Publicado por José Geraldo Magalhães em Geral - 20/09/2013

festa no céu matéria da folha

Toda sexta-feira, cerca de mil jovens vão ao Brás assistir a missa com luz negra e dançar o tecno de Jesus na Cristoteca

Fotos Danilo Verpa/Folha Imagem/
Padre faz missa na abertura da santa balada, com luz negra e tudo



ADRIANA KÜCHLER
DO GUIA DA FOLHA

5/02/2007

Se o electro é por nós, quem será contra nós? Substitua o electro acima por rock, reggae, axé e até psy-trance, e a frase ainda servirá como slogan para a Cristoteca, balada que reúne cerca de mil jovens cristãos e simpatizantes toda sexta-feira na comunidade Aliança da Misericórdia (r. Monsenhor Andrade, 746, Brás, São Paulo, SP).
O promoter da festa e futuro padre Vanderson Costa, 23, é quem explica: "A evangelização noturna usa um elemento do contexto jovem, a música, para alcançar o jovem. A diferença é que uma balada secular quer ganhar dinheiro em cima da diversão. Nossa finalidade é evangelizar através dela".
A diversão funciona assim: às 23h30 começa a missa, num grande galpão, com luz negra, e um padre conduzindo. Maria está de um lado do padre, a banda de outro, dançarinos em volta. À 1h30, entra o DJ e depois uma banda. Rola trenzinho, rodinha de break. E a galera dança como se estivesse numa rave até o galo da missa cantar.
Ambiente aparentemente propício para ficadas, certo? Nem tanto assim, afirma, de camisa da M. Officer, o simpático Vanderson, que, se não fosse um pré-padre, seria um bom partido em qualquer balada. "Grande parte dos jovens que vem são casais de namorados mas também vêm jovens que procuram namorados, e a gente não acha isso errado."

Música perigosa
Errado mesmo é quando um casalzinho decide "avançar o sinal". Aí é hora de chamar a "equipe de evangelização corpo-a-corpo". A missão: fazer "intervenções" com quem esteja alcoolizado, fumando ou com casaizinhos muito animados. "Propagamos a castidade, o namoro com respeito mútuo, sem tomar posse do corpo um do outro. Então, com muito jeito, essa equipe também entra em contato com os casais que ainda não estejam inseridos nessa mentalidade."
A patrulha é uma boa idéia, segundo o padre João Henrique, 51, italiano que segue a linha da renovação carismática (ou linha padre Marcelo), buscador de "ovelhas perdidas" e um dos criadores da balada.
"As casas noturnas têm aqueles caras de terno preto e três metros de altura, armados, prontos para intervir em casos de pessoas que incomodam os outros. A Cristoteca é um ambiente saudável."
Intervenção direta rola mesmo é sobre a música: do reggae ao rock, todas as letras têm de falar de Cristo. Até (e principalmente) a eletrônica, comandada pelos DJs da equipe Electrocristo. "É um estilo de música muito perigoso", esclarece Vanderson.
"Cada som mexe com uma parte do corpo. Assim, te influencia a fazer movimentos que talvez não sejam do seu costume. Pode levar a uma agressividade, a uma sensualidade, o que não é o nosso objetivo", diz.
Padre Henrique explica que realmente determinados tipos de música suscitam instintos negativos de violência, de descontrole emocional. E que isso "não é uma descoberta da igreja, mas do FBI", prega.
Na dúvida, nenhuma música eletrônica fica mais de cinco minutos só no tunts-tunts. Quando você menos espera, a mensagem de Jesus chega via progressive ou psy. "Se algo errado acontece, a gente pára o som, e fala: "Galera, vamos rezar'", diz o DJ Léo Guimarães.
Cleber Marques Ramos, 21, é um adepto do estilo clubber cristão. "O tecno mundano tem muita galinhagem, passa-passa de mão, beija um, beija outro. Antes eu gostava de samba, de black. Agora só me dedico ao tecno de Jesus."
Mas nem só da palavra de Deus vive o homem, e os jovens da Cristoteca também ouvem outros sons. As amigas Mayara Milinavicius, 16, que toca teclado na igreja, e Rafaela Maia, 16, citam: Inimigos da HP, Jeito Moleque, Charlie Brown Jr...
Charlie Brown, meninas? Com aquelas letras cheias de "Eu não sei fazer poesia, mas que se f..."? "Dessas partes a gente não gosta. A gente pula."

Drinques divinos
As meninas se incomodam com baladas em que todo mundo fuma, bebe, briga. Lá não rola nada disso. Os pais adoram. É uma benção! Se alguém quiser encher a cara, a opção mais louca são os "cristodrinques", batidas doces, esfumaçantes e não- alcóolicas. No cardápio, não tem capeta, é claro, mas você pode escolher entre o Apocalipse (suco de uva, hall's, energético e leite condensado), o Coquinho de Deus (leite de coco, soda, energético e leite condensado) ou o Madre Teresa (paçoca, pó de guaraná, açaí, leite condensado e creme de leite), oferecidos a apenas R$ 2 pelo missionário dos drinques Jeferson Santos Barbosa.
Na fila para comprar o seu está o casal Roberta Ferreira, 18, e Rafael Pessuto, 18, que namora há um mês e aprecia o ambiente saudável em vários aspectos. "Ficar não é saudável; é como se você estivesse usando a outra pessoa", proclama Roberta.

Uma mulher santa
Aliás, achar um casal ficando é missão árdua nas pistas do Senhor. E aí, Augusto César, já ficou com alguém aqui? "Graças a Deus não." Graças a Deus? "Quer dizer, ainda não. Ficar por ficar não é legal. A gente conversa, pega o telefone, marca outro dia."
Nova tentativa. Fernando Henrique Ferreira, 18, já ficou, mas não exatamente lá. "Quando a gente vê que tá pintando clima, vai lá fora pra respeitar."
As cantadas não seguem o padrão convencional nem na comunidade da Cristoteca no Orkut (que tem 6.400 membros). Em um post, o cristotequeiro Marcos André, 18, anuncia sua próxima balada: "Vou estar lá louvando muito e, quem sabe, encontrar uma mulher santa. Porque nem toda garota entende esse papo de retiro, de sábado à tarde na igreja, sabe como é".
Nem todo mundo entende. "Quando você fala que é da igreja, as pessoas acham que você passa três horas com o rosário na mão, de vestido compridão e orando. Rola um preconceito", diz Shirley Lisboa, 22, que adora Black Sabbath. Ela resume a estratégia de sucesso da Cristoteca. "Eles misturam letras católicas com um som mais puts-puts pra entreter. Porque, se põem aquelas músicas mais "oooo", é sono na certa. Todo mundo dorme."


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