessoas como ele a ter humildade e fraternidade em momentos como o que ele experimentou. Assim a gente vai vendo e vivendo a ação de Deus.

Magali do Nascimento Cunha
Publicado no site
http://www.metodistaecumenico.blogspot.com/

Convidados ao 18º Concílio Geral da Igreja Metodista: da esquerda para a direita, Rev. Rolf Schünemann, pastor sinodal da Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil; D.Jubal Neves, bispo da Igreja Anglicana do Brasil; e Pe. José Oscar Beozzo, da Igreja Católica, coordenador do CESEP, Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular. 


Posts relacionados

Geral, por Sara de Paula

Geral, por José Geraldo Magalhães

Geral, por José Geraldo Magalhães

Geral, por José Geraldo Magalhães

Geral, por José Geraldo Magalhães

Geral, por José Geraldo Magalhães

Geral, por José Geraldo Magalhães

Geral, por José Geraldo Magalhães