Publicado por José Geraldo Magalhães em Expositor Cristão, Geral - 30/04/2014
Expositor Cristão: entrevista com a diaconisa Jane Blackburn
Marcelo Ramiro
Jane Menezes Blackburn é diaconisa há 26 anos na Igreja Metodista. Seu amor e dedicação pela obra missionária no nordeste vão além das dificuldades. Mesmo depois da morte do marido – pastor David, em um trágico acidente, Jane permanece firme e nem pensa em deixar a missão. Ela é protagonista de uma história comovente e contagiante. Leia e se emocione!
Como começou seu ministério na Igreja Metodista?
Jane Menezes Blackburn: Eu participei de grupos de jovens que uniam a reflexão sobre a palavra de Deus e a ação social e também do movimento estudantil em tempos de ditadura militar. Quando nossos filhos eram pequenos (3 e 4 anos) no final dos anos 70, eu e meu marido queríamos encontrar uma comunidade de fé para eles e para nós. Antes disso, eu trabalhava como psicóloga em tempo parcial num projeto de Desenvolvimento de Comunidade organizado pelo bispo católico Dom Helder Câmara (onde conheci meu marido que era pastor). Nos identificamos com a Igreja Metodista e começamos a participar em 1980 na Igreja em Caixa D’Água, Olinda/PE. Em 1986, David recebeu nomeação para o Alto da Bondade, que era um ponto missionário da Igreja em Caixa D’Água. Em 18 de setembro de 1988, fui consagrada diaconisa e sempre servi na Igreja na área de educação e ação social paralelamente ao meu trabalho profissional.
Poderia contar como foi o processo de consolidação da creche em Olinda/PE?
Quando chegamos ao Alto da Bondade, havia duas famílias comprometidas com a igreja e um terreno. Em 1987, quando estávamos nos preparando para construir um espaço de culto, as mulheres acharam que precisavam de uma creche para deixar as crianças em lugar seguro enquanto trabalhavam e, assim, a creche foi construída antes do templo. No início sobrevivemos com poucos recursos e muito esforço, mas principalmente com a graça de Deus. Hoje, a creche se tornou um projeto regional, atende 96 crianças e continua se estruturando para servir à comunidade carente. Algumas crianças que foram da creche, hoje são liderança em nossa Igreja Metodista.
Seu marido David acompanhou de perto o trabalho missionário, como era trabalhar ao lado dele?
O sentimento que eu tenho é que éramos uma equipe em todas as áreas da vida para servir a Deus. Ele era pastor e eu estava envolvida na área de educação e ação social. Sempre conversamos muito sobre tudo e com relação à igreja. Analisávamos as possibilidades, os riscos, as oportunidades...
Poderia relatar o acidente com o missionário David e seu sentimento em relação ao que aconteceu?
Nossos filhos estavam na escola. Eu estava numa reunião de avaliação de um material educativo que havíamos produzido junto com outras igrejas e ele estava numa reunião na Diaconia (uma ONG formada por 11 igrejas evangélicas). Alguém chamou a atenção deles porque um fio de alta tensão havia caído sobre a Kombi da igreja que estava estacionada em frente à Diaconia. Ele foi até a calçada, tirou o fio que estava por cima da Kombi e de outro carro (que tinha uma pessoa dentro) com um cabo de vassoura, possibilitando a pessoa que estava no outro carro sair. Depois, percebendo que o pneu da Kombi tinha fogo, empurrou a Kombi, mas ao segurar a maçaneta que estava energizada, foi jogado em cima do fio que havia sido afastado e teve morte instantânea. A Companhia de Eletricidade não fez sua parte de manutenção dos equipamentos, pois quando um fio cai, um dispositivo deveria desligar automaticamente em 30 segundos. Uma fatalidade que mudou a vida da gente de forma inesperada e indesejada. Mas a força de Deus é maior do que a força do sofrimento e, assim, continuamos na missão que não é nossa, mas Dele.
Como foi continuar o trabalho missionário sem o marido?
Nos dois primeiros anos trabalhei mais do que o usual. Precisava organizar a vida de outra maneira e nossos filhos eram adolescentes (15 e 16 anos). Claro que senti muita falta de David e ainda sinto. Estávamos juntos em todas as áreas da vida e tínhamos uma comunicação muito transparente e uma cumplicidade grande. Organizar a vida de outra forma custou muito esforço.
A senhora é uma das diaconisas mais antigas do metodismo brasileiro. Certamente tem muitas histórias para contar. Poderia relatar duas histórias que marcaram sua caminhada ministerial?
Lembro-me que nossa creche tinha um convênio com o Governo do Estado para a merenda. Mas, infelizmente, passamos quatro meses sem receber o dinheiro para comprar os alimentos. As mães traziam o que podiam para ajudar, os comerciantes locais doavam verdura e pão e lutávamos para garantir as quatro refeições que as 40 crianças costumavam receber. Numa semana crítica, quando não sabíamos mais o que fazer, chegou uma pessoa na nossa casa com um cheque e um recado de apoio ao projeto. O dinheiro havia sido enviado por uma pessoa de uma Igreja Metodista em outro estado. Saímos imediatamente para comprar comida que alimentou as crianças até que recomeçássemos a receber o dinheiro do convênio. Essa experiência foi muito marcante para nós.
A outra história foi em 1995. Um grupo de mulheres da igreja local estava discutindo maneiras de diminuir a violência contra as mulheres e decidiu fazer uma campanha na comunidade. Fizemos um cartaz que tinha um desenho de mulheres conversando e a frase: “Mulher, você não precisa apanhar”, com o versículo: “eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” João 10.10. Espalhamos o pequeno cartaz nos mercadinhos, padarias, ligas de dominó e entregamos a quem queria. Uma mulher apareceu em nossa igreja e pediu um cartaz. Na semana seguinte, voltou para pedir outro e explicou que havia colocado na porta do guarda-roupa, pois era no quarto que o seu marido a agredia. Ela contou que depois do cartaz, o homem disse que alguém se importava com ela. Como ele havia rasgado o cartaz, ela precisava de outro para continuar protegida.
Se a igreja pode compreender que a violência acontece em situações de desigualdade, de assimetria de poder e que, diante de Deus somos iguais, vai perceber que a violência é um insulto a Deus e vai trabalhar para construir uma cultura de bons tratos. A igreja pode intervir através de um processo educativo e preventivo, de uma ação para superação e no atendimento às pessoas que sofreram violência. Esse tema é pouco tratado nas Igrejas e só podemos intervir conhecendo as causas, os mecanismos, os elementos da cultura que estimulam e justificam atitudes violentas. A igreja tem pouca experiência de intervenção nessa área, mas é uma das realidades que gritam por uma ação missionária.
Como a senhora avalia o envolvimento dos metodistas com a ação social?
As igrejas em geral, estão tentando se fortalecer para sobreviver e, o foco algumas vezes, está na instituição e não no Evangelho. Quando o foco está no Evangelho, a espiritualidade se espalha naturalmente em amor a quem está privado de dignidade como pessoa humana. A cultura do consumismo religioso, tem tornado difícil sensibilizar os membros das comunidades de fé para se comprometerem com o serviço.
Existem questões muito graves na sociedade hoje como o número de usuários de crack no Brasil (40% estão no nordeste segundo pesquisa da Fiocruz) e existem poucas iniciativas, pelo menos aqui na nossa região, para enfrentar questões como essas. Cesta básica não responde mais à realidade atual e a igreja precisa desenvolver ações que revelem o amor, o poder e a presença de Deus!
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