Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013

Folha de São Paulo Jogos dos sete erros.

 Jogo dos sete erros

AMARÍLIS LAGE

Folha de São Paulo 

Ser mandão, ansioso ou superprotetor são alguns dos "pecados" cometidos pelos pais ao brincar com as crianças; confira dicas para aproveitar melhor esse momento com os filhos.

 

Leonardo Wen/Folha Imagem

 

   

Aluna opta por brincadeiras diferentes no centro de desenvolvimento infantil Steps Baby Lounge, em São Paulo.

 

 

"Cada criança tem um ritmo próprio de desenvolvimento e exigir que ela participe de atividades para as quais ainda não está preparada não acelera esse processo."

 

 Então você estudou, acumulou uma grande experiência, aprendeu várias línguas, sabe trabalhar em grupo e busca se manter atualizado. Mas, para completar o currículo de pai ou mãe, é preciso mais um pré-requisito: você sabe brincar?

Não se trata aqui de dar o carrinho de última geração, jogos eletrônicos ou bonecas que cantam, dançam e dão piruetas, e sim de acompanhar os filhos durante as brincadeiras: sentar no chão, botar a mão na massa e se soltar um pouco de regras e objetivos pedagógicos. Essa interação faz com que as crianças se sintam protegidas e valorizadas e permite que os pais as conheçam melhor. O resultado é um vínculo ainda mais forte entre ambos.

"Alguns adultos parecem ter esquecido como brincar. Mas quem tem dificuldades precisa se adaptar e arranjar um jeito de brincar com o filho. Quem não tem vocação para fantasiar pode tentar fazer um exercício junto, ler um livro etc. Mas, principalmente, observar a criança, para se familiarizar com a linguagem dela", sugere Maria Irene Maluf, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia.

Para auxiliar nessa redescoberta do universo lúdico, a Folha pediu para especialistas apontarem os erros mais comuns dos pais. Veja a seguir quais são os "sete pecados capitais" do playground e aprenda como agir para ser promovido a "pai ludens".

 

1 Achar que brincadeira é perda de tempo

 

A cena: Na agenda da criança tem escola, curso de línguas, aulas de esportes etc. Só não tem tempo para pular amarelinha ou empinar pipa. Para muitos adultos, brincar não é uma prioridade, e sim uma atividade supérflua.

 

Comentário: Brincar é algo fundamental para o desenvolvimento da criança. É por meio de jogos e de situações de faz-de-conta que ela compreende as regras sociais, desenvolve habilidades físicas, aprende a lidar com os próprios sentimentos e se prepara para os desafios da vida adulta.

Quando os pais participam da brincadeira, as vantagens são muitas para os dois lados. "Os pais são os principais parceiros da criança. Eles podem oferecer a ela um repertório de brincadeiras que ela não conhece e também ampliar a forma de brincar. Quando os pais se propõem a fazer isso, eles ajudam no desenvolvimento da criança", afirma a pedagoga Edilene Modesto de Souza, pesquisadora auxiliar da brinquedoteca da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

Além disso, a brincadeira facilita a construção de vínculos com o filho. "Na brincadeira, a criança se expõe, ela externaliza o que está sentindo e fala de coisas internas que, às vezes, os pais desconhecem. Isso os ajuda a conhecer mais o filho", ressalta a pedagoga.

 

2 Querer ser "o dono" da brincadeira

 

A cena: Convencido dos benefícios que brincar com o filho traz, o pai se aproxima da criança com uma caixinha de ferramentas. A caixinha é logo transformada em avião, mas o pai quer brincar do "jeito certo", ensinando o filho a encaixar o parafuso de plástico no suporte.

 

Comentário: O lado meio "mandão" dos adultos é um dos primeiros aspectos apontados pelas especialistas ouvidas pela Folha. "Muitos pais dizem 'vamos jogar bola' sem perguntar ao filho se ele quer mesmo jogar bola", comenta Marilena Flores, presidente da IPA (Internacional Playing Association, no Brasil, Associação pelo Direito de Brincar).

O adulto também não precisa encarar a brincadeira como o momento de "ensinar alguma coisa à criança". Alguns jogos, como damas, realmente têm regras, e as crianças precisam de alguém que as mostre como jogar. Mas elas também são capazes de criar suas próprias regras: ao brincar de casinha, por exemplo, podem estabelecer que a girafa é "mãe" do cachorro e que a banheira fica na sala. Dentro do contexto, isso será o "certo" e deverá ser respeitado.

Em outros casos, a criança pode tentar montar uma torre, por exemplo, encaixando as peças de um jeito errado -e os pais não precisam ficar corrigindo seus movimentos. "O que é eficaz na brincadeira é o exercício do ensaio e do erro. Se o adulto dirige demais, esperando um resultado, aquilo deixa de ser brincadeira e vira uma relação formal, um exercício didático, que é angustiante para a criança", afirma Gisela Wajskop, diretora do Instituto Superior de Educação de São Paulo/ Singularidades.

 

3 Ficar ansioso

 

A cena: A sobrinha do vizinho já sabe empilhar blocos de madeira. Mas seu filho, da mesma idade, ainda não consegue fazer isso. É o suficiente para o pai ficar preocupado com o desenvolvimento do menino, com medo de que ele esteja "atrasado".

 

Comentário: Toda criança tem seu próprio ritmo. Desrespeitar isso, para "acelerar" a aprendizagem do filho, pode ser prejudicial. "Isso desorganiza a experiência da criança, que se sente incapaz e frustrada por não conseguir responder à expectativa dos pais e pode pode passar a exigir muito de si mesma", explica a psicóloga Vera Zimmermann, coordenadora do Cria (Centro de Referência da Infância e Adolescência da Universidade Federal de São Paulo).

A pedagoga Edilene Souza dá uma dica para os pais. "A sensibilidade para o desenvolvimento da criança pode ser feita por meio de desafios. O pai pode colocar uma situação nova para a criança e ver como ela reage. Depois, oferecer novas possibilidades para explorar aquele brinquedo, sempre colocando um desafio a mais. Se o desafio for muito grande e ela desistir de brincar, você perceberá que aquele é o limite dela."

 

4 Ser superprotetor

 

A cena: Os pais anseiam por um desenvolvimento veloz do filho, mas, paradoxalmente, impedem que a criança tenha uma série de experiências que a ajudariam a progredir. O menino quer brincar na areia? Não pode. Escalar no trepa-trepa? Também não. Tudo por medo de que ele possa se machucar ou adoecer.

 

Comentário: A preocupação não é infundada. De acordo com um levantamento divulgado neste mês pela ONG Criança Segura, os acidentes são a principal causa de morte de crianças e adolescentes de um a 14 anos. Mas o cuidado não pode prejudicar a autonomia da criança, fundamental para que ela possa se desenvolver plenamente. O importante é ficar de olho nelas, sem podá-las em excesso.

"Conheço muitas mães que vivem com o filho no colo, dão comida na boca, entregam o brinquedo na mão e depois reclamam que ele ainda não aprendeu a andar. Criança tem que cair algumas vezes. Só assim ela vai aprender a andar direito. Claro que é preciso minimizar riscos -não vamos deixá-la subir numa árvore muito alta, por exemplo", comenta Glaucia Maciel, diretora do centro de desenvolvimento infantil Steps Baby Lounge.

Um pouco de "sujeira" também é bom, afirma Marilena Flores, da IPA. "Crianças pequenas têm um vínculo muito forte com a natureza: gostam de mexer com terra, água, plantas e animais. Esse contato é bom para o desenvolvimento sensorial delas."

 

5 Ser sexista

 

A cena: A filha quer um carrinho. O filho quer uma boneca. E o pai quer convencer as crianças a optarem por outros brinquedos. Embora se preocupem com brincadeiras de conteúdo violento ou racista, muitos adultos mantêm uma orientação sexista na hora de brincar com as crianças.

 

Comentário: Ao brincar, a criança faz projeções da sociedade em que vive, que tem tanto homens quanto mulheres. Assim como as mulheres dirigem e os homens cuidam dos filhos, a menina pode brincar de carrinho e o menino, de boneca. Segundo especialistas, isso não interfere de forma alguma na sexualidade da criança. "O problema ocorre se os adultos ficarem recriminando-a e reforçando que 'isso é coisa de mulherzinha'. A gente precisa largar alguns paradigmas", afirma Marilena Flores.

 

6 Intervir nos conflitos

 

A cena: O pai vê seu filho discutindo com outra criança durante um jogo. Em seguida, entra no meio da confusão, briga com todo mundo e avisa que a brincadeira acabou.

 

Comentário: Mais uma vez, o ideal é estimular a autonomia das crianças. Um dos benefícios de brincar é desenvolver o autocontrole e aprender a negociar com o outro até encontrar uma solução.

Nem sempre, porém, essa liberdade é possível. Até os dois anos, a criança não tem noção dos limites entre ela e outras pessoas e, quando frustrada, vai reagir fisicamente.

À medida que cresce, ela entende melhor esses limites e pode resolver os problemas com os coleguinhas por meio da fala, mas isso vai depender da capacidade de comunicação da criança.

Se houver agressão física, o pai deverá intervir. O erro, porém, é adotar uma postura violenta. "Depois, é importante chamar a criança para analisar a situação. Perguntar por que o coleguinha ficou bravo, o que ela sentiu, o que poderia ter feito de diferente. Isso favorece a reflexão", afirma Vera Zimmermann, da Unifesp.

 

7 Ser politicamente correto

 

A cena: Bater no coleguinha, claro, é errado. Mas e brincar de luta? O conteúdo violento de algumas brincadeiras deixa muitos pais em dúvida na hora de permitir ou não que os filhos façam algo.

 

Comentário: "Muitas vezes, os pudores dos adultos limitam a criança. Eles não percebem que a brincadeira pode ser uma leitura crítica que ela faz de algum assunto", afirma Gisela Wajskop. Ela explica que, quando a criança canta "atirei o pau no gato", por exemplo, isso a ajuda a lidar com uma violência simbólica e a ter controle sobre isso. O mesmo vale para o castigo à bruxa ou aos ogros no final dos contos de fadas.

Além disso, afirma ela, os jogos de guerra, tradicionais em todas as culturas, "oferecem contato físico, ajudam a criança a lidar com a idéia de força e fraqueza e a testar a resistência à dor."

Mas é preciso prestar atenção para saber se a agressividade manifestada nas brincadeiras não reflete uma exposição do filho a uma realidade violenta. "O pai não deve ficar preocupado, mas atento. Se a criança estiver muito violenta, pode estar repetindo o que vê."

 

DA REPORTAGEM LOCAL

FOnte: jornal Folha de São Paulo

publicado em 11 de outubro de 2007.


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