Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013
igrejas e questões trabalhistas
Diana B. Henriques
J. Jeffrey Heck, um advogado de Mansfield, Ohio, geralmente se encontra sentado do lado patronal da mesa. "Os únicos casos de funcionários que pego são aqueles que mexem comigo", ele disse. "E este realmente mexeu."
Sua cliente era uma noviça de meia idade que estava treinando para se tornar freira em uma ordem religiosa católica romana em Toledo. Ela disse que foi rejeitada pela ordem após ficar gravemente doente -incluindo um diagnóstico de câncer de mama.
Em sua queixa, a noviça, Mary Rosati, disse que visitou seu médico acompanhada de sua supervisora imediata e da madre superior. Após o médico ter explicado quais eram as opções de tratamento para câncer de mama, prosseguia a queixa, a madre superiora anunciou: "Ela terá que partir. Eu não acho que podemos cuidar dela".
Alguns meses depois, Rosati foi informada que a madre superiora e o conselho que rege a ordem decidiram afastá-la após concluírem que "ela não foi chamada para nosso modo de vida", segundo a queixa. Juntamente com sua ocupação e seu lar, ela perdeu seu plano de saúde, disse Heck. Rosati, que ainda carece de plano de saúde mas cujo câncer está em remissão, disse que preferia não discutir sua experiência devido ao amor que ainda sente pela Igreja.
Nos autos do processo, advogados da diocese negaram seu relato destes eventos. Se Rosati trabalhasse para uma empresa ou quase qualquer empregador secular, ela contaria com as proteções da Lei para Americanos com Invalidez.
Em vez disso, sua queixa foi rejeitada em dezembro de 2002 pelo juiz James G. Carr, do Tribunal Distrital Federal do Norte de Ohio, que determinou que a decisão da ordem de rejeitá-la "foi uma decisão eclesiástica", que estava "fora da jurisdição do tribunal" porque "a Primeira Emenda exige que as igrejas estejam livres da interferência do governo em assuntos de administração e governabilidade da Igreja".
Legisladores e reguladores não são as únicas pessoas no governo que elaboraram regras especiais para as organizações religiosas. Os juízes também elaboraram ou preservaram normas que protegem os empregadores religiosos de todas as religiões da maioria dos processos dos funcionários, de leis que protegem as pensões e fornecimento de benefício desemprego, assim como de leis que dão aos funcionários o direito de formar sindicatos para negociar com seus empregadores.
Algumas destas isenções estão enraizadas em antigas tradições, enquanto outras surgiram de decisões judiciais nos últimos 15 anos. Juntas, elas expandem a capacidade das organizações religiosas - especialmente as escolas religiosas - de administrar seus assuntos com menos interferência do governo e de seus próprios funcionários.
A mais abrangente destas proteções judiciais, e uma com a qual se deparou a noviça em Toledo, se chama isenção sacerdotal. Os juízes aplicam esta isenção, às vezes chamada de doutrina de autonomia da Igreja, em disputas envolvendo trabalho religioso há mais de 100 anos.
Os juízes federais e estaduais costumam lidar com qualquer processo impetrado no local correto de forma apropriada e oportuna. Mas os juízes quase nunca concordarão em ouvir uma controvérsia que exija que se aprofundem em doutrinas, governabilidade, disciplina ou preferências de contratação de qualquer religião.
Citando as proteções da Primeira Emenda, eles têm decidido com grande consistência que as congregações não podem expressar plenamente sua fé e exercitar suas liberdade religiosa a menos que estejam livres para selecionar seus próprios líderes espirituais, sem qualquer interferência das agências governamentais ou questionamento dos tribunais.
Caso contrário seria uma intrusão intolerável do governo nas relações de trabalho que os tribunais chamam de "sangue vital" da vida religiosa e a base da liberdade religiosa, explicou Edward R. McNicholas, co-presidente nacional para instituições religiosas do escritório de Washington, DC, da Sidley Austin, uma firma de advocacia que tem entre seus clientes algumas da mais maiores organizações religiosas do país.
Os juízes têm rotineiramente invocado a isenção sacerdotal para rejeitar processos contra empregadores religiosos impetrados por rabinos, pastores, chantres, freiras e padres - aqueles "cujo ministério é uma expressão central da crença religiosa daquela congregação", como colocou McNicholas.
Mas os juízes também têm aplicado a isenção para rejeitar casos impetrados pelo secretário de imprensa de uma igreja católica romana, um redator do "The Christian Science Monitor", administradores de faculdades religiosas, os beneficiários descontentes de um fundo de pensão luterano, o supervisor de uma cozinha kosher de um asilo judeu e um co-fundador do grupo Focus on the Family, que é dirigido pelo líder religioso conservador James C. Dobson. Os autos dos processos mostram que algumas destas pessoas ficaram surpresas ao saber que seu trabalho era considerado uma "expressão central da crença religiosa" por seu empregador.
Os empregadores religiosos são protegidos de todas as queixas de discriminação religiosa por uma isenção que foi inserida na Lei de Direitos Civis de 1964 e expandida em 1972. Tal isenção lhes permite dar preferência na contratação de candidatos que compartilham sua fé. Nos últimos anos, alguns juízes também têm se recusado a interferir quando grupos religiosos demitiram lésbicas, mães solteiras e casais adúlteros, mesmo quando são da mesma religião, por terem violado os códigos religiosos de seus empregadores.
Uma decisão judicial federal deu aos radiodifusores religiosos a isenção de algumas das exigências de contratação da Comissão Federal de Comunicações, mesmo quando estão contratando secretárias e recepcionistas. Duas outras decisões, uma na Justiça federal afetando uma igreja mórmon e outra de um tribunal de apelações estadual envolvendo um asilo católico romano, afirmavam o direito dos empregadores religiosos de demitir funcionários que mudaram de religião após terem sido contratados.
"São casos muito difíceis porque tocam em alguns assuntos fundamentais da alma", disse Steven C. Sheinberg, um advogado da Outten & Golden, especializada em lei trabalhista. "Há nossa crença de que os funcionários devem ser livres de discriminação em seu trabalho contra nossa crença de que as organizações religiosas devem ter liberdade para contratar pessoas que melhor possam ajudá-las a cumprir sua missão religiosa, sem intrusão do governo."
Os funcionários de instituições religiosas também enfrentam outros riscos, graças às isenções da lei de pensão concedidas pelo Congresso e mantidas pela Justiça. Os empregadores religiosos estão isentos da lei federal de pensão que estabelece exigências de declaração e restrições de conflito de interesse para os planos de pensão de funcionários. Tal isenção provocou vários casos no qual funcionários de hospitais religiosos descobriram que suas pensões desapareceram devido a práticas que não seriam permitidas pelas leis federais normais.
Uma isenção relacionada libera os empregadores religiosos de participar do Pension Benefit Guaranty Corp., o programa de seguro do governo que fornece uma garantia para os planos de pensão corporativos. E algumas decisões judiciais significativas, em disputas trabalhistas nos últimos anos, facilitaram para as escolas e faculdades religiosas resistirem aos esforços para negociações coletivas.
Mas para Heck, a questão sobre se estas isenções no local de trabalho são justas para os funcionários religiosos ficou cristalizada no caso de Rosati, a noviça de Toledo.
Ele disse que o médico envolvido no caso dela estava preparado para testemunhar sob juramente em prol de Rosati. O médico "tinha uma lembrança clara daqueles eventos". Na verdade, disse Heck, o médico alertou as freiras que acompanharam Rosati que seria virtualmente impossível para a noviça doente arcar com um seguro saúde em qualquer outro lugar caso perdesse o plano de saúde da diocese.
Os advogados da diocese contestaram o relato de Rosati de tal visita e negaram que os motivos de saúde foram a causa de seu afastamento da ordem, as Sisters of the Visitation of Holy Mary, que está sob autoridade papal mas coberta pelo plano de saúde da diocese. A investigação pelo tribunal de "tal processo de tomada de decisão, nós acreditamos, atravessaria o limite estabelecido pela Primeira Emenda", disse Gregory T. Lodge, um advogado tanto da diocese de Toledo quanto da ordem.
"Eu entendo e aprecio o fato de que em assuntos de religião, o Estado não interfira", disse Heck. "Eu consideraria impensável um juiz poder dizer: 'Ei, eu não gosto da forma como estão interpretando o Evangelho de Lucas'."
Mas, ele perguntou, que princípio religioso é ofendido quando um funcionário simplesmente fica velho ou adoece? Se a resposta é "nenhum", ele prosseguiu, os juízes deveriam se mostrar mais dispostos a "olhar atrás da cortina".
New York Times
Tradução: George El Khouri Andolfato
Fonte: site UOL
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