Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 13/09/2013
Fred Morris
Comissão de anistia realiza julgamento histórico em Brasília
Bispo Stanley Moraes, presente ao evento, pediu perdão ao pastor Fred Morris em nome da Igreja Metodista
O auditório D. Helder Câmara, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília, foi palco, nesta sexta-feira (26) de um julgamento considerado histórico. O caso de 13 religiosos perseguidos pela ditadura militar foram julgados pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. O julgamento ocorre durante a 11ª edição da Caravana da Anistia.
O evento, que aconteceu pela manhã, incluiu várias atividades como o Ato de Doação de Documentos, que faz parte do projeto do Memorial da Anistia Política no Brasil, além da construção da Bandeira das Liberdades Democráticas, formada por retalhos e a Sessão de Memória, especialmente produzida para a ocasião. A sessão de julgamento teve início após as manifestações.
A Caravana faz parte do Projeto Educativo "Anistia Política: Educação para a Cidadania, Democracia e os Direitos Humanos", que tem como objetivo contribuir para uma formação histórica, humana e política, especialmente da juventude, bem como para o exercício de novas formas de democracia e cidadania. Lançada em abril deste ano, a Caravana já julgou 172 processos no Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Goiânia, Caxias do Sul, Salvador, Maceió e São Bernardo do Campo.
Além da Igreja Católica, por meio da CNBB, também compunha o rol de promotores desta edição da caravana o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC); a Conferência Nacional dos Religiosos do Brasil (CRB); a Igreja Metodista e a Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP).
Participam da solenidade o ministro interino da Justiça, Luiz Paulo Teles Barreto; os ministros das secretarias Especiais de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi; e de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Elói Ferreira, e o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, além de bispos da CNBB e representantes de outras entidades religiosas.
Casos julgados
Marcelo Pinto Carvalheira, arcebispo emérito da Igreja Católica na Paraíba foi preso em 1968, acusado de atividades subversivas e de esconder em seminários pessoas consideradas subversivas e foragidas da justiça. Após 51 dias de cárcere e tortura teve suas atividades monitoradas até o final da década de 80.
Alípio Cristiano de Freitas, ex-padre de nacionalidade portuguesa, preso em 1963 sob acusação de praticar atividades subversivas. Foi condenado a seis anos de reclusão. O anistiando relata que após sofrer prisão e tortura exilou-se no México. Em 1965, retornou ao Brasil e foi novamente preso e condenado a 24 anos de reclusão. Cumpriu pena em diversos presídios como o de Ilha Grande, Presídio Tiradentes, Carandiru e Penitenciária de São Paulo até ser libertado em fevereiro de 1979. Teve a cidadania brasileira cassada, o que lhe impediu de conseguir emprego no Brasil.
Eliana Bellini Rolemberg, diretora-executiva da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), no início de 1970 foi levada clandestinamente à OBAN, onde sofreu torturas por 20 dias e foi transferida para o Presídio Tiradentes. Julgada foi condenada a dois anos de reclusão. Em virtude das torturas teve seqüelas físicas e psicológicas. Após ser libertada foi ao encontro da filha e do marido na França e retornou ao Brasil em 1979.
Frederick Birten Morris, conhecido como Pastor Fred, chegou ao Brasil em janeiro de 1964, com a finalidade de desenvolver atividades pastorais na Igreja Metodista. Cedia sua residência para as reuniões na luta contra a ditadura militar. Em setembro de 1974 foi seqüestrado e sofreu várias sessões de torturas ao longo de 17 dias. Foi expulso do país por meio de decreto do Presidente Ernesto Geisel, sendo proibido de entrar no Brasil até 18 de agosto de 1988.
Alanir Cardoso, preso e torturado com o Pastor Fred, foi militante ligado à Ação Popular (AP). Preso na cidade de Goiânia, foi condenado em 1969 a 2 anos e 3 meses de reclusão. No ano de 1974, foi novamente preso em Recife e levado ao DOPS, onde foi torturado, o que lhe deixou seqüelas físicas até hoje. Novamente condenado, dessa vez a 4 anos e 6 meses de reclusão. Foi posto em liberdade somente no ano de 1979.
Maria Emília Lisboa Pacheco, assessora da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), foi presa em dezembro de 1971, permanecendo presa por 1 mês sofrendo torturas. Após sua absolvição, em 1973, foi selecionada para compor os quadros da Comissão de desenvolvimento do Vale do Jequitinhonha (CODEVALE), não sendo contratada em razão de seus antecedentes.
Nilmário de Miranda, ex-deputado federal, primeiro presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, ex-Secretario Especial de Direitos Humanos, iniciou sua militância política com apenas 15 anos de idade inspirado pela Igreja Católica, especialmente Frei Cristóvão e o bispo diocesano. Foi preso por 32 dias em abril de 1968 e sofreu inúmeras torturas. Ao ser denunciado com base na Lei de Segurança Nacional passou a viver na clandestinidade. Preso novamente em maio de 1972, passou por vários presídios na cidade de São Paulo e Juiz de Fora. Viveu sete anos entre clandestinidade e prisão.
Roberto Faria Mendes, ex-militante do Movimento de Educação de Base (MEB), ligado à Igreja Católica, foi preso em janeiro de 1974 e, após ser indiciado em Inquérito Policial-Militar, passou a viver em liberdade vigiada, que o teria impedido novamente de prosseguir nas suas atividades profissionais.
Ruy Frasão Soares, representado por Felícia de Moraes Soares, militante da Juventude Universitária Católica, foi preso e torturado em 1964. Após sua libertação, em viagem aos EUA, denunciou na Assembléia das Nações Unidas as torturas praticadas no Brasil. Após 1971, com a repressão generalizada, passou a viver na clandestinidade e militou no PCdoB. Em maio de 1974 foi preso em plena feira de Petrolina/PE e nunca mais localizado pelos seus familiares. Seu nome integra a lista de desaparecidos políticos e batizou várias ruas, praças e escolas.
As irmãs Helena e Helder Soares, juntamente com o padre Peter John Mc Carthy, foram presas em setembro de 1981, na região do Araguaia (PA). A região vivia forte clima de tensão com prisões de padres e posseiros. Em outubro de 1982, os três religiosos foram presos e torturados durante toda uma noite na sede do INCRA.
Elia Meneses Rola atuou na política estudantil do Ceará na década de 1960 e mudou-se para o Rio de Janeiro em razão de ameaças de prisão. Em 1973 foi presa, levada ao DOI-CODI e, posteriormente, à OBAN, onde permaneceu por 1 mês sofrendo torturas e humilhações. No ano de 1975, após a condenação de seu companheiro, ambos deixaram o pais clandestinamente, só regressando após a lei de Anistia de 1979
Alguns dos anistiados políticos estão sendo, agora, indenizados pelo governo. A comissão aprovou uma indenização de R$ 285 mil ao pastor Fred, além de uma espécie de pensão vitalícia ao valor mensal de R$ 2 mil.
De Brasília
Com informações do Ministério da Justiça e jornal O Estado de S.Paulo
Processo de Pastor Metodista será julgado no Salão Dom Helder Câmara
* Por Maria Newnum
Nesse ano de 2008, em que comemora-se o Centenário do nascimento de Dom Helder Câmara, a Comissão de Anistia, através de atividades externas denominadas "Caravanas da Anistia", realizará uma sessão de julgamento de processos no Salão memorial Helder Câmara na CNBB em Brasília, no dia 26 de setembro. Nesse dia Fred Morris, Pastor Metodista e missionário aposentado, finalmente terá a chance de receber indenização pelos danos sofridos na época em que foi preso pelo regime militar no Brasil. |
Ao sair da prisão, foi extraditado para os Estados Unidos. Lá chegando Fred não experimentou a compaixão que esperava dos empregadores da missão que o havia enviado ao Brasil e para quem tinha trabalhado por quase 11 anos. Foi demitido e "ganhou" apenas mil dólares para recomeçar a vida, "isto a título de ?caridade? como disseram os chefes da Junta de Missões", salienta Fred.
O Pastor Missionário Metodista chegou ao Brasil no dia 12 de janeiro de 1964. Após um ano aprendendo o português, serviu como pastor no interior do Rio de Janeiro. Em 1970 concluiu o mestrado em sociologia urbana pela Universidade de Chicago. Na viagem de retorno ao Brasil em agosto de 1970, teve um encontro ocasional com um jornalista da revista Time, que viviano Rio, que o solicitou para ser colaborador da revista, principalmente, para área do Recife.
Após consulta aos chefes da Junta de Missões da Igreja Metodista em Nova Iorque, todos estavam de acordo que seria interessante, especialmente, porque Dom Helder Câmara, Arcebispo do Recife e Olinda nessa época era objeto de vários ataques por parte das forças de segurança nacional. A casa de Dom Helder Câmara, na Igreja das Fronteiras, havia sido metralhada duas vezes. Um ano antes o Padre Henrique fora torturado e barbaramente assassinado no próprio Recife. Ocorreu a Fred, ao jornalista de Time e a missão que talvez fosse útil para Dom Helder este contato com a imprensa internacional.
Ao chegar a Recife, Fred iniciou um trabalho de finalidade ecumênica, colaborando com Dom Helder para melhorar as relações entre a Igreja Católica e as igrejas evangélicas da área. Com o apoio do Dom Helder, fez contatos com padres da Igreja Episcopal, com alguns monges beneditinos, um padre jesuíta, várias freiras, com colegas metodistas e luteranos. Formou-se a "Equipe Fraterna", um grupo ecumênico que se reunia para apoio mútuo nos vários trabalhos que os integrantes da "Equipe Fraterna" realizavam em Recife. Diz Fred: "Nos encontrávamos cada terça-feira para um estudo bíblico, uma discussão sobre o trabalho de um dos colegas e, ao final, celebrávamos a Eucaristia. Tudo corria bem durante quase quatro anos. Adorei o Recife, meu trabalho pastoral na comunidade metodista em Caixa D?Agua, a Equipe Fraterna, enfim, tudo".
Em junho de 1974, a revista Time publicou um artigo sobre Dom Helder, intitulado "O Pastor dos Pobres", descrevendoa luta de Dom Helder para defender os brasileiros contra a repressão do governo militar e contra o modelo econômico que esmagava a maioria, ou seja, os pobres.
Nessa ocasião Fred estava nos EUA e apesar de não ter colaborado com o artigo, os militares no Recife ficaram furiosos com Dom Helder, com a revista Time e com ele. Conta Fred: "Eles ficaram sabendo que eu era "stringer" da revista Time e amigo de Dom Helder. Tomaram como fato que eu havia escrito o artigo. Quando retornei ao Recife, fui advertido por um amigo que deveria ir ao Consulado norte-americano, pois estava sendo ?mal-visto? pelos militares. Fui imediatamente a falar com o Cônsul, que me informou que era necessário ir ao Quarto Exército a falar com um tal de Coronel Meziat, chefe da Secção G-2 (inteligência) do Quarto Exército. No dia seguinte, com muito medo, fui encontrar-me com o Coronel Meziat. Acabei tendo três reuniões com ele nas próximas três semanas, nas quais eu insisti que não estava fazendo nada de mal nem contra o regime (que, lamento confessar, era a verdade). Ao final, o Coronel Meziat me advertiu que não podia ter mais contato com Dom Helder ("má companhia") e que teria que deixar de fazer jornalismo. Só assim, poderia ficar no Brasil sem problemas. Então, mandei avisar o Dom da minha situação e também avisei o jornalista da Time que não podia continuar com eles."
Contudo, no próprio dia 30 de setembro de 1974, ao sair de seu apartamento, Fred foi cercado por um grupo de 12 homens; todos armados com metralhadoras e pistolas. Obrigaram-no a entrar numa caminhonete, com capuz na cabeça e as mãos algemadas para trás, e o levaram diretamente para o quartel geral do Quarto Exército no centro do Recife.
Fred conta: "Ali, fui sujeito a torturas e espancamentos por quatro dias e noites. A tortura principal era choque elétrico, que aplicaram constantemente em várias partes do meu corpo, inclusive nos genitais. No quarto dia, me levaram a outra instalação militar em Jaboatão, onde o Cônsul norte-americano, o Sr. Richard Brown, me encontrou. Apesar das ameaças que me deram antes de ir falar com ele, contei-lhe das torturas e ele me assegurou que se algo mais acontecesse comigo, "cabeças iriam arrolar." Fiquei confinado mais 13 dias; provavelmente para que os hematomas desaparecessem, e finalmente, no dia 16 de outubro fui levado por um policial até Rio onde permaneci numa cela da Policia Federal até às 9:30 horas da noite quando me levaram a Galeão e me puseram no vôo da Varig às 11:00 horas da noite para Nova Iorque, acompanhado por uma carta assinada pelo General Ernesto Geisel, dizendo que eu era ?uma pessoa nociva aos interesses nacionais? e por isso estava ?expulso? do país e que, se voltasse, seria preso por um prazo mínimo de quatro anos."
Agora 34 anos depois, em carta enviada a Fred Morris, Sueli Aparecida Bellato, Conselheira, vice-presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, diz: "Lendo seu processo pude perceber que a sua história de cristão da Igreja Metodista é marcada por compromissos e também afinidade com a Igreja Católica. Venho consultá-lo, para saber se o senhor está de acordo que o seu processo seja julgado no auditório Dom Helder Câmara, na CNBB, em Brasília. Seria muito bom que o senhor pudesse estar presente para que o Estado brasileiro lhe pedisse desculpas pelas atrocidades que foram cometidas."
Fred Morris, que atualmente reside em Coronado, na cidade Panamá, já confirmou sua presença. Segue abaixo o contato de Fred e da Comissão de Anistia, para quiça amigos e a comunidade cristã, enviem manifestações sobre essa conquista que é de fato, uma vitória para colaboração ecumênica entre as igrejas Protestantes e a Igreja Católica no Brasil.
Fred Morris
Calle de los Caballeros #49
Coronado, Panama
Phone: 507-240-1506
Fax: 630-839-0114
Cell: 507-6487-0765
email: fced@aol.com
www.faithpartnersof
Sueli Aparecida Bellato Vice-presidente da Comissão de Anistia
Ministério da Justiça sueli.bellato@mj.gov.br tel. 61 34299400
"O segredo para permanecer jovem é ter uma causa para a qual dedicar vida" - Dom Helder Câmara.
* Maria Newnum - Teóloga metodista, ex- vice-presidente do Movimento Ecumênico de Maringá e integrante do GDI - Grupo de Diálogo Inter-religioso de Maringá.